Opinião

Regulamentação da arbitragem a cargo de tabeliães de notas

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8 de novembro de 2024, 6h30

Como é sabido, a Lei 14.711/23 alterou a 8.935/94 para, dentre outros, permitir que tabeliães de notas atuem como árbitros; o que gerou a iniciativa de regulamentação dessa atuação, a ser editada pelo Conselho Nacional de Justiça. As breves reflexões que seguem buscam chamar a atenção para pontos que, nesse contexto, podem ser relevantes e que, talvez, convenha levar em conta.

Antes de tudo, é preciso atentar para os limites da regulação a cargo do referido órgão e, mais especificamente, convém não confundir o — legítimo e necessário — controle estatal das atividades típicas de tabelião, de um lado; com sua atuação na qualidade de árbitro, isto é, como terceiro investido de poder jurisdicional que lhe é outorgado por vontade das partes envolvidas em dada controvérsia, de outro lado.

Então, o CNJ tem atribuição para regular a atuação dos tabeliães diante do novo cenário, isto é, os possíveis desdobramentos da ampliação autorizada pela lei, de sorte a preservar a higidez da atuação do notário, como tal. Contudo, respeitada convicção diversa, o órgão não tem competência para regular a atuação de árbitros — sejam eles tabeliães ou não. Esse ponto é fundamental e convém repetir: não podem ser confundidas a atuação do tabelião como tal, de um lado; e sua atuação como árbitro, de outro.

Por outras palavras ainda: se a atuação como tabelião comporta correição, a de arbitragem não; e o controle judicial que sobre essa última possa haver — e há, ainda que excepcional — já está regulado pela Lei 9.307/96.

Árbitros e partes não estão sujeitos ao CNJ

E não há qualquer desdouro para o CNJ nessa limitação. Se fosse dado ao referido órgão regular a atuação do árbitro (ainda que tabelião), indiretamente — mas, não de forma menos relevante — o órgão estaria a criar regras para as partes que querem se valer desse meio de solução de conflitos; e que, nem mesmo em tese, estão sujeitas à atribuição do conselho.

O processo arbitral — aí incluídos os atos do procedimento e as posições próprias da relação jurídica processual (poderes, sujeições, faculdades, ônus, deveres) — já é regulado pela lei e, claro, pelas próprias partes. Nas arbitragens institucionais, isso significa a adesão às regras da câmara arbitral que elas tenham escolhido — às quais, naturalmente, também aderem os árbitros que se disponham a ali atuar.

Ademais, às partes cabe regular o processo por convenções que se materializam no termo de arbitragem ou ata de missão. Portanto, se o CNJ, a pretexto de disciplinar a atuação do tabelião, viesse a regular o processo arbitral (procedimento ou relação processual), seria patente a inconstitucionalidade da regulação, por afronta, dentre outros ao disposto no artigo 22, inciso I da CF.

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Sobre câmaras de arbitragem nesse específico contexto, é de se presumir que elas serão oportunamente constituídas — embora, registre-se de passagem, não se vislumbre impedimento legal que impeça a imediata atuação de tabeliães como árbitros ad hoc ou de forma relacionada a câmaras já instituídas e que admitam árbitros estranhos às respectivas listas (ou da qual um dado tabelião venha a fazer parte).

Contudo, o importante aqui é que não há fundamento jurídico para se atribuir atividade correicional sobre os centros de arbitragem. Novamente, é preciso distinguir a atuação como tabelião e sua atuação como árbitro: se esta eventualmente prejudica postulados indissociáveis do exercício daquela, então o controle correicional será sobre a atividade daquele, não a do outro. E se a atividade correicional dos tabeliães já existe, não há razão para se criar uma estrutura que os fiscalize na qualidade de árbitros. Os equívocos que eles possam eventualmente cometer (na atividade de árbitros) estão sujeitos a um sistema de controle jurisdicional — não administrativo — a cargo do Poder Judiciário, nos termos da lei.

