PCC não tem condições de atacar Estado brasileiro, afirma procurador
13 de novembro de 2024, 9h53
Autor de livros como Laços de sangue: A história secreta do PCC, o procurador de Justiça do Ministério Público de São Paulo Márcio Sérgio Christino defende que a ligação da principal facção brasileira com o Estado é uma lenda.
Christino diz que o Primeiro Comando da Capital (PCC) não tem condições de tomar o poder público brasileiro, já que não participou da formação sociopolítica do país. As falas foram proferidas em uma aula a policiais, promotores e magistrados de Mato Grosso. Na apresentação, ele traçou paralelos entre a facção e grupos criminosos de outros países.
Cosa Nostra, na Itália, Bratvas, na Rússia, Cartel de Sinaloa, no México, e Cartel de Medellín, na Colômbia, têm um ponto em comum: formaram-se durante transformações no Estado ou antes mesmo que ele se consolidasse.
“Não tinha PCC na proclamação da independência, na proclamação da República. Quando o crime organizado nasce com o Estado, ele ocupa essa posição do Estado. Agora, se você trouxer aqui um juiz italiano e perguntar se a máfia faz parte do Estado, ele vai responder: ‘Claro, não tem máfia sem o Estado, não tem Estado sem máfia’. Isso se repete no Brasil? Não.”
Acreditar que o PCC investe na formação de políticos e juízes, por exemplo, vem da visão italiana, diz o procurador.
“Você achar que eles estão investindo na formação do político vem muito de uma visão da teoria italiana onde se tem uma máfia que existe em coabitação com o governo. Aí você tem Partido Democrata Cristão na Itália, que teve membros da máfia. No Japão também aconteceu isso. Mas no Brasil você não tem essa relação”, afirmou ele.
De acordo com Christino, algumas situações em que o poder público foi leniente foram oportunas para que a criminalidade se infiltrasse. É o caso da máfia dos perueiros, nos anos 1990.
“Eu não concordo com quem diz que teria sido uma ação pensada estrategicamente do crime organizado para avançar sobre o Estado. A pergunta é diferente. Não é se o PCC está indo para invadir o Estado, é qual a oportunidade que o Estado está dando para que o crime organizado entre?”.
Confira a seguir os pontos principais da aula do procurador:
Envolvimento com a Bolívia
“O PCC hoje é um cartel que envolve o tráfico boliviano e a venda para a Europa. A Bolívia não consegue vender para os Estados Unidos por causa do México. Mas consegue vender para a Europa através do Brasil. A Bolívia fez um acordo com o PCC. Modificaram a planta da coca geneticamente e conseguiram uma produção maior que a feita na Colômbia. E a planta na Bolívia é mais ácida que a coca produzida na Colômbia. Então eles têm uma superprodução de cocaína e precisavam escoar. Esse escoamento é feito pelo Brasil. Essa modificação da coca foi feita em Chapare, onde tinha um brasileiro, que era o Fuminho. Hoje, o PCC e os bolivianos estão tão imbricados que a gente não sabe onde começa um e termina outro.”
‘A própria Bolívia é um cartel’
“É um país que, ouso dizer, ainda está em fase de formação, cujo maior produto de exportação era o estanho, cuja crise econômica levou à perda total de valor e eles não tinham mais nada. Nem litoral eles têm. Então é uma situação muito delicada. Nesse processo de formação se destacou um partido político e um líder, Evo Morales, do MAS (Movimiento Al Socialismo), que se tornou presidente. E o que fazia antes de se tornar presidente? Ele era líder do Sindicato dos Cocaleiros de Cochabamba. Ele era um dos maiores produtores de coca. Toda vez que há uma crise e ele é contestado, você tem movimento de cocaleiros. A produção, na Bolívia, é legal. Ele é um político que sempre defendeu a produção de coca. Porque a Bolívia é um país pobre, eles não têm renda, não têm produção. Por que você não tem um cartel boliviano? Porque a própria Bolívia é um cartel. Então é muito difícil lidar.”
O criador do crime organizado ocidental
“Temos esse senhor, Salvatore Lucania. Talvez a ideia de crime organizado que temos hoje tenha vindo dele. É chamado de Charles Luciano ou Lucky Luciano, sortudo, porque escapou de um atentado que ficou para morrer. E ele teve uma ideia, chamou todos os líderes locais da máfia e propôs um acordo: ‘Vamos fatiar a cidade (de Nova York), cada um tem a sua parte e vamos fazer um conselho. Quando tiver alguma dissensão, em vez de um matar o outro, vamos resolver aqui’. É o que se tem hoje em quase toda organização criminosa.”
‘Na Rússia, o Estado avançou sobre a máfia’
“O Putin, que chega ao poder, acaba dominando esse mercado. Você não tem hoje nenhuma organização que não seja controlada direta ou indiretamente pelo governo central russo. E o que aconteceu com as Bratvas? Elas continuam? Sim. Mas qual a principal função? Contrabando. Só que dessa vez estão contrabandeando componentes eletrônicos para fornecer à Rússia aquilo que os embargos comerciais não permitem que eles tenham. Também funcionam como fornecedores de insumos para a indústria bélica. Crime organizado russo funciona dessa maneira. (…) No crime siciliano, a ação criminosa avançou sobre o Estado. Na Rússia, o Estado avançou sobre a máfia. São espelhos.”
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