efeitos da "lava jato"

Acordo de leniência interrompe prescrição para cobrar por prejuízo dos acionistas, diz STJ

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12 de novembro de 2024, 14h16

A assinatura do acordo de leniência em que se reconhece a prática de ilícitos por parte de administradores de uma empresa interrompe a prescrição do direito à reparação civil pelos prejuízos causados aos demais detentores de ações.

Fachada da Braskem

Ação foi ajuizada por um dos acionistas minoritários da Braskem

Com esse entendimento, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça afastou a prescrição do direito de acionistas minoritários da Braskem de cobrar da acionista controladora, a Novanor (ex-Odebrecht), pelos prejuízos causados na administração da companhia.

O julgamento foi resolvido por unanimidade de votos. Os ministros divergiram apenas na fundamentação que levou ao afastamento da prescrição.

O caso foi retomado na sessão extraordinária que a 3ª Turma fez na manhã desta terça-feira (12/11), quando a ministra Nancy Andrighi, relatora da matéria, pediu vista regimental. Horas mais tarde, o julgamento teve reinício.

Prejuízo dos acionistas

O prejuízo cobrado na ação ajuizada por um dos acionistas minoritários da Braskem advém do pagamento de multa em decorrência do acordo de leniência firmado nos Estados Unidos devido às investigações da “lava jato”.

O grupo admitiu ilícitos praticados e assumiu a punição ao departamento de Justiça americano. O sucesso na ação levaria a Novanor a indenizar a empresa petroquímica, sendo que parte desse valor seria direcionada aos minoritários.

A Lei das Sociedades Anônimas (Lei 6.404/1976) diz que prescreve em três anos a ação contra os acionistas para deles haver reparação civil por atos culposos ou dolosos.

O artigo 287, inciso II, alínea “b”, número 2, fixa que o prazo é contado a partir da data da publicação da ata que aprovar o balanço referente ao exercício em que a violação tenha ocorrido.

A ação foi ajuizada em 2018 e aponta como início do marco prescricional a assinatura do acordo de leniência, em 2016. Os atos ilícitos, por sua vez, foram praticados entre 2002 e 2014.

A Novanor defendeu a prescrição pela aplicação literal do artigo 287. O prazo estaria encerrado porque o último ilícito contestado se refere ao exercício de 2014.

O Tribunal de Justiça de São Paulo, quando julgou a causa, afastou essa interpretação porque os acionistas, sobretudo os minoritários, jamais tiveram acesso a informações dos ilícitos praticados pela companhia à época.

Assim, adotou a teoria da actio nata em sua vertente subjetiva, segundo a qual a prescrição só começa a fluir a partir do conhecimento da violação praticada — ou seja, a partir da assinatura da leniência, em 2016.

Divergência

A divergência de fundamentação na 3ª Turma se deu quanto ao afastamento da ocorrência da prescrição. Prevaleceu o voto do ministro Humberto Martins, acompanhado pelos ministros Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro.

Para ele, a prescrição deve obedecer a literalidade da Lei das S.A.. Ainda assim, o magistrado entendeu que a assinatura da leniência representou um marco de interrupção da prescrição, por aplicação do artigo 202, inciso VI, do Código Civil.

A norma diz que a interrupção se dá por qualquer ato inequívoco, ainda que extrajudicial, que importe reconhecimento do direito pelo devedor, o que é plenamente aplicável à sociedade anônima.

Assim, a assinatura do acordo e a confissão da prática de ilícitos constituem crime, com consequências no âmbito civil, razão pela qual sequer fluiu o prazo prescricional antes disso.

Argumento extra

O ministro Villas Bôas Cueva acompanhou essa posição e acrescentou um argumento que não foi encampado pelos demais colegas.

Para ele, a interrupção da prescrição no caso concreto se justifica pela aplicação do artigo 288 da Lei das S.A.., que trata da hipótese em que a ação se origina de fato que deve ser apurado no juízo criminal.

Nesse caso, não ocorre a prescrição antes da sentença definitiva ou da prescrição da ação penal. O ministro Cueva defendeu o reconhecimento de “pontos de diálogo” entre os regimes jurídicos administrativo, penal e de responsabilidade civil.

Fundamentação vencida

Ficou vencida na fundamentação a ministra Nancy Andrighi, que manteve a conclusão do TJ-SP, aplicando ao caso a teoria da actio nata em sua vertente subjetiva. Para ela, a prescrição só começou quando os acionistas minoritários souberam dos ilícitos.

No voto-vista regimental, ela destacou que a intenção não seria afastar a aplicabilidade do artigo 286 da Lei das S.A.., mas reconhecer que ela permite certa flexibilização em hipóteses em que os ilícitos não teriam como ser percebidos somente a partir da análise dos balanços contábeis.

REsp 2.066.846 

*Texto atualizado às 17h47, com a retomada e conclusão do julgamento na sessão da 3ª Turma na parte da tarde, após o pedido de vista na sessão extraordinária, no período da manhã.

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