Contraste jurisprudencial da validação da citação por edital e Whatsapp
12 de novembro de 2024, 16h23
A citação é um dos atos processuais mais relevantes no direito processual civil, sendo o meio pelo qual se dá conhecimento ao réu da existência de uma ação contra ele. Ela é o marco inicial para que o réu, executado ou interessado (nos processos de jurisdição voluntária) possa exercer seu direito de defesa, ou tome outras medidas previstas em lei, assegurando o contraditório e a ampla defesa, pilares constitucionais do devido processo legal. É o ato que integra o réu ao processo, tornando-o formalmente parte da relação jurídica processual.
Não obstante ser a citação um pressuposto processual de validade do processo, em alguns casos, é possível que exista e seja válido um processo mesmo que não haja citação. O artigo 239, caput, do Código de Processo Civil prevê expressamente que a citação do réu ou executado não é indispensável para a validade do processo nos casos de indeferimento da petição inicial ou de improcedência liminar do pedido, com ou sem resolução do mérito.
Em continuidade, o artigo 246 do CPC prevê várias modalidades de citação, cada uma com características específicas e aplicabilidade conforme a situação fática do caso.
Dentre elas, a citação por edital e Whatsapp, esta última como modalidade de citação eletrônica, será ponto primordial da discussão deste artigo, bem como do posicionamento atual da jurisprudência em relação ao reconhecimento, ou não, da validade dessas citações.
Citação por edital (artigo 256 a 259 do CPC)
Trata-se de citação ficta, utilizada quando o réu é desconhecido, incerto ou inacessível, devendo ser excepcional, exigindo-se o esgotamento de todos os meios possíveis para a realização da citação por outra forma[1].
Quando não se sabe quem deve compor o polo passivo da demanda, o réu será desconhecido, como ocorre quando o autor não possui a ciência de quem sucedeu o de cujus, por exemplo.
Em outra medida, quando não for possível a individualização de quem deve compor o polo passivo, ter-se-á réu incerto, por exemplo, como acontece nas ações possessórias derivadas de invasões de terras.
De igual modo, será feita a citação por edital quando, apesar de ser sujeito certo e determinado, o réu se encontrar em lugar incerto, ignorado e inacessível.
A discussão levada ao Judiciário mormente se revela na observância, ou não, do que se compreende como, “esgotado todos os meios possíveis de citação”.
O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro possui entendimento sumular (Súmula 292) que afirma: “para a citação por edital, não se exige a expedição de ofícios, mas apenas a certidão negativa no endereço declinado na petição inicial e constante nos documentos existentes nos autos e, ainda, a pesquisa nos sistemas informatizados do TJRJ”.
Assim, sua jurisprudência caminha pela admissão da citação por edital após a realização de diligências nos endereços do réu nos sistemas informatizados à disposição do Juízo que acessam cadastros de órgãos públicos.
A jurisprudência do Tribunal de Justiça de São Paulo[2] também possui posicionamento semelhante ao do tribunal fluminense, afirmando que “(…) não se exige o esgotamento completo de todas as diligências para localização do endereço da parte”.
Também nesta toada segue a jurisprudência do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul[3], que possui entendimento de “(…) não ser necessário o esgotamento absoluto de todos os meios possíveis de localização dos devedores”.
O entendimento destes tribunais, outrossim, contrasta, por exemplo, com o de Pernambuco[4], que segue a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, que por sua vez entende ser necessário o esgotamento de todos os meios possíveis de localização do demandado:
“DIREITO TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO FISCAL. CITAÇÃO POR EDITAL. NULIDADE. NECESSIDADE DE ESGOTAMENTO DAS DILIGÊNCIAS PARA LOCALIZAÇÃO DO EXECUTADO. RECURSO DESPROVIDO. 1 – A citação por edital em execução fiscal é medida excepcional, cabível apenas após o esgotamento de todos os meios possíveis para localização do executado, conforme Súmula 414 do STJ. 2 – Não se considera esgotados os meios de localização do executado quando há apenas uma tentativa frustrada de citação pessoal antes da determinação da citação por edital. 3 – O fato de o endereço utilizado para citação ser o mesmo constante no cadastro estadual e na Junta Comercial não justifica, por si só, a imediata citação por edital, sendo necessária a realização de diligências adicionais. 4 – (…). 6 – A jurisprudência recente do STJ reafirma a necessidade de esgotamento dos meios de localização do executado antes da citação por edital, inclusive em execuções fiscais. 7 – Agravo interno a que se nega provimento. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os presentes autos do Agravo Interno no Agravo de Instrumento nº 0000744-88.2024.8.17.9480. ACORDAM os Desembargadores que integram a 2ª Turma da Primeira Câmara Regional de Caruaru do Tribunal de Justiça de Pernambuco, à unanimidade, em conhecer e negar provimento ao recurso, na conformidade do relatório e dos votos proferidos neste julgamento. Caruaru, na data da assinatura eletrônica. (…) Desembargador em substituição.”
