Opinião

Viabilidade da cumulação de pedidos de danos morais distintos em um único processo

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  • é mestre em Direito pela Universidade de São Paulo (USP) graduado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) membro de grupos de pesquisa da USP-FDRP professor advogado e sócio do escritório Advocacia Flumignan.

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14 de novembro de 2024, 13h22

As questões envolvendo danos morais e a possibilidade de cumulação de pedidos relacionados em um único processo são de suma importância na atualidade, especialmente nos casos de danos morais presumidos (in re ipsa).

O dano moral consiste na violação de um direito de personalidade, sendo admitido tanto para pessoas físicas quanto para pessoas jurídicas, conforme entendimento consolidado pela Súmula 227 do STJ [1]. Os direitos da personalidade são direitos subjetivos inerentes à pessoa, relacionados à dignidade e essenciais ao desenvolvimento humano. São intransmissíveis, irrenunciáveis, vitalícios e extrapatrimoniais.

Não existe um rol taxativo de direitos da personalidade, pois estão conectados à dignidade humana e aos direitos fundamentais, que são inesgotáveis podem ser expandidos e ampliados, e novos direitos podem surgir ao longo do tempo.

Via de regra, para a configuração do dano moral é necessário provar a conduta, o dano e o nexo causal. Excepcionalmente, entretanto, o dano moral é presumido (in re ipsa), bastando a prova da conduta e do nexo causal.

Existem inúmeros exemplos de danos morais in re ipsa na jurisprudência, como a inscrição indevida em cadastro de inadimplentes [2], protesto indevido [3], interrupção injustificada de fornecimento de serviço básico ou essencial como o energia elétrica [4], devolução indevida de cheque [5], apresentação antecipada de cheque pós-datado [6], recusa injustificada pela operadora de plano de saúde em cobrir tratamento de urgência [7], publicação não autorizada da imagem de pessoa com fins econômicos ou comerciais [8], entre outros.

Possibilidade de cumulação de danos morais

A análise do caso concreto é fundamental neste tipo de ilícito, devendo-se avaliar a possibilidade ou não de cumulação de diversos danos morais decorrentes de uma mesma conduta, já que, de uma mesma origem comum, podem derivar múltiplos danos morais.

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Na fixação dos danos morais, deve-se considerar sua tríplice função: compensatória, punitiva e preventiva. A função compensatória busca reparar os danos sofridos pela vítima; a função punitiva objetiva condenar o autor da prática ilícita; e a função preventiva visa dissuadir o cometimento de novos ilícitos [9].

Do ponto de vista processual, caso o autor tenha várias pretensões contra o mesmo réu, ele pode apresentá-las cumulativamente em um único processo, evitando-se decisões contraditórias [10]. O Código de Processo Civil não exige um único pedido de danos morais, já que estes podem afetar diversas esferas da personalidade do indivíduo.

A técnica de cumulação de pedidos visa à economia processual e à obtenção de soluções consistentes para os diferentes litígios [11]. Caso o autor apresente múltiplos pedidos em um único processo, economiza-se tempo e recursos financeiros e humanos.

Entre os requisitos para admissibilidade da cumulação de pedidos, segundo o §1º do artigo 327 do CPC, estão a compatibilidade dos pedidos entre si, a competência do juízo para conhecê-los e a adequação ao tipo de procedimento.

Classificação de pedidos

Dentre os diversos critérios de classificação da cumulação de pedidos, tem-se a cumulação própria (em sentido estrito), que se refere àquela em que há interesse na procedência conjunta de todos os pedidos formulados.

Neste tipo de cumulação, as causas de pedir podem ser autônomas. Ao estabelecer os requisitos para a cumulação de pedidos, o caput do artigo 327 do CPC menciona que não é necessária a conexão objetiva entre as lides, bastando que sejam formulados contra o mesmo réu [12]. Em outras palavras, exige-se conexão subjetiva, mas dispensa-se a conexão objetiva.

