Contratos de eficiência: origem, desafios e perspectivas
11 de novembro de 2024, 7h02
Nos termos da Lei nº 14.133, de 1º de abril de 2021, nova Lei de Licitações e Contratos (NLLC), contrato de eficiência é aquele:
[…] cujo objeto é a prestação de serviços, que pode incluir a realização de obras e o fornecimento de bens, com o objetivo de proporcionar economia ao contratante, na forma de redução de despesas correntes, remunerado o contratado com base em percentual da economia gerada (NLLC, art. 6º, LIII).
Trata-se de modelagem contratual arrojada que, incorporada à nova Lei Geral de Licitações e Contratos, remonta a previsões legais tais como as da Lei nº 12.462/2011 (antiga Lei do Regime Diferenciado de Contratações Públicas — RDC, revogada pela NLLC) e da Lei nº 13.303/2016 (Lei das Estatais). [1]
É preciso fazer recorte metodológico para destacar que o contrato de eficiência de que se trata é aquele descrito no artigo 6º da NLLC. Isso porque a lei prevê, no seu artigo 144, [2] uma outra espécie de contrato de performance, a saber, aquela que contempla remuneração variável. Pela definição legal, o contrato de eficiência possui escopo mais restrito, qual seja, proporcionar a redução de despesas correntes da administração. Na verdade, contudo, pode-se dizer que se trata de duas técnicas remuneratórias (remuneração variável e contrato de eficiência) cuja finalidade é a de aumentar a eficiência das contratações públicas.
No campo do direito público, costuma-se classificar o contrato de eficiência também como uma espécie de contrato de resultado, em função do qual o particular contratado pela administração pública assume o risco de que sua remuneração se vincule a um evento futuro e não controlável que consiste na efetiva redução de despesas da contratante. [3] Assim, a remuneração do particular corresponde a uma proporção da economia gerada e não ao custo efetivo do serviço realizado. [4]
Diferentemente da Lei do RDC e da Lei das Estatais, a NLLC conceitua contrato de eficiência de forma autônoma, fora da disciplina específica do critério de julgamento do maior retorno econômico, embora, nos termos do novo diploma geral de licitações, o referido critério continue sendo exclusivo ao contrato de eficiência. Assim, modalidade contratual e critério de julgamento permanecem estreitamente ligados.
Economia à administração pública
Por envolver modelagem contratual complexa, o contrato de eficiência possui prazo substancial, a teor do que estabelece o artigo 110 da NLLC, conforme o qual tais contratos vigerão por até dez anos, quando não há investimento (inciso I), [5] ou por até 35 anos, quando há investimentos, assim consideradas, in verbis, as: “[…] benfeitorias permanentes, realizadas exclusivamente a expensas do contratado, que serão revertidas ao patrimônio da Administração Pública ao término do contrato” (inciso II).
Nem todo objeto contratual será condizente com a previsão de remuneração variável ou de remuneração que perfaça percentual da economia gerada à administração pública. Deve-se demonstrar que a economia produzida, ou o incremento no desempenho, guarda relação direta com a atuação do particular contratado, gerando benefício econômico ou social efetivo e mensurável à administração e à coletividade. [6] Justamente por isso, o particular não pode ser premiado ou penalizado por resultados que não dependam de sua performance.
Floriano de Azevedo Marques Neto, Hendrick Pinheiro e Tamara Cukiert explicam que, nos Estados Unidos, assim como no Brasil, a celebração dos contratos de eficiência representa ruptura com o “modelo tradicional de contratação pública”, na medida em que o particular passa a ser remunerado pelos resultados obtidos com a contratação (obrigação de resultado) e não mais pelas atividades realizadas (obrigação de meio). [7]
Conforme explanam Floriano de Azevedo Marques Neto, Hendrick Pinheiro e Tamara Cukiert, houve grande difusão de contratos de eficiência nos EUA como consequência de política pública de incentivo a esse tipo de contratação. [8]
Naquele país, assumem destaque os chamados Energy Savings Performance Contratcs (ESPC), que são contratos de eficiência celebrados nos setores de energia elétrica e saneamento visando ao incremento da eficiência em determinado estabelecimento público, mediante a realização de obras de manutenção e de aprimoramento da infraestrutura. Tais contratos são os que mais se aproximam da concepção estrita de contrato de eficiência no sistema jurídico brasileiro.