Neste sentido, também segue o entendimento do Tribunal de Justiça de Minas Gerais[5], em que menciona que “a citação por edital é válida quando esgotados todos os meios para a localização do réu, incluindo pesquisas em sistemas conveniados, como o INFOSEG, e tentativas por órgãos públicos”.
Deste modo, tendo em vista ser vacilante a segurança jurídica quanto a este modo de citação, é de boa técnica que se tome as providências efetivas de exaurimento de todos os meios possíveis visando a localização do réu ou executado, de modo a se evitar futura alegação de nulidade de citação.
Citação por aplicativo de mensagens (Whatsapp)
Outra situação espinhosa que os jurisdicionados enfrentam diz respeito à validação da citação realizada por aplicativo de mensagens, Whatsapp, e até mesmo rede social.
O Conselho Nacional de Justiça, por meio da Resolução nº 354/2020, orientou a forma de comunicação digital dos atos processuais, estabelecendo que, nos casos em que cabível a citação e a intimação pelo correio, por oficial de justiça ou pelo escrivão ou chefe de secretaria, o ato poderá ser cumprido por meio eletrônico que assegure ter o destinatário do ato tomado conhecimento do seu conteúdo.
No âmbito do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, a citação por meio eletrônico encontra amparo no Provimento nº 38/2020 da Corregedoria Geral da Justiça:
“Art. 13. As citações, intimações e notificações para todos os atos do processo, que não forem definidos como de urgência, serão realizadas, preferencialmente, por meio eletrônico, na forma prevista nos artigos 246, 270 e 272 do CPC c/c Lei nº 11.419, podendo, ainda, ser realizadas por meio de aplicativos de mensagens ou outro meio eletrônico disponível.”
Naquele tribunal[6], portanto, a jurisprudência tem seguido a linha de que para que tenha a sua validade confirmada a diligência deverá se revestir das mínimas condições de checagem da autenticidade do destinatário. Assim, para que seja admitida a citação por Whatsapp, deverão ser observados certos requisitos para comprovar a identidade do destinatário, tais como: a) o número do telefone; b) a confirmação escrita; c) foto do citando.
Nesta mesma linha de raciocínio, segue o entendimento do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul[7] que, a despeito de admitir a ausência de regulamentação da temática, reconhece a validade da citação pelo Whatsapp, “(…) desde que atendidos dois critérios mínimos: a) a possibilidade de identificação do destinatário e b) a confirmação do recebimento da mensagem”.
O Tribunal de Justiça de Minas Gerais[8] também vem admitindo essa possibilidade de citação “(…) desde que contenha elementos indutivos da autenticidade do destinatário, como número do telefone, confirmação escrita e foto individual”.
Curioso, todavia, o caminho diametralmente oposto adotado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, que, por meio do Comunicado CG nº 2.265/2017 da Corregedoria Geral de Justiça de São Paulo, “(…) abstém de utilizar o procedimento de intimação via aplicativo Whatsapp. Tal medida tem como intuito garantir a segurança jurídica e processual dos autos submetidos a este Tribunal”.
E, deste modo, possui inúmeros julgados em que não se admite esta modalidade de citação, por concluir não haver previsão legal[9][10][11]:
“AGRAVO DE INSTRUMENTO – ARRENDAMENTO MERCANTIL – AÇÃO MONITÓRIA. Citação eletrônica via aplicativo de Whatsapp – Descabimento – Ausência de previsão legal. RECURSO DESPROVIDO.”
Este posicionamento do tribunal paulista advém de um acórdão de relatoria da ministra Nancy Andrighi, que no âmbito do julgamento de um recurso especial na 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça[12], a despeito de admitir pela possibilidade de intimações ou de citações por intermédio de aplicativos de mensagens ou de relações sociais ter sido aprovado pelo artigo 8º da Resolução nº 354/2020 do CNJ, entende que “(…) A comunicação de atos processuais, intimações e citações, por aplicativos de mensagens ou redes sociais, hoje, não possui nenhuma base ou autorização da legislação e não obedece às regras previstas na legislação atualmente existente para a prática dos referidos atos, de modo os atos processuais dessa forma comunicados são, em tese, nulos”.
