tragédia ambiental

Juíza absolve mineradoras e executivos em ação penal pelo desastre de Mariana

 

14 de novembro de 2024, 10h30

A Vara Federal de Ponte Nova (MG) absolveu todos os réus na ação penal pelo rompimento da barragem do Fundão, em Mariana (MG), ocorrido em 2015. O desastre causou a morte de 19 pessoas, contaminou toda a bacia do Rio Doce com rejeitos de minério e atingiu mais de 40 cidades.

Rejeitos de minério da barragem de Fundão, em Mariana, atingindo o Rio Doce após rompimento

Rejeitos de minério da barragem do Fundão atingiram profundamente o Rio Doce

A juíza Patricia Alencar Teixeira de Carvalho absolveu as mineradoras Vale (brasileira), BHP Billiton (anglo-australiana) e Samarco (joint venture das duas anteriores), a consultoria VogBR e executivos e funcionários dessas empresas.

Um eixo da denúncia dizia respeito aos danos diretos do rompimento, como mortes, lesões corporais e danos ambientais. O Ministério Público Federal acusava os réus de crimes como 19 homicídios qualificados (correspondentes às vítimas fatais do desastre), poluição qualificada, inundação, desabamento e crimes contra fauna, flora, ordenamento urbano e patrimônio cultural.

Segundo a denúncia, a Samarco teria optado por um método de construção mais inseguro e um local menos apropriado para a barragem, mesmo ciente dos riscos. Em 2019, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região determinou o trancamento da ação em relação às acusações de homicídio e lesão corporal para diversos réus.

Já outro eixo se referia a supostas irregularidades em documentos e informações prestadas aos órgãos ambientais. A acusação apontava que a empresa VogBR e seu responsável técnico teriam elaborado uma declaração de estabilidade supostamente falsa e omitido informações sobre o direcionamento de rejeitos da Vale para a barragem.

Sem nexo causal

Carvalho não constatou relação entre as condutas individuais e o rompimento da barragem em Mariana. Para ela, os documentos e testemunhas “não responderam” quais condutas individuais contribuíram de forma direta e determinante para o rompimento da barragem.

“Impor ao Direito Penal um papel central na gestão de riscos extremos nem sempre é útil, adequado e racional. Quando um risco se concretiza em uma catástrofe colossal, os esforços da investigação deveriam ser prioritariamente dirigidos a descortinar as razões de ordem técnico-científicas que determinaram o evento, para que ele jamais volte a ocorrer”, disse ela.

“No âmbito do processo penal, a dúvida — que ressoa a partir da prova analisada no corpo desta sentença — só pode ser resolvida em favor dos réus”, completou.

O rompimento da barragem de Mariana é considerado o maior desastre do Brasil em termos de impactos ambientais e sociais, devido às consequências para toda a bacia do Rio Doce.

O processo de reparação civil dos danos causados pelo desastre foi assinado no último mês de outubro e homologado no início de novembro pelo Supremo Tribunal Federal.

Em nota, a Vale, cuja defesa foi patrocinada pelo David Rechulski Advogados, afirma que a atuação dos advogados de defesa “demonstrou que a empresa atuou dentro da mais estrita legalidade e com respeito às normas ambientais, tendo a sentença refletido o correto entendimento dos fatos.”

“A Vale reafirma seu absoluto compromisso com a sustentabilidade e expressa sua total solidariedade às vítimas e seus familiares, desde já reforçando o seu compromisso de manter todas as iniciativas de recuperação ambiental e social, independentemente do resultado da ação penal.”

Depoimento anulado

A juíza ainda anulou todas as declarações prestadas à polícia e ao Ministério Público pelo projetista da barragem de Mariana durante a fase de investigação. Isso porque as defesas dos executivos conseguiram provar que ele recebeu orientações do MP-MG para convencer as autoridades de que já havia alertado a Samarco sobre o risco de rompimento da estrutura.

O projetista, que não é réu no processo, é casado com uma servidora do MP-MG. Ela foi formalmente afastada das investigações sobre a barragem devido ao envolvimento de seu marido.

Mas a gravação de uma interceptação telefônica autorizada pela Justiça mostrou que o projetista recebeu orientação de um promotor do MP-MG sobre o que deveria dizer em seus depoimentos.

Os advogados envolvidos na defesa dos acusados reconheceram a voz do promotor ao ouvirem a gravação e encaminharam o áudio, junto a entrevistas feitas pelo membro do MP, a um perito especializado em fonética. O laudo pericial atestou que a voz era mesmo a do promotor.

A juíza afirmou que não foi esclarecido, “pelos meios próprios, a identidade do interlocutor”. Mas ressaltou: “É fácil perceber, pelo conteúdo dos diálogos, que se trata de pessoa que estava a par das investigações”.

A magistrada destacou que o projetista teve forte receio de que alguma acusação pesasse sobre ele. Seus depoimentos à polícia e ao MP foram “marcados pelo medo e pela vontade de se livrar de qualquer responsabilidade e defender sua atuação e reputação profissional”.

Ela ainda questionou qual seria o rumo das investigações caso as impressões “enviesadas” do projetista não tivessem ganhado tanta atenção.

Segundo a juíza, aspectos como a escolha do local da barragem, as características geológicas da região e o método de construção “aparentemente não tiveram a atenção da prova pericial conduzida nos âmbitos da Polícia Civil e Polícia Federal”.

Em vez disso, as polícias se concentraram nos problemas operacionais da barragem, como erros técnicos.

Ao analisar o mérito das acusações criminais, Carvalho ressaltou que o projetista é “um dos maiores experts em barragem de rejeitos do Brasil”. Assim, se ele tivesse “antevisto o resultado que se aproximava”, certamente teria passado alguma orientação à Samarco.

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Processo 0002725-15.2016.4.01.3822

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