Nos casos de cumulação de danos morais oriundos de uma mesma conduta, uma condenação não depende necessariamente da outra. Por exemplo, é possível que a parte ré seja condenada por danos morais decorrentes da perda do tempo livre (com base na teoria do desvio produtivo), sem necessariamente ser condenada por danos morais relacionados a um eventual risco à integridade física do indivíduo.

O CPC não exige pedido único de danos morais. Não há impedimento processual para a cumulação própria desses danos em um único processo, mesmo quando resultantes de um único fato inicial.

Observa-se, também, que embora o direito brasileiro não admita o tabelamento de indenizações por danos morais, alguns tribunais, como o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul [13], adotaram um sistema de valores para casos semelhantes, visando a fornecer parâmetros objetivos, estabilidade e previsibilidade das decisões.

Danos morais distintos em um mesmo processo

O STJ ainda não se debruçou de forma aprofundada quanto à possibilidade de cumulação de danos morais distintos em um mesmo processo, nem mesmo quando da aplicação do critério bifásico.

Essa possibilidade de cumulação de danos morais em um único processo fica ainda mais relevante quando a vítima sofre mais de um dano moral in re ipsa decorrente de um aparente mesmo fato originário. A título de exemplo, o STJ permite a cumulação de dano moral e dano estético, conforme a Súmula 387 [14], o que evidencia a possibilidade de cumulação de danos distintos.

Apesar de existir uma tendência nos tribunais brasileiros em tratar os danos morais como uma única violação e condenando-se em apenas um montante indenizatório, a jurisprudência do STJ ainda não consolidou entendimento sobre a possibilidade de cumular indenizações por danos morais distintos resultantes de um mesmo evento. A situação se torna mais complexa quando a vítima sofre múltiplos danos morais in re ipsa (presumidos).

Uma interpretação adequada deve permitir a cumulação de danos morais distintos, mesmo que a violação seja do mesmo direito da personalidade e aparentemente do mesmo fato originário. Essa interpretação promove a economia processual e viabiliza a aplicação do método bifásico de forma mais eficiente.

Exemplo em fraude bancária

Para melhor elucidação, suponha que um indivíduo tenha sido vítima de fraude bancária e, em decorrência disso, teve seu nome negativado. A fraude bancária, por si só, gera danos morais decorrentes na falha da prestação de serviço. No entanto, a instituição financeira, ao negativar o indivíduo em razão da dívida fraudulenta, ocasionou um segundo dano moral. Ambos os fatos, isoladamente, são passíveis de indenização por danos morais.

Nesse contexto, a parte lesada poderia, em tese, ajuizar ações distintas: uma para reparação da fraude bancária e outra pela negativação indevida. Contudo, nada impede que ele reúna todos os pedidos em uma única ação, solicitando indenização cumulativa pelos danos morais oriundos do mesmo fato inicial a dívida fraudulenta.

Deve-se, então, analisar a conduta da parte responsável pelo ilícito e a jurisprudência aplicável ao enquadramento adequado da situação fática. No exemplo dado, a jurisprudência entende que a fraude bancária, isoladamente, já enseja indenização por danos morais. Da mesma forma, a negativação indevida é capaz de gerar dano moral, sendo ambos presumidos (in re ipsa), conforme entendimento majoritário dos tribunais atualmente.

Ainda que aparentemente originados de um fato comum, os atos da parte ré falha na prestação do serviço bancário e negativação indevida configuram condutas distintas, cada uma por si só passível de indenização por dano moral. É, portanto, viável a cumulação de pedidos de indenização para cada ato ilícito em um único processo.

