Opinião

Irracionalidade da invalidade da procuração assinada posteriormente à interposição do recurso

Autores

  • é especialista em Direito Empresarial Aplicado pela Faculdade da Indústria formado em Direito pelo Centro Universitário Curitiba e graduando em Ciências Contábeis pela Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis Atuariais e Financeiras.

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  • é advogado associado da Advocacia Felippe e Isfer atuando no setor de Contencioso Estratégico e Coordenando o setor de Privacidade e Proteção de Dados e especialista em Processo Civil pelo Instituto de Direito Romeu Felipe Bacelar.

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10 de novembro de 2024, 7h18

Nos últimos tempos, os feitos absurdos de autoridades públicas se tornaram corriqueiros e, como consequência, diariamente são veiculadas notas de repúdio condenando a mais recente barbaridade promovida por aqueles de quem se deveria esperar um standart mínimo de conduta. Nesse contexto, parece que a nota de repúdio é o instrumento cabível quando alguém ou alguma entidade pretende externalizar o descontentamento com determinado ato, mas sabe-se incapaz de adotar qualquer providência suficientemente apta a constranger, dissuadir ou impedir que o autor da ofensa futuramente reincida em seu censurável comportamento.

Pessoa assinando contrato

Pois bem, diante da descrição acima, nada mais adequado que nossa veemente indignação contra a nova iniciativa do Superior Tribunal de Justiça em prol que sua reprovável jurisprudência defensiva seja expressada por meio desta nota de repúdio. Isto, pois, por mais que não se tenha esperança de que estas simplórias palavras possam gerar qualquer sinal de razoabilidade perante Vossas Excelências, não se pode assistir inerte a jurisprudência, baseada em premissas exclusivamente classistas, atropelar mais uma garantia expressamente prevista no Código de Processo Civil.

O presente repúdio decorre da posição consolidada entre os ministros, a qual abertamente nega vigência aos artigos 76 e 932, parágrafo único, do Código de Processo Civil, para impedir o conhecimento de recursos especiais com vício de representação processual.

Nos termos do primeiro, “[v]erificada a incapacidade processual ou a irregularidade da representação da parte, o juiz suspenderá o processo e designará prazo razoável para que seja sanado o vício“, o que deve ser interpretado conjuntamente com a redação do segundo, que estabelece que incumbe ao relator “[a]ntes de considerar inadmissível o recurso, o relator concederá o prazo de 5 (cinco) dias ao recorrente para que seja sanado vício ou complementada a documentação exigível“.

Recurso na instância superior

Na prática, o que está acontecendo é que, assim que o recurso chega à instância superior, é realizada uma análise da regularidade da representação processual e, havendo algum entrave, é concedido prazo para correção do erro. Contudo, quando o advogado junta nova procuração ou substabelecimento para tanto, a validade de tal documento somente é reconhecida se a data for anterior à interposição do recurso, conforme se verifica em inúmeros julgados similares a este:

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. DEFICIÊNCIA NA REPRESENTAÇÃO PROCESSUAL. INTIMAÇÃO PARA REGULARIZAR A REPRESENTAÇÃO PROCESSUAL. PERSISTÊNCIA DO VÍCIO. RECURSO INEXISTENTE. SÚMULA 115/STJ.

  1. É inexistente recurso interposto por advogado sem procuração nos autos, conforme enuncia a Súmula 115/STJ.
  2. Nos termos do art. 76, § 2º, I, do CPC/2015, não se conhece do recurso quando a parte, após intimada para regularizar sua representação processual (art. 932, parágrafo único, do CPC/2015), não promove o saneamento do vício no prazo concedido.
  3. A jurisprudência desta Corte perfilha entendimento no sentido de que para suprir eventual vício de representação processual não basta a juntada de procuração ou substabelecimento, é necessário que a outorga de poderes tenha sido efetuada em data anterior à da interposição do recurso. Precedentes.
  4. Agravo interno não provido.

(AgInt nos EDcl no AREsp n. 1.778.050/ES, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 20/9/2021, DJe de 22/9/2021.)

