Impactos da reforma tributária (parte 5): a nova Lei Geral Aduaneira e os regimes aduaneiros especiais
12 de novembro de 2024, 8h00
Nos quatro primeiros artigos desta série sobre os impactos da reforma tributária no direito aduaneiro [1], focou-se na análise do novo texto constitucional, veiculado pela Emenda Constitucional (EC) nº 132/2023, e do Projeto de Lei Complementar (PLP) nº 68/2024 [2].
Contudo, a reforma tributária, no que tange à matéria aduaneira, não se arremata no nível da Constituição Federal e da futura lei complementar. Isso porque as alterações constantes do texto constitucional e as propostas do PLP demandam ajustes nas regras de controle e tributação aduaneiros.
Nesse sentido, além de alinhar nossa legislação aduaneira às melhores práticas internacionais e aos acordos internacionais firmados pelo Brasil, em especial a Convenção de Quioto Revisada (CQR) da OMA e o Acordo sobre a Facilitação do Comércio (AFC) da OMC, o Anteprojeto de Lei Geral Aduaneira também se presta a esse crucial papel de conformar as normas aduaneiras, notadamente no que concerne aos regimes aduaneiros especiais, à reforma tributária constitucional e aquela constante do PLP.
O Anteprojeto de Lei Geral Aduaneira já foi objeto de excelentes artigos publicados por colegas nesta coluna, que destacaram a sua importância no que concerne à modernização do comércio exterior brasileiro e ao fortalecimento do direito aduaneiro, com o escopo de facilitar as operações no comércio global [3].
O propósito do presente texto é outro: analisar a relação entre o Anteprojeto de Lei Geral Aduaneira e a reforma tributária e, nesse aspecto, verificamos que o ponto fulcral são os regimes aduaneiros especiais. Assim, vale destacar que este artigo foi dedicado, de forma singular, ao exame da reforma tributária tendo em conta a proposta da nova Lei Geral Aduaneira, e com especial atenção aos regimes aduaneiros especiais.
Importante lembrar que a menção ao direito aduaneiro introduzida pela EC nº 132/2023, que consta do artigo 156-A, § 5º, inciso VI, da Constituição, delega à lei complementar a responsabilidade de dispor sobre desoneração dos tributos (CBS e IBS) aplicáveis aos regimes aduaneiros especiais e às zonas de processamento de exportação. Foi com essa redação que o Direito Aduaneiro foi expressamente alçado ao nível constitucional.
O Projeto de Lei Complementar nº 68/2024
O PLP nº 68/2024 se incumbiu de dispor sobre os regimes aduaneiros especiais, dedicando seus arts. 88 a 97 a esse intento. Nesses dispositivos, tais regimes são tratados, conforme já observamos [4], como hipóteses de suspensão do pagamento dos tributos.
No entanto, fazemos uma crítica a esse entendimento, argumentando que não existe, propriamente, a figura da “suspensão do pagamento” dos tributos. Além disso, a “suspensão do pagamento” implicaria, necessariamente, a suspensão da exigibilidade do crédito tributário, o que nos parece incompatível com a natureza jurídica desses regimes, muitos deles estabelecidos por lei ordinária.
No PLP, são mantidos os benefícios de desoneração para os regimes de trânsito aduaneiro, depósitos (entreposto aduaneiro, depósito franco, depósito especial, depósito alfandegado certificado e Eizof), incluindo as lojas francas. Também se propõe a manutenção da desoneração para os regimes de permanência ou saída temporária (admissão temporária e exportação temporária). O PLP introduz a previsão de pagamento parcial no caso de utilização econômica (admissão temporária para utilização econômica), com cobrança por dia de utilização, em substituição à contagem mensal atualmente vigente, determinada por ato infralegal.
Além disso, o projeto mantém a “suspensão do pagamento” do IBS e da CBS nos regimes de aperfeiçoamento (drawback, Recof, Recom, admissão temporária para aperfeiçoamento ativo e exportação temporária para aperfeiçoamento passivo). Da mesma forma, são preservados os benefícios fiscais voltados ao setor de petróleo e gás, com a manutenção do Repetro/Repex. O PLP também mantém o benefício fiscal para as zonas de processamento de exportação (regime aduaneiro aplicado em áreas especiais). Por fim, os benefícios fiscais do Reporto e do Reidi, destinados a obras de infraestrutura para incorporação ao ativo imobilizado, também são conservados.
É importante ressaltar que essas disposições do PLP se aplicam exclusivamente aos novos tributos, CBS e IBS. Assim, destaca-se a importante missão do Anteprojeto de Lei Geral Aduaneira: estender as regras do PLP aos tributos aduaneiros (imposto sobre a importação e imposto sobre a exportação), promovendo a harmonização dos regimes aduaneiros especiais atuais com as novas regras que deverão ser estabelecidas por lei complementar.
A Lei Geral Aduaneira
Nesse cenário, o Anteprojeto de Lei Geral Aduaneira trata minuciosamente dos regimes aduaneiros especiais. Um de seus três livros é inteiramente dedicado a esses regimes, com mais de 70 artigos, sendo mais de 50 deles especificamente voltados para os regimes aduaneiros especiais.
No Anteprojeto, regime aduaneiro especial está definido como tratamento aduaneiro diferenciado por prazo determinado, inclusive no que se refere aos tributos incidentes sobre o comércio exterior. Evidencia-se que a mercadoria não está sujeita ao pagamento de tributos federais incidentes sobre as operações de comércio exterior ou está sujeita ao pagamento parcial, e que, cumpridos os requisitos e condições estabelecidos para o regime, a sua extinção ocorrerá sem o pagamento dos tributos federais que incidiriam sobre a operação de comércio exterior.
