Opinião

Novo acórdão estabelece exigência de solução extrajudicial nas relações de consumo

Autores

  • é advogada sócia da Lee Brock e Camargo Advogados graduada em Direito pela Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo (FDSBC) com especialização em Direito Digital pela FGV-SP em Proteção de Dados pela PUC-SP e em Direito do Consumidor pela Faculdade Damásio com formação e capacitação para atuação como conciliadora e mediadora pelo TJ-SP e diversos cursos em Digital First com foco em incluir meios digitais nas operações empresariais e o uso de soluções inovadoras.

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  • é advogado sócio da Lee Brock e Camargo Advogados graduado em Direito pela Universidade de Itaúna com especialização em Direito Digital Gestão da Inovação e Propriedade Intelectual; e Direito Civil Aplicado ambas pela PUC-MG

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  • é advogada no escritório Lee Brock e Camargo Advogados graduada em Direito pela Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo (FDSBC) com especialização em Direito Processual Civil pela Faculdade Damásio.

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12 de novembro de 2024, 18h17

No último dia 21 de outubr, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJ-MG) julgou o incidente de resolução de demandas repetitivas, Tema 91, sobre a “configuração do interesse de agir do consumidor e a exigência de prévia tentativa de solução extrajudicial”.

A partir deste julgamento, restou fixada a tese de que “a caracterização do interesse de agir nas ações de natureza prestacional das relações de consumo depende da comprovação da prévia tentativa de solução extrajudicial da controvérsia”.

Esse acórdão ainda não transitou em julgado e seus efeitos estão limitados ao estado de Minas. No entanto, dele pode-se extrair pontos de grande relevância, especialmente no que se refere à desjudicialização, destacando-se quatro fatores principais.

O primeiro trata da prévia tentativa de solução extrajudicial da conversaria, que poderá ser comprovada e realizada pelos seguintes meios oficiais, administrativos e públicos: (1) canais oficiais de serviço de atendimento mantido pelo fornecedor (SAC); (2) pelo Procon; (3) órgão fiscalizadores como Banco Central; (4) agências reguladoras; (5) plataformas públicas (consumidor.gov) e privadas (Reclame Aqui e outras) de reclamação/solicitação; (6) notificações extrajudiciais.

Destacou-se que, em casos de SACs, não basta apenas o número do protocolo, e sim, o teor da reclamação. Caso a reclamação não seja realizada por plataformas públicas, o prazo de dez dias úteis será adotado como padrão para a resposta ou inércia do fornecedor, caracterizado o interesse após o decurso.

O segundo ponto estabelece que o consumidor deverá apresentar o pedido administrativo e a resposta do fornecedor com os documentos da petição inicial. Exceções: nas hipóteses em que o consumidor comprovar risco de perecimento do direito alegado (inclusive na eventualidade de iminente transcurso de prazo prescricional ou decadencial).

Reprodução

Nesses casos, caberá ao consumidor exibir a prova da tentativa de solução extrajudicial em até 30 dias úteis da intimação da decisão que analisou o pedido de concessão da tutela de urgência, sob pena de extinção do processo sem resolução do mérito, (artigo 485, VI, do CPC).

O terceiro se refere às ações ajuizadas após a efetiva publicação da tese, sendo que a parte autora/consumidor será intimada para emendar a inicial e demonstrar, em até 30 dias úteis, o contato com o fornecedor, sob pena de extinção da demanda.

Por último, para as ações já ajuizadas, o magistrado deverá considerar:

a) nas hipóteses em que o réu ainda não apresentou contestação, constatada a ausência do interesse de agir, a parte autora deverá ser intimada para emendar a inicial (artigo 321 do CPC), nos termos do presente IRDR, com o fim de coligir aos autos, no prazo de 30 dias úteis, o requerimento extrajudicial de solução da controvérsia ou fundamentar o pleito de dispensa da prévia comprovação do pedido administrativo. Quedando-se inerte, o juiz julgará extinto o feito sem resolução de mérito;
b) nas hipóteses em que já houver contestação nos autos, tendo sido alegado na peça de defesa fato extintivo, modificativo ou impeditivo do direito do autor (artigo 373, II, do CPC), restará comprovado o interesse de agir.