Tal postura é um verdadeiro insulto ao devido processo legal, à efetividade processual, ao bom senso e, em última análise, ao jurisdicionado. Ora, se a legislação expressamente autoriza o saneamento do vício de representação, qual o motivo para os ministros se negarem a aceitar nova procuração? E mais, sendo a procuração documento particular e, portanto, que pode ser datada da forma que bem entendem os signatários, qual a efetividade de não reconhecer a validade daquelas assinadas após a interposição do recurso?

Tais pontos foram suscitados pelo ministro Gurgel de Faria durante apreciação do AREsp nº 2.509.244 e, apesar da absoluta inexistência de fundamentos lógicos para contrapô-los, o relator ministro Sérgio Kukina manteve posicionamento pelo não conhecimento do recurso, amparado por dezenas de precedentes de diversas turmas do STJ. Inclusive, a inacreditável discussão travada foi objeto de artigo publicado neste mesmo site, em setembro, informando que o tema poderia ser afetado à Corte Especial.

Sob a ótica do devido processo legal, a orientação flagrantemente viola os artigos 76 e 932, parágrafo único, do Código de Processo Civil, que, por sua vez, são resultado de modificações legislativas pensadas justamente para minorar a aplicação da Súmula 115/STJ, cuja redação estabelece que, “na instância especial, é inexistente recurso interposto por advogado sem procuração nos autos”. É evidente que, se a legislação permite o saneamento do vício, a juntada de procuração, mesmo assinada em momento posterior à interposição do recurso, não deveria ser um empecilho ao seu conhecimento.

Spacca

Normas fundamentais do processo civil

Analisando a questão à luz da efetividade do processo, significa rasgar parte essencial das “normas fundamentais do processo civil”, elencadas assim pelo Capítulo I, Título Único do Livro I, Parte Geral, do Código de Processo Civil, notadamente as previstas nos artigos 4º, 5º, 6º e 8º. A um só tempo, não conhecer do direito de recurso da parte pela juntada de procuração assinada em momento posterior afronta o direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, ignora a boa-fé daqueles que estavam engajados no debate do direito, adota comportamento exacerbadamente formalista e diametralmente oposto ao colaborativo visando à decisão de mérito justa e afasta de vez qualquer proporcionalidade, razoabilidade, legalidade e eficiência da tutela jurisdicional.

E quanto ao bom senso, o próprio ministro Gurgel Faria pontuou muito bem a irracionalidade de se ater a data da assinatura da procuração, instrumento notoriamente particular, para apurar a sua validade. É praticamente um convite à adulteração da verdade sem justificativa para tanto. Se o advogado vinha defendendo o direito do jurisdicionado até então, apesar do vício de representação, este pode muito bem ratificar todos os atos praticados por aquele, incluindo a interposição de recurso, em momento posterior. Isto é precisamente o que dispõe o artigo 662 do Código Civil.

No final, em manifesta violação a inúmeros dispositivos legais, a parte tem tolhido o direito de ter seu processo examinado na instância superior em virtude de uma interpretação sem cabimento algum, cujo único propósito é diminuir o volume de trabalho dos ministros do Superior Tribunal de Justiça. Sem cabimento, pois o único fundamento que a sustenta é a existência de “posição consolidada” sobre o tema, ou seja, torna-se sem efeito os artigos 4º, 5º, 6º, 8º, 76 e 932, parágrafo único, do Código de Processo Civil e o artigo 662 do Código Civil, apenas porque os ministros assim decidiram. É um ataque direto as garantias fundamentais do jurisdicionado.

Contudo, até que o tema seja afetado para exame da Corte Especial e, caso isso aconteça, seja adotada a posição congruentemente lógica e adequada ao ordenamento jurídico nacional, tudo o que resta aos advogados é insistir recorrendo dessas decisões arbitrárias, na tentativa de reverter a abusiva jurisprudência defensiva do STJ e, paralelamente, por que não exteriorizar a indignação por meio de ineficazes notas de repúdio como a presente? Em tempos que tal ferramenta se popularizou, não custa uma tentativa a mais.

Autores

  • é especialista em Direito Empresarial Aplicado pela Faculdade da Indústria, formado em Direito pelo Centro Universitário Curitiba e graduando em Ciências Contábeis pela Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras.

  • é advogado associado da Advocacia Felippe e Isfer atuando no setor de Contencioso Estratégico e Coordenando o setor de Privacidade e Proteção de Dados e especialista em Processo Civil pelo Instituto de Direito Romeu Felipe Bacelar.

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