Opinião

ADI 2.135: o fim do regime jurídico único dos servidores e da estabilidade?

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  • é advogado professor de Direito Constitucional e Administrativo na Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM) doutor em Direito Administrativo Financeiro e Processual pela Universidade de Salamanca e doutor e mestre em Direito do Estado pela Universidade de São Paulo (USP).

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15 de novembro de 2024, 19h13

A Emenda Constitucional nº 19/1998, que incorporou em grande parte o espírito do plano diretor de reforma do aparelho do Estado (1995), elaborado durante o primeiro governo de Fernando Henrique Cardoso, modificou o caput do artigo 39 da Constituição, eliminando a obrigação dos entes federativos de adotarem “regime jurídico único e planos de carreiras para os seus servidores”. A supressão desses termos na redação do caput do artigo 39 abriu caminho para a contratação de servidores públicos sob o regime celetista da CLT.

No início dos anos 2000, foi proposta a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2.135/DF, questionando a constitucionalidade da redação conferida ao caput do artigo 39 pela EC nº 19/1998, alegando vício de inconstitucionalidade formal. Em 2007, foi deferida cautelar suspendendo a referida emenda, com efeito ex nunc, resultando no retorno da regra originária da Constituição, ou seja, a vigência do regime jurídico único para os servidores públicos.

Com o tempo, o dispositivo da emenda 19/1998 que alterava o artigo 39, caput, da Constituição passou a ser tratado como norma praticamente morta, embora ainda respirasse por aparelhos, uma vez que não havia uma posição definitiva da Corte Maior. Poucos se dedicaram a analisar a possível inconstitucionalidade formal da emenda.

Contratação por regime celetista é tendência

Mas eis que, como por um milagre, a moribunda emenda retornou do mundo dos mortos. A ADI 2.135, proposta em 2000, teve seu desfecho em 6 de novembro de 2024, quando a maioria do STF, acompanhando o voto do ministro Gilmar Mendes, a julgou improcedente.

Spacca

Diante desse cenário, podemos concluir que:

  1. A decisão possibilita à administração pública, nas esferas federal, estadual e municipal, a contratação de agentes públicos pelo regime celetista da CLT. Não há mais a obrigatoriedade de um regime jurídico único para os entes da administração direta, autárquica e fundacional, mantendo-se, entretanto, a exigência de concurso público.
  2. Quanto aos atuais servidores estatais em exercício, que estão submetidos ao regime estatutário, nada muda em relação à sua situação.
  3. É verdade que a decisão do STF não alterou a regra da estabilidade dos servidores prevista no artigo 41 da Constituição. Contudo, o instituto da estabilidade é aplicado, via de regra, apenas aos servidores ocupantes de cargos efetivos, não abrangendo os empregos (celetistas). Assim, os novos servidores contratados sob o regime celetista terão uma proteção reduzida em relação à sua permanência no cargo.
  4. Haverá a convivência de regimes distintos na esfera do poder público, o que, sem dúvida, gerará conflitos e instabilidade interna.

Por fim, cabe ressaltar que o STF não se manifestou acerca do mérito da Emenda 19, mas apenas sobre a constitucionalidade do processo legislativo que a aprovou. Além disso, parece evidente que a supressão do regime jurídico único dos servidores públicos e a possível contratação pelo regime celetista da CLT estão em consonância com as tendências observadas no mundo do trabalho em geral. A precarização e a flexibilização têm sido as palavras de ordem no cenário laboral contemporâneo.

Com esse quadro, é difícil dizer que teremos uma administração pública mais profissional, eficiente, eficaz e efetiva.

Autores

  • é advogado, professor de Direito Constitucional na Universidade Presbiteriana Mackenzie, doutor em Direito Administrativo, Financeiro e Processual pela Universidade de Salamanca USAL (Espanha) e doutor e mestre em Direito do Estado pela USP.

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