Matéria infraconstitucional

Disputa pela Usiminas deve ser decidida no STJ, e não no STF, diz Casa Civil

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15 de novembro de 2024, 18h53

A Casa Civil da Presidência da República enviou à Controladoria-Geral da União um parecer argumentando que a disputa sobre o controle da Usiminas não trata de questão constitucional e, por isso, deve ser decidida no Superior Tribunal de Justiça, e não no Supremo Tribunal Federal.

Usiminas está agindo em diferentes frentes contra a decisão do STJ

O parecer foi feito por Jailton Zanon da Silveira, secretário-adjunto de Informações Processuais da Casa Civil, e por Maria Rosa Guimarães Loula, secretária especial-adjunta da Secretaria para Assuntos Jurídicos da Casa Civil, e enviado à CGU em 17 de outubro.

O texto foi produzido a pedido da CGU, que está levantando dados para apresentar ao ministro André Mendonça, do Supremo, no curso da ADI 7.714, que trata da disputa pelo controle da Usiminas.

O caso, sobre a participação do grupo ítalo-argentino Ternium no bloco de controle da empresa, chegou ao STF em setembro deste ano, após decisão do STJ contra a companhia estrangeira.

Em junho, a 3ª Turma do STJ decidiu que o Grupo Ternium deve fazer a oferta pública de aquisição de ações aos acionistas minoritários da empresa, como prescreve a Lei das S.A. (Lei 6.404/1976).

O parecer

Segundo a Casa Civil, a discussão do caso concreto busca determinar o que o artigo 245-A da Lei das S.A. considera “alienação de controle” a obrigar a oferta de ações. A matéria, diz o documento, não tem contornos constitucionais, mas infraconstitucionais.

“Consabido, a Constituição conferiu ao Superior Tribunal de Justiça a prerrogativa de realizar, em última instância, a uniformização da interpretação da legislação federal, onde se situa a definição do sentido e alcance da expressão contida nos textos normativos em questão”, diz o parecer.

Eventual alegação de ofensa à Constituição se daria, quando muito, de forma meramente indireta ou reflexa, situação que não autorizaria que o Supremo fosse acionado, segundo os autores do texto.

“É certo que todo ato normativo deve ser interpretado à luz da Constituição, o que não significa que toda e qualquer interpretação que se faça de uma disposição normativa infraconstitucional terá o condão de autorizar a realização de controle de constitucionalidade.”

Em outubro, o ministro Moura Ribeiro, do STJ, também enviou informações a Mendonça sobre o caso. Na ocasião, ele disse que a decisão da corte superior levou em conta o rearranjo que houve no controle da Usiminas após as aquisições da Terminum.

Entenda

Como mostrou a revista eletrônica Consultor Jurídico em outubro, o grupo Ternium está atuando em diferentes frentes para tentar derrubar a decisão do STJ que o obrigou a fazer a oferta pública de ações aos sócios minoritários da Usiminas: tem pedidos no STJ e no Supremo e também está atuando politicamente.

No STJ, o grupo ajuizou segundos embargos de declaração questionando a decisão que obrigou a oferta pública. No Supremo, uma associação de importadores e exportadores, em nome do Grupo Ternium, entrou com uma ação direta de inconstitucionalidade contra a sentença.

O assunto também levou membros do governo italiano a circular entre o empresariado brasileiro, tendo como pano de fundo os 150 anos da imigração italiana para o Brasil. A atuação buscaria influenciar decisões judiciais.

Disputa intensa

O caso trata de uma disputa iniciada em 2011, quando o bloco de controle da Usiminas era composto por Nippon Steel, Votorantim, Camargo Corrêa e a Caixa de Empregados da Usiminas (CEU).

O Grupo Ternium comprou todas as ações da Votorantim e da Camargo Corrêa e parte da cota da CEU, assumindo 43,3% das ações ordinárias dentro do bloco de controle da companhia.

Não houve alteração do sócio majoritário, que continuou sendo a Nippon Steel, com 46,12% das ações. Por esse motivo, as instâncias ordinárias entenderam que não era necessária a oferta pública de aquisição (OPA).

Previsto no artigo 254-A da Lei 6.404/1976, esse procedimento serve para proteger os minoritários de alterações abruptas no rumo das empresas das quais são sócios. A parte que ingressa no bloco de controle deve comprar as ações dos minoritários pelo preço no mínimo igual a 80% do valor pago por ação com direito a voto.

No caso da Usiminas, essa conta é ainda mais relevante porque o Grupo Ternium ingressou no bloco de controle pagando muito mais do que o valor de mercado das ações.

Inicialmente, o STJ teve a mesma conclusão das instâncias ordinárias. Mas, nos embargos de declaração, percebeu que, apesar de a Nippon Steel continuar sendo sócia majoritária da Usiminas, a companhia passou por mudanças importantes na forma de comando.

A aprovação das chamadas resoluções ordinárias passou a demandar quórum de 65% da massa acionária do bloco controlador, o que só seria possível pelo consenso entre Grupo Ternium e Nippon Steel. Já as resoluções especiais passaram a demandar quórum de 90% das ações — ou seja, a concordância dos três membros controladores.

Na prática, o veto do Grupo Ternium em qualquer dessas situações seria suficiente para inviabilizar sua implementação, o que implica uma mudança efetiva do bloco de controle e consequências na estrutura gerencial da Usiminas.

Levando isso em conta, a 3ª Turma do STJ voltou atrás de sua primeira decisão e, em junho, deteminou que o Grupo Ternium fizesse a oferta de ações.

No STF

No Supremo, o pedido em favor do Grupo Ternium foi feito pela Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), que ajuizou ação direta de inconstitucionalidade contra a decisão do STJ que determinou a oferta pública de ações aos sócios minoritários da Usiminas.

O caso está sob a relatoria do ministro André Mendonça, que enviou o processo direto ao Plenário da corte.

Na ação, a AEB pede a suspensão de processos judiciais em que se discuta a obrigatoriedade de fazer a oferta pública de ações e uma interpretação conforme a Constituição ao artigo 254-A da Lei das S.A, determinando que a obrigação de oferta pública só ocorre quando o alienante transfere o controle para outra companhia.

A AEB diz que o dispositivo não se aplica a casos de “mera alteração dos membros integrantes do bloco de controle” ou em que há “consolidação de controle compartilhado”. O argumento usa precedentes da Comissão de Valores Mobiliários (CVM).

“O acionista minoritário, ainda que tenha participação relevante nas deliberações da assembleia-geral e eleja a maioria dos administradores, não detém o poder de controle, pois somente pode alienar o controle de determinada companhia aquele que efetivamente seja o titular desse direito”, diz a ação.

Para que o STF aceite o processo, contudo, há uma preliminar. A pouco conhecida AEB deve passar pelo crivo da sua legitimidade. A entidade, que tem o Grupo Ternium na sua direção, precisa demonstrar a pertinência temática da sua representação.

Outro desafio, além de comprovar sua presença em pelo menos dez estados brasileiros, é que a ADI tem no seu bojo uma tese jurídica com paradigma constitucional — e não um caso concreto, que só seria examinado em sede de recurso extraordinário. Nesse plano, a ADI se torna um recurso a mais e o STF, uma quarta instância para o caso.

Clique aqui para ler o parecer
ADI 7.714

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