Ajuste de valores de indenizações por danos morais

Conforme mencionado, embora o tabelamento de indenizações por danos morais não seja admitido pelo direito brasileiro, é comum que cada tribunal adote parâmetros iniciais objetivos para casos semelhantes, ajustando o valor para mais ou para menos conforme as circunstâncias específicas do caso. Nesse contexto, se um tribunal fixar, por exemplo, R$ 15 mil para danos morais decorrentes de fraude bancária e R$ 10 mil para negativação indevida, nada impede que o autor cumule ambos os pedidos indenizatórios em uma única demanda, totalizando R$ 25 mil no exemplo dado.

Com a finalidade de que haja a utilização mais adequada do método bifásico para a fixação do montante de danos morais, deve-se analisar se cada fato isoladamente é apto a gerar dano moral através de uma análise jurisprudencial e casuística. Se houver mais de um fato que isoladamente seja apto a gerar dano moral, deve-se permitir a cumulação destes danos morais no mesmo processo, buscando-se a reparação adequada ao caso concreto, utilizando-se parâmetros objetivos e precedentes judiciais a respeito.

Assim, a cumulação de danos morais em um único processo é viável e está em consonância com o princípio da economia processual. Além disso, essa prática atende à tríplice função dos danos morais, proporcionando uma compensação adequada, punindo o agente do ato lesivo de forma devida e desestimulando a prática de novos atos ilícitos.

Portanto, além de viável, é recomendável a cumulação de danos morais distintos em um único processo judicial, sendo tal possibilidade justificável tanto do ponto de vista processual quanto do método bifásico, pois melhor se adequa à função tríplice dos danos morais. A jurisprudência, inclusive, deve caminhar nesse sentido, possibilitando a cumulação de indenizações distintas por danos morais em um único processo.

 


[1] Súmula 227, STJ. A pessoa jurídica pode sofrer dano moral.

[2] Brasil, STJ, REsp 718.618/RS, Rel. Min. Antônio de Pádua Ribeiro, Órgão julgador: Terceira Turma, julgado em 24/05/2005.

[3] Brasil, STJ, AgRg no AREsp 179.301/SP, Rel. Min. Raul Araújo, Órgão julgador: Quarta Turma, julgado em 18/12/2012.

[4] Brasil, STJ, AgRg no AREsp 518.470/RS, Rel. Min. Sérgio Kukina, Órgão julgador: Primeira Turma, julgado em 07/08/2014.

[5] Súmula 388, STJ. A simples devolução indevida de cheque caracteriza dano moral.

[6] Súmula 370, STJ. Caracteriza dano moral a apresentação antecipada de cheque pré-datado.

[7] Brasil, STJ, AgInt no REsp 1.838.679/SP, Rel. Min. Raul Araújo, Órgão julgador: Quarta Turma, julgado em 03/03/2020.

[8] Súmula 403, STJ. Independe de prova do prejuízo a indenização pela publicação não autorizada de imagem de pessoa com fins econômicos ou comerciais.

[9] Brasil, STJ, REsp 1.440.721/GO, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, Órgão julgador: Quarta Turma, julgado em 11/10/2016.

[10] THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. 57. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016. v. I., pp. 790-791.

[11] BASTOS, Antonio Adonias Aguiar. A cumulação própria de pedidos no CPC/2015. In: Revista de Processo, v. 290, Abr. 2019, p. 20.

[12] WAMBIER, Luiz Rodrigues; TALAMINI, Eduardo. Curso avançado de processo civil. Cognição jurisdicional (processo comum de conhecimento e tutela provisória). 16. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. v. 2, p. 94.

[13] O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul adotou, em novembro de 2020, a “tabela de parâmetros do dano moral”. In: TABELA DE PARÂMETROS DO DANO MORAL COMEÇA A SER USADA POR MAGISTRADOS E ASSESSORES. In: Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Disponível em: <https://www.tjrs.jus.br/novo/noticia/tabela-de-parametros-do-dano-moral-comeca-a-ser-usada-por-magistrados-e-assessores/>. Acesso em: 23/11/2022.

[14] Súmula 387, STJ. É lícita a cumulação das indenizações de dano estético e dano moral.

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