Efeito republicano

Vitória de Trump nas eleições presidenciais vai conturbar a Justiça dos EUA

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7 de novembro de 2024, 10h30

Pelo menos, 944 prisioneiros esperam comemorar nas ruas a vitória de Donald Trump nas eleições presidenciais. Mas só depois que o presidente eleito tomar posse, em 20 de janeiro de 2025. Trump prometeu repetidamente conceder perdão presidencial a todos os condenados pelo ataque ao Congresso em 6 de janeiro de 2021. Por enquanto, ainda esperam que o presidente eleito cumpra a promessa.

Donald Trump 2024 campanha

Nestas eleições, Trump bateu a democrata Kamala Harris e o sistema judiciário que poderia colocá-lo na cadeia

No total, 1.488 pessoas foram presas e condenadas por invadir o Capitólio, edifício que abriga o Congresso americano, em Washington, D.C., incitadas por Trump, para tentar impedir o procedimento parlamentar de conferência de votos e da certificação da vitória de Joe Biden nas eleições de 2020. Foi uma tentativa dos invasores — frustrada no final das contas —  de reverter o resultado das eleições a favor de Trump.

Nas promessas que fez de conceder a eles o perdão presidencial, Trump apresentou suas justificativas — todas consideradas sem mérito pela comunidade jurídica — para fazer isso: eles são “guerreiros”, “patriotas incríveis”, “prisioneiros políticos”, “reféns políticos” e “a Justiça foi muito dura com eles”. Ele repetiu isso em comícios e em entrevistas (sem contestação) à mídia amigável.

Do total de invasores processados, 172 foram condenados à prisão residencial e 31 à prisão fechada, convertida em domiciliar posteriormente. Muitos réus ainda respondem a processo criminal – e também podem ser beneficiados pelo perdão presidencial e arquivamento do caso.

Processos na Justiça Federal

O maior beneficiário da vitória de Trump, no entanto, será o próprio Trump. Ele prometeu demitir o procurador especial do Departamento de Justiça (DOJ), Jack Smith, que vem trabalhando em ações criminais contra ele na Justiça Federal há exatamente dois anos, desde novembro de 2022. Ele declarou que demitirá Smith “dentro de dois segundos” — isso se o procurador não se afastar antes.

Trump já estabeleceu uma condição para nomear um procurador-geral do DOJ: o candidato terá de concordar em pedir o encerramento dos dois processos contra ele na Justiça Federal, para extingui-los definitivamente. E contribuir para a extinção de outros processos criminais e civis que tramitam em jurisdições estaduais.

Na esfera federal, tramitam duas ações criminais contra ele — uma no Distrito de Colúmbia (em Washington) e outra na Flórida.

Em Washington, D.C., Trump responde a quatro acusações criminais por sua responsabilidade na invasão do Congresso em 2021. O caso está paralisado desde que seus advogados recorreram à Suprema Corte, pedindo uma análise da imunidade presidencial.

O recurso foi bem-sucedido, como se sabe, porque, nessa decisão, a Suprema Corte declarou que ex-presidentes: 1) têm imunidade absoluta por seus atos no exercício de seus poderes constitucionais; 2) têm presunção de imunidade por quaisquer outros atos oficiais; 3) não têm imunidade apenas por seus atos não oficiais.

Assim a juíza Tanya Chutkan, que preside esse julgamento, marcou prazos de novembro a dezembro para as partes argumentarem (e ela decidir) se Trump tem imunidade ou não a cada uma das acusações. A juíza não conseguirá levar o caso em frente antes que Trump e seu novo procurador-geral matem o processo.

Na Flórida, o caso já está um pouco mais complicado. O procurador-geral do DOJ apresentou 34 acusações criminais contra Trump, por desvio ilegal de documentos sigilosos da Casa Branca, quando deixou o governo em 2021, alguns deles com o carimbo de “secreto” ou mais que isso: “top secret”.

Não há defesa fácil para essas acusações. Mas a juíza federal Aileen Cannon achou uma solução favorável para o presidente que a nomeou para o cargo: trancou a ação com base no entendimento de que a nomeação do procurador especial, Jack Smith, foi irregular, porque não teve aprovação do Senado.

Smith recorreu ao Tribunal Federal de Recursos da 11ª Região, com boa chance de ser bem-sucedido, baseado em precedentes e fatos históricos. No entanto, o tribunal não irá, provavelmente, decidir o caso antes de Trump mexer os pauzinhos (de forma lícita, mas nem tanto ética) para extinguir a ação.kkkk

Processos na Justiça Estadual

Em um dos processos na esfera estadual, em que Trump foi acusado, na Geórgia, de tentar subverter o resultado da eleição no estado, por meio de tentativas de corromper o processo de certificação da vitória de Joe Biden, não há muito o que o DOJ possa fazer para salvar o presidente eleito.

Mas os advogados de Trump apelaram para uma tática que embolou o meio de campo: apontaram um conflito de interesse (financeiro) da procuradora do estado, Fanny Willis (que processou o então ex-presidente), por seu envolvimento romântico com um procurador especial que ela contratou para tocar o caso.

Os advogados pediram a desqualificação da procuradora, sob a suspeita de ela ter contratado o procurador, com dinheiro público, para beneficiar uma pessoa com a qual tinha um affair. Dê no que dê, a ação pode ficar prejudicada pelo fato de Trump ter sido eleito.