Mais ainda: árbitros são escolhidos pelas partes e não faz sentido aplicar à arbitragem a lógica de distribuição de processos, como se a câmara seguisse a lógica de um tribunal estatal. Em hipóteses excepcionais, havendo cláusula compromissória, se não houver ajuste sobre a escolha dos árbitros, então sua nomeação virá de acordo com o regulamento da câmara ou nos termos do § 4º do artigo 7º da Lei 9.307/96 — em qualquer hipótese, sem interferência de órgão correicional. Para tanto não será o caso de recorrer a conceitos próprios da atuação estatal, tais como relação entre o objeto do litígio e uma dada base territorial ou até o de prevenção.

Na arbitragem, a determinação da sede é fruto de escolha das partes, em consideração às consequências legais extraídas daquele conceito, mas sem vinculação física necessária a uma dada base territorial. Também seria incorreto prever que, diante do impedimento de um dado tabelião, a arbitragem ficaria automaticamente a cargo de outro da mesma câmara: esse é raciocínio próprio do Judiciário porque, na arbitragem, diante de um óbice como o mencionado, caberia às precipuamente às partes escolher novo árbitro.

Sugestões

Se possível, seria salutar que a regulamentação a cargo das câmaras (não do CNJ) pudesse avançar em alguns pontos. Por exemplo, nesta quadra da evolução do instituto, não há sentido em se estabelecer sigilo como regra geral porque a confidencialidade não o é na Lei de Arbitragem. As partes podem convencioná-la, mas seria conveniente que, ao invés de puramente se falar em sigilo, a regulamentação cogitasse de formas de divulgação de dados de interesse da coletividade, sem que ficassem prejudicados os das partes — se e quando optassem pela confidencialidade. Seria recomendável, também, que o regulamento das câmaras previsse ao menos a figura do árbitro de emergência — a excluir ou a concorrer com o Judiciário, enquanto não constituído o tribunal arbitral.

Também seria uma evolução se o regulamento previsse o que se poderia qualificar como árbitro de prova, para a produção antecipada nos casos previstos pelos incisos II e III do artigo 381 do CPC – que, ao menos até aqui, a jurisprudência do STJ reconheceu deve ser pedida aos árbitros, não ao Judiciário.

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Finalmente, capítulo que merece atenção é o relativo ao dever de revelação, conectado à imparcialidade e independência do árbitro, que é objeto de relevantes debates judiciais em casos concretos e, em abstrato, objeto de ação direta em que se alega a inconstitucionalidade do artigo 14 da Lei de Arbitragem (ADPF 1.050/DF, convertida em ADI).

Em primeiro lugar, será um equívoco atribuir ao juízo corregedor o poder de decidir. Novamente, a atuação correicional é sobre o tabelião, não sobre o árbitro. Os regulamentos das câmaras deverão prever a instituição de comitês para julgamento de eventuais impugnações, compostos por árbitros, não por integrante do Poder Judiciário — que, nesse caso, nem atividade jurisdicional exerceria.

Essa eventual interferência é incompatível com o sistema da Lei 9.307/96. Para que ela pudesse ocorrer, seria preciso que a lei criasse uma espécie de processo arbitral diferenciado para tabeliães; o que não existe e, a rigor, nem precisa existir. As regras da Lei de Arbitragem e as convencionadas pelas partes (aí incluído o regulamento da câmara à qual aderirem) são suficientes para reger a arbitragem com a presença de tabelião.

Considerações finais

Tudo isso é dito, fique claro, na perspectiva de que a arbitragem por tabeliães viceje e que a autorização legal seja concretizada. Para que isso ocorra, naturalmente, não basta a lei, mas é preciso que os agentes do mercado enxerguem esse mecanismo de resolução de conflitos como confiável e economicamente racional. Criar um centro de arbitragem é apenas o primeiro passo. Se outros não vierem, a possibilidade não irá além disso.

De todo modo, o sistema vigente, sob o prisma da arbitragem, é suficiente para que, desde que haja demanda, os tabeliães comecem a atuar na arbitragem. Unindo-se uma coisa à outra, arrisca-se dizer que, se eles o fizerem, um campo em que poderão atuar de forma diferenciada será o da produção antecipada de prova, acima mencionado. Nesse terreno, sua experiência poderá ser muito relevante em casos de exibição de documentos, de oitiva de testemunhas e, por que não, de prova pericial.

Quem viver verá; ou não…

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