Na França e no Brasil
Na França, a legislação prevê a possibilidade de celebração de contratos de eficiência pela administração pública. Conforme definição do artigo L2171-3 do Code de la commande publique, tais contratos se aproximam, na verdade, do que o ordenamento jurídico brasileiro denomina de contrato de performance ou de remuneração variável.
No Brasil, os portais de notícias reverberam iniciativas tidas como pioneiras, tais como a da celebração de contrato de eficiência, pela Prefeitura de Curitiba, em 2023, [9] visando à instalação de usina de energia solar em prédio público com vistas à promoção da eficiência energética, da sustentabilidade ambiental e da economia de recursos públicos pela administração, com previsão de ônus zero ao ente público quando da incorporação das benfeitorias ao final do contrato. Essa foi a primeira contratação a utilizar o critério do maior retorno econômico registrada no sistema de compras do governo federal. [10]
Há, ainda, estudos sobre o potencial de desenvolvimento do mercado de eficiência energética no Brasil, visando à incorporação dessas soluções por órgãos públicos e privados, em suas edificações, não apenas em razão da positivação de direitos e garantias relativas ao meio ambiente e à sustentabilidade no Brasil, como também em decorrência da incorporação, na agenda política, dos objetivos de desenvolvimento sustentável da Organização das Nações Unidas. [11]
O potencial para desenvolvimento de projetos de eficientização energética, com foco na redução do consumo de energia elétrica e investimento em fontes de energia renovável se dá a partir da visualização da matriz energética do país e sua proporção significativa de uso de fontes renováveis.
Metas de desempenho e remuneração
Portanto, em que pese o conceito estrito conferido pela NLLC aos contratos de eficiência, pode-se entender que essa espécie jurídica está abarcada no universo dos contratos de performance, no âmbito dos quais se definem específicas metas de desempenho e se vincula à remuneração do contratado ao efetivo atingimento dos resultados contratualmente estipulados. Trata-se, portanto, de obrigação de resultado, não de meio.
No entanto, provavelmente em razão da complexidade envolvida, em termos de planejamento, acompanhamento e execução, tais contratações — que, em geral, são longas, haja vista a necessidade de amortizar investimentos — ainda são pouco utilizadas quando comparadas às demais modalidades legais. Também não se encontram dados sistematizados, em quantidade significativa, que evidenciem a concretização dos potenciais benefícios dessas contratações.
Em vista da crescente complexidade social e do imperativo constitucional de otimizar a alocação de recursos públicos escassos, de forma a atender, na concretude, os interesses da coletividade, é essencial que se dê a devida atenção à potencialidade de modelagens contratuais tais como a do contrato de eficiência, que, ao mesmo tempo em que economiza recursos, promove valores fundamentais do mundo contemporâneo, em especial, a sustentabilidade.
[1] “Em realidade, não se trata propriamente de novidade na prática forense, visto que a celebração de contratos de eficiência – também conhecidos como contratos de performance – não era vedada pelo ordenamento jurídico. Contudo, também não o era expressamente autorizada pela legislação, o que suscitava dúvidas quanto à possibilidade de sua utilização para melhorar a eficiência na administração pública brasileira – dúvidas essas que eram muitas vezes reforçadas por decisões díspares proferidas pelos órgãos de controle” (grifos nossos). In: MARQUES NETO, Floriano de Azevedo; PINHEIRO, Hendrick; CUKIERT, Tamara. Contratos de eficiência: uma proposta conceitual e análise de experiências no direito comparado. A&C – Revista de Direito Administrativo & Constitucional, Belo Horizonte, ano 22, n. 87, p. 218-219, jan./mar. 2022.
[2] NLLC, Art. 144: “Na contratação de obras, fornecimentos e serviços, inclusive de engenharia, poderá ser estabelecida remuneração variável vinculada ao desempenho do contratado, com base em metas, padrões de qualidade, critérios de sustentabilidade ambiental e prazos de entrega definidos no edital de licitação e no contrato.
§ 1º O pagamento poderá ser ajustado em base percentual sobre o valor economizado em determinada despesa, quando o objeto do contrato visar à implantação de processo de racionalização, hipótese em que as despesas correrão à conta dos mesmos créditos orçamentários, na forma de regulamentação específica. § 2º A utilização de remuneração variável será motivada e respeitará o limite orçamentário fixado pela Administração para a contratação”.