O acórdão, então, assevera que “(…) na hipótese, a alegada dificuldade ou impossibilidade de localização do executado e, consequentemente, de citá-lo pessoalmente, possui solução específica na legislação processual, que é, justamente, a citação por edital (arts. 256 e seguintes do CPC/15), que pressupõe o esgotamento das tentativas de localização da parte a ser cientificada da ação”.
Veja-se, portanto, que a validade da citação via aplicativo de mensagem vem sendo amplamente validada pelos tribunais pátrios, todavia, desde que procedida mediante a adoção de cautela para se auferir a autenticidade da identidade do destinatário, tais como captura de tela, fotografia do destinatário ou de documento pessoal.
Considerações finais
Conforme o exposto no presente texto, a citação por edital, por excepcional, deve se dar mediante o exaurimento de todos os meios possíveis visando à localização do réu ou executado, de modo a se evitar futura alegação de nulidade de citação.
No que se refere à citação por aplicativo de mensagem, conclui-se que a jurisprudência e a legislação têm se preocupado menos com a forma do ato processual e mais com a investigação sobre ter sido atingido o objetivo pretendido pelo ato processual defeituosamente produzido.
Deste modo, uma vez tratando a citação como ato de ciência pelo destinatário acerca da existência da ação, é imprescindível que se certifique, em primeiro lugar, que a informação foi efetivamente entregue ao destinatário e que seu conteúdo é inteligível, de modo a não suscitar dúvida sobre qual ato ou providência deverá ser adotada a partir da ciência e no prazo fixado em lei ou pelo juiz.
[1] (STJ, 1ª Turma, AgRg no REsp 1.307.558/RJ, rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. 14/05/2013, DJe 22/05/2013).
[2] TJSP; Agravo de Instrumento 2320390-44.2024.8.26.0000; Relator (a): Alexandre David Malfatti; Órgão Julgador: 12ª Câmara de Direito Privado; Foro de Cotia – 1ª Vara Cível; Data do Julgamento: 01/11/2024; Data de Registro: 01/11/2024
[3] Apelação Cível, Nº 50011090320218210087, Vigésima Terceira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Fernanda Carravetta Vilande, Julgado em: 22-10-2024
[4] TJPE, AGRAVO DE INSTRUMENTO 0000744-88.2024.8.17.9480, Relator(a): EVANILDO COELHO DE ARAUJO FILHO, Gabinete do Des. Evio Marques da Silva 2ª TCRC, Julgado em 08/08/2024, publicado em 08/08/2024
[5] TJMG – Apelação Cível 1.0000.24.391441-3/001, Relator(a): Des.(a) Claret de Moraes , 10ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 15/10/2024, publicação da súmula em 21/10/2024)
[6] 0003051-35.2017.8.19.0061 – APELAÇÃO. Des(a). JACQUELINE LIMA MONTENEGRO – Julgamento: 20/08/2024 – PRIMEIRA CAMARA DE DIREITO PUBLICO
[7] Agravo de Instrumento, Nº 52793269020248217000, Vigésima Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Mylene Maria Michel, Julgado em: 08-10-2024
[8] TJMG – Agravo de Instrumento-Cv 1.0000.23.104496-7/001, Relator(a): Des.(a) Marcelo Pereira da Silva, 11ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 31/05/2023, publicação da súmula em 31/05/2023
[9] TJSP; Agravo de Instrumento 2304923-25.2024.8.26.0000; Relator (a): Antonio Nascimento; Órgão Julgador: 26ª Câmara de Direito Privado; Foro de Sertãozinho – 1ª Vara Cível; Data do Julgamento: 01/11/2024; Data de Registro: 01/11/2024
[10] TJSP; Agravo de Instrumento 2202057-36.2024.8.26.0000; Relator (a): Walter Exner; Órgão Julgador: 36ª Câmara de Direito Privado; Data do Julgamento: 31/07/2024; Data de Registro: 31/07/2024
[11] TJSP; Agravo de Instrumento 2019539-78.2024.8.26.0000; Relator (a): Anna Paula Dias da Costa; Órgão Julgador: 38ª Câmara de Direito Privado; Foro Regional III – Jabaquara – 3ª Vara Cível; Data do Julgamento: 06/02/2024; Data de Registro: 06/02/2024
[12] REsp n. 2.026.925/SP, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 8/8/2023, DJe de 14/8/2023
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