Opinião

Integração negocial das esferas penal e tributária: o caminho para soluções completas nos crimes de sonegação

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15 de novembro de 2024, 18h17

A ampliação dos mecanismos de negociação no processo penal, como o acordo de não persecução penal (ANPP), tem sido celebrada como um avanço fundamental para sistemas judiciais sobrecarregados, trazendo mais agilidade e eficiência. Contudo, quando aplicado a crimes tributários, o ANPP apresenta desafios consideráveis, uma vez que, embora alivie a pressão penal sobre o acusado, não resolve integralmente a questão fiscal/financeira, deixando o contribuinte com o ônus da dívida tributária.

Essa dissociação entre as esferas penal e tributária evidencia a necessidade de uma abordagem mais integrada, que trate o litígio de forma integrada entre as esferas.

O ANPP, introduzido pela Lei 13.964/2019 (“pacote anticrime”), permite que o acusado tenha extinta sua punibilidade sem sequer ser processado, desde que haja a confissão do crime e o cumprimento de outras condições, das quais, para esta discussão, destaca-se a reparação do dano causado (o que nesses casos remeteria à dívida tributária com o erário).

Solução incompleta

No entanto, quando aplicada essa lógica a crimes tributários, surge um problema que coloca em xeque a atratividade do ANPP: segundo o artigo 9º, §10º da Lei 10.684/90, o pagamento do débito fiscal pelo contribuinte já extingue imediatamente a punibilidade do acusado por si só na esfera penal, sem qualquer outra exigência. Isso significa que exigir a reparação integral do dano e a confissão do acusado como condições para a celebração do ANPP nesses casos torna-se incongruente e pouco – ou nada – atrativo. Não há qualquer incentivo para escolha da via consensual pelo acusado.

E mesmo que se considerasse o alívio da responsabilidade penal, o contribuinte continuará a enfrentar a cobrança de sua dívida por meio de uma possível execução fiscal, que pode incluir juros e multas adicionais. Isso prolonga a insegurança jurídica e financeira, mesmo após o cumprimento do acordo penal.

 

Ou seja, o ANPP, ao lidar apenas com a esfera criminal, oferece uma solução incompleta e pouco atrativa para o contribuinte. Esse cenário evidencia a necessidade de uma solução integrada, que trate tanto da esfera penal quanto da tributária de forma conjunta.

Solução integrada

Para que o ANPP seja mais eficaz em crimes tributários, seria necessário incluir o órgão fazendário nas negociações. Isso poderia ser feito, por exemplo, com base no Código Tributário Nacional (CTN), que, em seu artigo 171, já permite transações tributárias com base em concessões mútuas. Incorporar essa possibilidade no ANPP abriria espaço para um acordo que não só resolva a questão criminal, mas também permita uma negociação da dívida tributária.

Uma solução negocial integrada reduziria a sensação de “dupla punição” e aumentaria a segurança jurídica, ao resolver o problema de forma mais ampla e definitiva. Essa abordagem também teria o potencial de aliviar a carga sobre o Poder Judiciário, ao diminuir, de uma só vez, a quantidade de execuções fiscais e processos penais relacionados a crimes tributários.

Essa não é uma ideia inteiramente nova. A justiça negocial já avançou nesse sentido em outros contextos, como nos acordos de colaboração premiada, que frequentemente têm seus efeitos estendidos para além da esfera penal, abrangendo também processos de improbidade administrativa. Aplicar essa mesma lógica aos crimes tributários traria benefícios significativos para todas as partes envolvidas, tornando o sistema mais eficaz e previsível.

Spacca

Para que essa solução integrada funcione, porém, o Ministério Público e as autoridades fazendárias precisam atuar de forma coordenada, com flexibilidade para considerar a capacidade financeira do contribuinte, revisar a aplicação de multas excessivas e adotar garantias de dívida mais modernas, como o seguro-fiança, para garantir o pagamento da dívida sem sufocar o devedor.

Conclusão

Em resumo, a efetividade do ANPP nos crimes tributários depende de uma abordagem que conecte as esferas penal e tributária, promovendo um diálogo constante entre especialistas das duas áreas. Somente assim será possível maximizar os benefícios desse mecanismo, trazendo celeridade aos processos penais, segurança jurídica ao contribuinte e uma arrecadação fiscal mais eficaz e menos litigiosa.

O momento é oportuno, especialmente considerando a reforma tributária em andamento, que ainda aguarda regulamentação em muitos aspectos. É essencial que o legislador inclua, nesse processo normativo, a integração entre as esferas penal e tributária nos acordos de não persecução penal para crimes fiscais. Trata-se de uma oportunidade que não deve ser desperdiçada. Incorporar soluções negociadas que abranjam tanto a responsabilização penal quanto a resolução tributária seria um avanço significativo para tornar o sistema legal mais coeso e eficiente. Além de proporcionar maior segurança jurídica aos contribuintes, essa medida fortaleceria a eficiência do Judiciário e otimizaria a arrecadação fiscal.

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