A TRU dos JEFs do TRF-6 e o julgamento do incidente sobre a "DCB vencida"
15 de novembro de 2024, 20h13
No âmbito dos Juizados Especiais Federais (JEFs), as divergências entre as turmas recursais da mesma região são julgadas pela Turma Regional de Uniformização (TRU) de jurisprudência. Havendo desarmonia entre decisões na interpretação da lei no que toca a questões de direito material, caberá a interposição de um recurso que a Lei nº 10.259/2001 denominou “pedido de uniformização de interpretação de lei federal” (artigo 14).
A TRU dos JEFs do Tribunal Regional Federal da 6ª Região (TRF-6) foi instalada no dia 7 de agosto de 2024, tendo sua organização e funcionamento disciplinados pela Resolução Presi nº 42/2024. Ela é composta pelos juízes federais presidentes das seis turmas recursais de JEFs existentes no TRF-6, sendo presidida pelo desembargador coordenador dos Juizados Especiais Federais da 6ª Região.
Na sua primeira sessão, ocorrida naquela mesma data e presidida pela desembargadora federal Simone dos Santos Lemos Fernandes, a TRU dos JEFs mineiros apreciou temas relevantes. Um deles versou sobre a chamada “DCB (data de cessação do benefício) vencida” (processo nº 0005220-18.2018.4.01.3804), em razão da divergência de entendimentos entre a 2ª e a 4ª Turmas Recursais dos JEFs de Minas Gerais. Como fui o relator do caso, segue a transcrição da parte central do voto para a perfeita compreensão da divergência e da solução adotada pelo colegiado regional:
“Com vistas à correta delimitação da questão de direito material controvertida, pontuo que a perícia judicial foi realizada em 31/01/2019 e o prazo para a recuperação da capacidade laboral foi estimado pelo expert em 1 ano (DCB em 01/2020).”
A sentença foi proferida em 5 de julho de 2021, tendo o magistrado condenado o INSS a restabelecer o benefício desde sua cessação indevida (9/11/2018) e, afastando o prazo de recuperação apontado pelo perito, fixou a DCB em 120 dias, contados a partir da implantação do benefício.
A turma recursal reformou em parte a sentença para fixar a DCB na data estimada pelo perito judicial para a recuperação da capacidade laboral (01/2020). Contudo, como tal DCB já estava vencida na data da prolação da sentença, foi determinada a implantação do benefício pelo prazo de 30 dias para permitir o pedido de prorrogação. Ao final, o colegiado excluiu a obrigação de o INSS pagar as prestações que se venceram entre a DCB e a data da implantação do benefício voltada a viabilizar sua prorrogação.
Direito material
Portanto, a questão de direito material discutida neste pedido de uniformização pode ser delimitada nos seguintes termos:
Nos casos em que a DCB estimada pelo perito estiver vencida na data da sentença e for garantido o prazo mínimo de 30 dias para a viabilização do requerimento de prorrogação do benefício, conforme item I do Tema 246 da TNU, será devido o pagamento das prestações que se vencerem entre a DCB e a implantação do benefício destinado a viabilizar o pedido de prorrogação?
No julgamento do citado Tema nº 246 (Pedilef nº 0500881-37.2018.4.05.8204), a TNU fixou a seguinte tese:
“I – Quando a decisão judicial adotar a estimativa de prazo de recuperação da capacidade prevista na perícia, o termo inicial é a data da realização do exame, sem prejuízo do disposto no art. 479 do CPC, devendo ser garantido prazo mínimo de 30 dias, desde a implantação, para viabilizar o pedido administrativo de prorrogação.
II – quando o ato de concessão (administrativa ou judicial) não indicar o tempo de recuperação da capacidade, o prazo de 120 dias, previsto no § 9º, do art. 60 da Lei 8.213/91, deve ser contado a partir da data da efetiva implantação ou restabelecimento do benefício no sistema de gestão de benefícios da autarquia.”
Conforme destacado pelo juiz federal Fábio de Souza Silva, relator para o acórdão (sessão da TNU de 19/06/2020), a tese fixada no Tema nº 246 representa a consolidação jurisprudencial da conduta já adotada pelo INSS na seara administrativa, que, no artigo 10, § 1º, da Portaria Conjunta nº 2/2020 do INSS/PFE, tratou do instituto da “DCB vencida” ou “prestes a vencer” da seguinte forma:
“Art. 10. (…)
§ 1º Salvo nas hipóteses de decisão judicial ou de despacho do órgão de execução da PGF com ordem expressa em sentido contrário, em se tratando de DCB vencida ou com prazo a vencer inferior a 30 dias da DDB/atualização, deve o benefício ser implantado com DCB no 30º dia posterior a data do efetivo cumprimento como forma de possibilitar o pedido de prorrogação.”
DCB vencida
Todavia, percebe-se que o procedimento seguido administrativamente no caso de “DCB vencida” — e que foi referendado pela TNU — não aborda a questão de direito material controvertida neste incidente de uniformização regional, consistente em saber se o INSS deve ser responsabilizado pelo pagamento das prestações que se venceram entre a DCB fixada pelo perito (que já se encontrava vencida na data da prolação da sentença) e a data da implantação do benefício pelo prazo mínimo de 30 dias, com vistas à viabilização do pedido de prorrogação.