[3] “O chamado contrato de eficiência ou contrato de performance é modalidade em que a remuneração do contratado é condicionada ao cumprimento de determinadas metas de desempenho. […] Nesse contexto, também é importante falar que o prestador assume uma parcela de risco sobre a remuneração e que esta modalidade contratual associa a contraprestação do contratado à geração de ganhos de eficiência ao contratante”. In: MARQUES NETO, Floriano de Azevedo; PINHEIRO, Hendrick; CUKIERT, Tamara. Contratos de eficiência: uma proposta conceitual e análise de experiências no direito comparado. A&C – Revista de Direito Administrativo & Constitucional, Belo Horizonte, ano 22, n. 87, p. 219, jan./mar. 2022.
[4] COSTA JÚNIOR, Álvaro Luiz Miranda. A Lei das Estatais e os contratos pelo resultado: a persecução da eficiência nas contratações públicas. Fórum de Contratação e Gestão Pública – FCGP, Belo Horizonte, ano 20, n. 236, p. 13-32, ago. 2021.
[5] Veja-se que, pela definição da IN Seges/ME nº 96/2022, contratos sem investimentos, de menor duração (10 anos), são aqueles nos quais não foram feitas benfeitorias permanentes.
[6] É o que salienta Daniel Barral ao dizer que: “Por certo que este incentivo não será necessário em todo e qualquer contrato administrativo. A oferta de serviço de internet a um determinado órgão público deve ocorrer no quantitativo compatível com as necessidades de acesso. Uma oferta adicional de banda de internet pode não ser necessária, permanecer ociosa e, portanto, não agregar qualquer vantagem adicional ao atendimento do interesse público. Neste trilhar de ideias, só será legítimo o estabelecimento de uma remuneração variável quando o ganho adicional do contratado necessariamente corresponder a um benefício em prol da Administração Pública. Portanto, a fase de planejamento desses contratos deve demonstrar, por meio de projeções numéricas, o potencial benéfico advindo da adoção desta técnica vis a vis o incremento do custo destinado ao custeio desta remuneração variável” (grifos nossos). In: BARRAL, Daniel. Artigo 144. In: FORTINI, Cristiana; OLIVEIRA, Rafael Sérgio Lima de; CAMARÃO, Tatiana (Coords.). Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos – Volume 1. 2. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2023. Disponível em: https://www.forumconhecimento.com.br/livro/L4367. Acesso em: 13 set. 2024. p. 461.
[7] MARQUES NETO, Floriano de Azevedo; PINHEIRO, Hendrick; CUKIERT, Tamara. Contratos de eficiência: uma proposta conceitual e análise de experiências no direito comparado. A&C – Revista de Direito Administrativo & Constitucional, Belo Horizonte, ano 22, n. 87, p. 225, jan./mar. 2022.
[8] “A celebração de contratos de performance nos Estados Unidos foi objetivo de uma política pública específica, instrumentalizada pela Policy Letter 91-2 de 1991, do Office of Federal Procurement Policy, a qual direcionava os órgãos da administração pública federal a empregarem, na máxima medida possível, contratos de performance em suas contratações de serviços com particulares. O objetivo da diretriz era garantir que o nível apropriado de qualidade dos serviços fosse atingido, bem como que o particular fosse remunerado apenas pelos serviços que atendessem aos parâmetros esperados”. In: MARQUES NETO, Floriano de Azevedo; PINHEIRO, Hendrick; CUKIERT, Tamara. Contratos de eficiência: uma proposta conceitual e análise de experiências no direito comparado. A&C – Revista de Direito Administrativo & Constitucional, Belo Horizonte, ano 22, n. 87, p. 225, jan./mar. 2022.
[9] QUARTO PODER PARANÁ. Curitiba na frente: ICS assina primeiro contrato de eficiência do Brasil. Quarto Poder Paraná, 2023. Disponível em: https://quartopoderparana.com.br/politica/2023/06/21/curitiba-na-frente-ics-assina-primeiro-contrato-de-eficiencia-do-brasil/. Acesso em: 25 set. 2024.
[10] ZÊNITE. Instituto adquire fornecimento de energia pelo critério de maior retorno econômico / contrato de eficiência. Zênite, 2023. Disponível em: https://zenite.com.br/2023/06/22/ministerio-da-gestao-apoia-compra-inedita-pela-nova-lei-de-licitacoes/. Acesso em: 25 set. 2024.
[11] ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Disponível em: https://brasil.un.org/pt-br/sdgs. Acesso em: 25 set. 2024.
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