SEM APONTAR O DEDO

Em disputa por anel, tribunal dos EUA elimina fator 'culpa' por rompimento de noivado

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12 de novembro de 2024, 10h30

Em vez de levá-la à igreja para trocar votos de casamento, um homem levou a noiva a uma corte para trocar acusações.

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Disputa por anel de casamento chegou aos tribunais superiores de Massachussets

Bruce Johnson acusou Caroline Settino de infidelidade, o que o levou a romper o noivado. E pediu uma ordem judicial para obrigá-la a devolver um anel de diamante de US$ 70 mil e alianças de casamento de US$ 3,7 mil. A noiva negou infidelidade e pediu na Justiça que ele seja obrigado a pagar a segunda parte de um implante dentário, no valor de US$ 42 mil.

O caso tramitou pelas cortes de Massachusetts por seis anos, com ingredientes de um processo contencioso de divórcio. A noiva ganhou em primeira instância. O noivo ganhou em grau de recurso — e, novamente, na mais alta instância do estado, o Tribunal Superior de Massachussets. Pela decisão, ficou determinado que o anel e as alianças vão para quem os comprou, nesse caso específico, o noivo.

A decisão do tribunal superior foi notável porque reverteu um precedente de 65 anos da própria corte. Nos tribunais em que a ação tramitou, os juízes e ministros analisaram duas questões fundamentais: o conceito de without fault (se há culpa pelo rompimento do noivado) e se presentes são condicionais ou incondicionais, ou seja, se estão intrinsicamente ligados ou não ao compromisso de casamento.

De acordo com a decisão, o precedente de 1959 (em De Cicco v. Barker) estabeleceu que presentes antenupciais (tais como anéis, alianças etc.), “são entendidos, de uma maneira geral, como presentes condicionais, que o(a) doador(a) pode recuperar no caso de rompimento do compromisso matrimonial, mas apenas se o(a) doador(a) não for responsável (without fault)” pelo fim do noivado.

A nova decisão do tribunal superior, que foi unânime, eliminou o without fault da história. E rejeitou o argumento dos advogados da noiva de que “um presente é um presente, não um contrato pré-nupcial” que determina a obrigação de casar.

“Nesse ponto, nos juntamos ao entendimento moderno, adotado pela maioria das jurisdições-irmãs (as de outros estados), que analisaram a questão e decidiram aposentar o conceito de ‘culpa’ nesse contexto, em que, como neste caso, o casamento planejado não acontece e o noivado é encerrado, os presentes de noivado devem ser devolvidos a quem os doou, independentemente de culpa.”

Em sua decisão, a corte fez uma compilação de entendimentos de outras jurisdições estaduais, que justificam a reforma do conceito de atribuição de responsabilidade pelo fim do noivado.

“Em primeiro lugar, as cortes têm identificado dificuldades inerentes à atribuição de responsabilidade por um rompimento pré-nupcial. Elas descrevem inúmeros cenários que tornam inútil a atribuição de culpa”, diz a decisão de um dos tribunais citados, que acrescenta:

“Relacionamentos amorosos terminam por qualquer razão: pode ser pela constatação de que há muito pouco em comum entre os dois; por dificuldades de interação com a família do(a) noivo(a); por hostilidade com um filho menor do(a) noivo(a); por causa de animais de estimação que não se dão bem; por hábitos desleixados; por diferenças religiosas; por incompatibilidade de gênios; por visões políticas adversárias; e até mesmo por gosto musical.”

Culpar não é fácil

Segundo a decisão do tribunal superior, em determinada jurisprudência, outro órgão julgados observou que, em circunstâncias de um relacionamento romântico, “é improvável que um juiz de primeiro grau tenha de analisar situações em que a culpa pode ser determinada de forma clara e fácil”.

Essa corte anotou ainda que, “em um caso de violência doméstica, o juiz se recusou a determinar quem estava mentindo, depois que as partes apresentaram testemunhos contendo acusações e contra-acusações”.

Em outra decisão citada pelo tribunal superior, uma corte afirmou que “na verdade, na maioria dos noivados rompidos não há qualquer falha real: as partes podem simplesmente mudar de ideia sobre a conveniência de se casarem.”

De acordo com o tribunal de Massachussets, algumas cortes declararam que atribuir a culpa a quem rompe um noivado está em desacordo com o propósito principal do período prévio ao casamento, que é de permitir que o casal tenha tempo para testar a união na prática.

“Pareceria altamente irônico penalizar o doador (ou doadora) por tomar medidas para evitar um casamento possivelmente infeliz. De fato, em um sentido, o período de noivado foi bem-sucedido, se o noivado for rompido, já que uma das partes utilizou sabiamente esse tempo para evitar um casamento que com toda a probabilidade fracassaria”, diz a decisão.

Para o tribunal, durante o período de noivado, “as partes devem ser livres para reexaminar seu compromisso”. Aliás, uma corte sugeriu que “a política pública seria mais bem atendida se uma parte quebrasse uma promessa de noivado em vez dos votos de casamento”.

Conclusão do tribunal de Massachussets: “Esse entendimento quase universal, de que anéis de noivado são presentes inerentemente condicionados a um casamento subsequente, nos leva a decidir que um presente de noivado é um presente condicional”.

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