Vantagens

O acórdão do IRDR destaca que o ordenamento jurídico brasileiro consolidou o modelo de justiça multiportas, abrangendo os meios jurisdicionais ou não, estatais ou privativos, priorizando os meios adequados para a resolução de conflitos. O fato de exigir a tentativa prévia de solução extrajudicial não infringe a inafastabilidade da jurisdição e o acesso à justiça, pelo contrário, visa harmonizar os princípios e os direitos fundamentais previstos na Constituição para cumprimento dos objetivos do Estado Democrático de Direito.

Em casos concretos, é possível vislumbrar que o entendimento firmado possibilitará maior investigação, esclarecimentos e soluções perante os órgãos públicos como o Procon e Cgov, órgãos fundamentais para a mediação, bem como no esclarecimento e educação das partes. Além disso, o contato direto entre as partes permitirá a participação ativa para a resolução das questões que melhor atendam às suas necessidades e interesses específicos.

Neste sentido, inclusive, o estímulo à autocomposição se traduz como uma importante contribuição para a participação popular no exercício do poder de resolução dos conflitos, possuindo, portanto, grande caráter democrático e possibilitando, como dito, maior satisfação entre as partes. Ainda, deve ser observado que a solução negocial é um meio extremamente eficaz e econômico, tratando-se de um instrumento relevante em que os interessados, como protagonistas, podem desenvolver sua cidadania a partir da criação da solução jurídica que regula suas relações.

Spacca

Outra grande vantagem é a possibilidade de uma investigação mais profunda, com maior clareza e resolução de questões e reclamações perante órgãos públicos, que contam com maior celeridade e até mesmo certa impessoalidade. É relevante notar que, ao se permitir um diálogo direto com os consumidores, por exemplo, pelas plataformas dos Órgãos de Defesa dos Consumidores, passa a contar com uma alternativa mais eficiente para a solução de conflitos, consagrado pelo §3º do artigo 3º do CPC.

De maneira geral, os consumidores tendem a cooperar de forma mais aberta, permitindo um trabalho de resolução que facilita a obtenção de informações e evita complicações processuais. Esse contato direto minimiza barreiras burocráticas e judiciais, muitas vezes impostas pela representação legal, permitindo que as questões sejam discutidas de maneira mais objetiva e colaborativa.

Por fim, a possibilidade de resolução administrativa de questões com os consumidores pode resultar em uma significativa redução de custos para as empresas, evitando, por exemplo, despesas processuais.

Conclusão

Dessa forma, a proposta de buscar uma solução extrajudicial de forma obrigatória pode ser vista como uma abordagem inovadora, que reconhece a importância da mediação e do comprometimento dos fornecedores em sanar as reclamações antes que estas se tornem contestações judiciais. Esse movimento pode resultar em uma cultura de maior responsabilidade e prestação de contas por parte das empresas, que se veem estimuladas a melhorar seus serviços e atendimentos.

Portanto, exigir a prévia tentativa de solução extrajudicial não apenas preserva, mas também reforça o acesso à justiça, por privilegiar a autocomposição quando possível, ao passo que a jurisdição permanece disponível para os casos em que as tentativas extrajudiciais não se mostrarem suficientes, trazendo esperanças de um cenário onde as disputas de consumo não precisem percorrer longos e custosos caminhos judiciais, mas sim, sejam resolvidas por meio de um diálogo proativo e cooperativo, que valoriza a participação ativa dos consumidores, respeitando seus direitos e promovendo um ambiente de negócios saudável e sustentável. Assim, o Judiciário, os consumidores e os fornecedores podem encontrar um equilíbrio que favoreça a justiça, o respeito e a eficiência nas relações de consumo.

Autores

  • é advogada, sócia da Lee, Brock e Camargo Advogados, graduada em Direito pela Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo (FDSBC), com especialização em Direito Digital pela FGV-SP, em Proteção de Dados pela PUC-SP e em Direito do Consumidor pela Faculdade Damásio, com formação e capacitação para atuação como conciliadora e mediadora pelo TJ-SP e diversos cursos em Digital First, com foco em incluir meios digitais nas operações empresariais e o uso de soluções inovadoras.

  • é advogado, sócio da Lee, Brock e Camargo Advogados, graduado em Direito pela Universidade de Itaúna, com especialização em Direito Digital, Gestão da Inovação e Propriedade Intelectual; e Direito Civil Aplicado ambas pela PUC-MG

  • é advogada no escritório Lee, Brock e Camargo Advogados, graduada em Direito pela Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo (FDSBC), com especialização em Direito Processual Civil pela Faculdade Damásio.

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