Dessarte, se comparado ao PLP, que simplesmente identifica os regimes aduaneiros especiais como casos de “suspensão do pagamento dos tributos”, o anteprojeto significa uma evolução, pois considera na definição desses institutos o aspecto da desoneração tributária, do controle aduaneiro e das condições inerentes a cada um dos regimes, sem utilizar a problemática expressão “suspensão do pagamento”.
Encontramos também no anteprojeto a classificação e enumeração dos regimes aduaneiros especiais, em consonância com as disposições do PLP, vejamos:
- Trânsito Aduaneiro;
- Regimes de permanência temporária: admissão temporária; e exportação temporária;
- Regime de Depósito Aduaneiro: entreposto aduaneiro, na importação e na exportação; depósito especial, depósito afiançado; depósito franco; depósito alfandegado certificado; loja franca; e
- Entreposto internacional da Zona Franca de Manaus (Eizof).
- Regimes de aperfeiçoamento: drawback suspensão; regime de entreposto industrial sob controle aduaneiro informatizado (Recof); admissão temporária para aperfeiçoamento ativo; exportação temporária para aperfeiçoamento passivo; e Repetro.
Ademais, no anteprojeto, o Reporto deixou de ser tratado como regime aduaneiro especial; o Recom não foi regulado, e, portanto, foi removido do ordenamento jurídico; ao passo que o Repex passou a ser classificado como uma forma de admissão temporária. De igual modo, devemos ficar somente com a modalidade drawback suspensão como regime aduaneiro especial, e os bens sujeitos a este regime deixarão de ter despacho para consumo, passando a sofrer despacho para admissão no regime, da mesma forma que já ocorre com os demais regimes aduaneiros especiais.
Um ponto importante é que o projeto de lei aduaneira propõe a revogação do artigo 93 do Decreto-Lei nº 37/66, dispositivo que permite a criação de novos regimes aduaneiros especiais pelo regulamento (decreto). Essa previsão é realmente um fóssil, autorizando que regimes aduaneiros especiais, tidos como hipóteses de “suspensão do pagamento ou da exigibilidade de tributos”, fossem criados por ato infralegal.
Considerações finais
Com essas reflexões sobre a reforma tributária considerando o anteprojeto de Lei Geral Aduaneira, podemos afirmar que, apesar de esperarmos depender menos no futuro dos regimes aduaneiros especiais para desoneração das exportações e incremento do comércio exterior brasileiro, esses regimes seguem muito importantes nesse contexto e, para que a reforma tributária atenda seus propósitos fundamentais, faz-se necessário que venha no seu bojo a nova Lei Geral Aduaneira, estendendo para a seara aduaneira as relevantes regras do PLP.
[1] “O impacto da reforma tributária no comércio exterior (parte 1)” (Disponível em <https://www.conjur.com.br/2024-mai-21/o-impacto-da-reforma-tributaria-no-comercio-exterior-parte-1/>. Acesso em: 09 nov. 2024); O impacto da reforma tributária (parte 2): as empresas comerciais exportadoras <https://www.conjur.com.br/2024-jul-30/o-impacto-da-reforma-tributaria-parte-2-as-empresas-comerciais-exportadoras/>. (Acesso em: 09 nov. 2024); “Impacto da reforma tributária (parte 3): regimes aduaneiros especiais” (Disponível em <https://www.conjur.com.br/2024-set-03/impacto-da-reforma-tributaria-parte-3-regimes-aduaneiros-especiais/>. Acesso em: 09 nov. 2024); e “Impactos da reforma tributária (parte 4): comércio exterior e PLP 68/2024” (Disponível em <https://www.conjur.com.br/2024-out-08/impactos-da-reforma-tributaria-parte-4-comercio-exterior-e-plp-68-2024/>. Acesso em: 09 nov. 2024).
[2] Neste texto, valemo-nos do texto do PLP na versão recebida no Senado e disponível no seguinte sítio: <https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/164914.> Acesso em: 09 nov. 2024
[3] “Lei Geral de Comércio Exterior: um alinhamento importante”, de Rosado Trevisan (Disponível em <https://www.conjur.com.br/2024-set-17/lei-geral-de-comercio-exterior-um-alinhamento-importante/>. Acesso em: 09 nov. 2024); “Lei Geral de Comércio Exterior: um alinhamento importante”, de Leonardo Branco e Thales Andrade (Disponível em <https://www.conjur.com.br/2024-out-15/820823/>. Acesso em: 09 nov. 2024); e “Anteprojeto da Lei Geral de Comex: comentários (parte 1), de Fernando Pieri” (Disponível em <https://www.conjur.com.br/2024-out-22/anteprojeto-da-lei-geral-de-comex-comentarios-parte-1/>. Acesso em: 09 nov. 2024);
[4] No artigo “Impacto da reforma tributária (parte 3): regimes aduaneiros especiais” (Disponível em <https://www.conjur.com.br/2024-out-08/impactos-da-reforma-tributaria-parte-4-comercio-exterior-e-plp-68-2024/>. Acesso em: 09 nov. 2024), há uma análise um pouco mais meticulosa da natureza jurídica dos regimes aduaneiros especiais, indicando-se que não se caracterizariam como hipóteses de suspensão da exigibilidade, muito menos de suspensão do pagamento, que seriam, contudo, isenções condicionais.
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