No caso concreto, conforme já destacado, o perito judicial fixou a DCB em janeiro de 2020 (um ano após a perícia realizada em 31 de janeiro de 2019) e a sentença (em que foi reconhecido o direito à concessão do auxílio-doença) foi proferida em 5 de julho de 2021, sendo que o benefício somente foi implantado em 14 de setembro de 2021 a partir da realização de nova perícia administrativa decorrente do pedido de prorrogação.
A meu ver, entender que o segurado somente faz jus ao recebimento das parcelas vencidas entre a DIB e a DCB (apontada pelo perito judicial), além do prazo de ampliação do benefício para viabilização do requerimento de prorrogação (DIB até a DCB + prazo mínimo de 30 dias), não é a solução mais adequada e justa, uma vez que a demora do processo judicial inviabilizou o exercício do direito à apresentação do requerimento de prorrogação antes do escoamento da DCB fixada pelo perito (janeiro de 2020).
Não se nega que, nesses casos, é bem difícil saber se a parte autora permaneceu incapaz após o prazo estimado pelo perito oficial. Ela pode ter se recuperado, mas também pode ter continuado incapaz, até mesmo em razão de eventual agravamento de seu quadro clínico. O certo é que o segurado não pode, como regra, ser prejudicado ou penalizado pela demora para o sentenciamento da causa judicial, havendo de incidir, nesse contexto, a presunção de continuidade da incapacidade laborativa até o momento da implantação do benefício ampliado (pelo prazo mínimo de 30 dias). A referida presunção, todavia, poderá ser afastada quando a natureza da patologia claramente implique recuperação da capacidade laborativa, o que deve ser analisado caso a caso.
Concessão de benefício previdenciário
Na espécie, a incapacidade decorreu de uma hérnia de disco com compressão neurológica (CID: M51), mesma moléstia que antes ensejou a concessão do benefício previdenciário pela agência da Previdência Social. Após a sentença, o INSS realizou nova perícia administrativa e, reconhecendo a persistência do quadro incapacitante, prorrogou o benefício a partir de 14 de setembro de 2021, o que aponta para a probabilidade nitidamente prevalente de o segurado ter estado incapaz também entre a DCB fixada pelo perito judicial e a data da (re)implantação do benefício.
Enfim, “a solução judicial deve consistir no fruto de uma prudente ponderação entre a intencionalidade normativa e as exigências de justiça do caso concreto, reclamando-se tanto mais sensibilidade às reais consequências quanto grave for seu impacto sobre a esfera vital do indivíduo” (SAVARIS, José Antonio. Uma teoria da decisão judicial da Previdência Social: contributo para a superação da prática utilitarista. Florianópolis: Conceito Editorial, 2011, p. 305).
Assim, à vista dessas razões, o incidente foi conhecido e provido, à unanimidade, para se restabelecer a sentença e fixar a seguinte tese sobre o assunto:
“I – Nos casos de auxílio-incapacidade em que a DCB estimada pelo perito judicial estiver vencida na data da sentença ou do acórdão que reconheceu o direito invocado, o benefício deve ser (re)implantado pelo prazo mínimo de 30 dias para viabilizar ao segurado o requerimento de sua prorrogação, sem prejuízo do direito ao recebimento das prestações que se venceram entre a DIB e a data da implantação do benefício a fim de oportunizar tal pedido de prorrogação, pois, nessa hipótese, presume-se a continuidade da incapacidade laborativa até o momento da realização da nova perícia administrativa. II – A presunção referida no item I poderá ser afastada quando a natureza da patologia claramente implique recuperação da capacidade laborativa, o que deve ser analisado no caso concreto.”
Esse exemplo bem revela a importância da TRU no sistema dos JEFs da 6ª Região, sobretudo no que tange às questões mais locais, uma vez que viabilizará a uniformização da jurisprudência dos colegiados situados na capital e no interior do Estado das Minas Gerais. Ainda que se possa discutir a opção feita no caso acima, o que é natural no mundo do direito, a fixação da tese inegavelmente propiciará, nesta unidade federada, os benefícios do sistema de precedentes: a) previsibilidade jurídica: no mundo do direito, a partir de normas e princípios, surge uma grande diversidade de interpretações e de entendimentos, resultando em decisões distintas sobre uma mesma questão; b) igualdade jurídica: na medida em que faz com que casos idênticos ou similares recebam tratamento uniforme; c) fortalecimento da imparcialidade: o sistema reduz espaços para decisões carregadas de subjetivismo. Obsta variações exegéticas ao sabor do momento ou de quem seja um dos litigantes; e d) favorecimento da estabilidade, da integridade e da coerência da jurisprudência dos tribunais (MACÊDO, Lucas Buril de. Precedentes judiciais e o Direito Processual Civil. 3. ed. Salvador: JusPodivm, 2019, p. 126-160).
Assim, só nos resta desejar que a TRU dos JEFs de Minas Gerais cumpra, com eficiência e qualidade, a sua missão de uniformizar a interpretação de lei federal no âmbito da 6ª Região da Justiça Federal.
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