Em Nova York, um júri considerou Trump culpado das 34 acusações apresentadas contra ele, por falsificação de registros contábeis — uma manobra para esconder um pagamento de suborno à ex-atriz pornô Stormy Daniels, com o objetivo de silenciá-la sobre uma relação extraconjugal de Trump, o que poderia descarrilhar sua candidatura a presidente em 2016.

O juiz Juan Marchan, que preside o julgamento, marcou para 12 de novembro uma audiência para discutir com as partes e proferir a sentença, que pode ser pena de prisão, prisão domiciliar, pena alternativa ou suspensão condicional da pena. No entanto, os advogados do presidente eleito vão pedir ao juiz para suspender, por enquanto, o proferimento da sentença, para que tenham prazo para recorrer a um tribunal estadual de recursos.

Os advogados deverão, ainda, pedir a revisão da condenação (em primeiro ou segundo grau), para se examinar o caso diante da decisão da Suprema Corte sobre a imunidade presidencial — com base, entre outras coisas, na teoria de que um presidente não pode ser perturbado com uma ação criminal enquanto se ocupa de seus deveres constitucionais e de outros tantos atos oficiais do governo.

De qualquer forma, se qualquer pena for aplicada, em qualquer dos processos, é certo que a punição deve ser postergada até que o então presidente Trump deixe o cargo, em 20 de janeiro de 2029 (um novo presidente será eleito em novembro de 2028, se não houver um golpe de estado).

Em outras palavras: nessas eleições, Trump bateu a democrata Kamala Harris e o sistema Judiciário que poderia colocá-lo na cadeia.

Processos civis

Donald Trump está envolvido em algumas ações civis, entre as quais: dois casos relacionados à morte ou ferimento grave de policiais durante a invasão do Congresso, em 6 de janeiro de 2021; um caso de fraude das Organizações Trump, condenada a pagar indenização por danos de US$ 454 milhões (que poderá ser reduzida em grau de recurso); e duas ações por difamação, movidas pela colunista Elizabeth Jean Carroll.

No caso da jornalista, Trump perdeu dois casos de difamação, um em 2023 e outro em 2024. No primeiro, um júri considerou Trump culpado por abusar sexualmente da colunista e fixou a indenização em US$ 5 milhões. No segundo, um novo júri fixou a indenização em US$ 83 milhões, por Trump voltar a difamar a colunista. Os processos tramitam em grau de recurso.

É possível que esses processos continuem a tramitar na Justiça, porque, em 1997, a Suprema Corte decidiu que, em casos de ação civil, um presidente em exercício não pode invocar imunidade presidencial. Mas o presidente em questão era Bill Clinton, um democrata. O presidente, agora, será Trump, um republicano, que será julgado por uma Suprema Corte republicana — e uma nova visão de imunidade presidencial.

Tumulto na Justiça imigratória

Em sua campanha eleitoral, Trump, então candidato, prometeu promover deportações em massa de imigrantes ilegais — pelo menos um milhão por ano. Foi um apelo que, aparentemente funcionou bem nas eleições.

Mas essa é uma promessa que, se cumprida, vai tumultuar seriamente a Justiça imigratória do país. Qualquer deportação exige um devido processo judicial. E as cortes de imigração já estão extremamente sobrecarregadas por causa do grande número de estrangeiros que cruzaram ilegalmente a fronteira nos últimos anos e foram detidos por agentes federais.

A Justiça imigratória já não tem estrutura para isso no momento. Faltam juízes, cortes, verbas, promotores e advogados. Quando um juiz faz a primeira audiência para a apresentação de um caso, ele costuma marcar o julgamento “para daqui a dois anos”, em média — com uma vantagem (temporária) para o imigrante ilegal: ele recebe uma autorização de trabalho, válida pelo prazo de espera do julgamento.

Para melhorar essa situação, o Partido Republicano, que elegeu o presidente e reconquistou a maioria no Senado, terá de contar com uma possível manutenção da maioria na Câmara dos Deputados (a apuração dos votos ainda não acabou).

A promessa de Trump depende da aprovação pelo Congresso de uma nova lei de imigração e de fundos para reestruturar a Justiça imigratória.

Maioria republicana na Suprema Corte

A eleição de Trump garante a preservação da maioria republicana na Suprema Corte, por aproximadamente três décadas, com a nova maioria republicana no Senado. Isso se os ministros Clarence Thomas e Samuel Alito cooperarem com as pretensões do partido e se aposentarem. Mas eles têm de fazer isso nos próximos dois anos, porque haverá novas eleições para o Senado em 3 de novembro de 2026.

Nessas eleições, estarão em disputa 33 cadeiras no Senado, 20 das quais são atualmente ocupadas por republicanos e 13 por democratas.

Enfim, há uma boa chance de os democratas reconquistarem a maioria no Senado em 2026. E será mais difícil para o presidente republicano obter a confirmação, pelo Senado, de suas indicações para a Suprema Corte.

Elon Musk e a Doutrina Chevron

A decisão de junho da Suprema Corte, que revogou o precedente Chevron Deference, extinguindo a “Doutrina Chevron”, já vem fazendo um estrago na capacidade dos órgãos governamentais de regulamentar as atividades de empresas e instituições, a bem do interesse público.

A situação vai piorar. O presidente eleito prometeu a Elon Musk, dirigente da Tesla, SpaceX, Starlink e da rede social  X, criar um cargo especialmente para ele: o de comandante do Departamento de Eficiência Governamental.

Musk terá poder para regular os reguladores — e de indicar seus dirigentes. Enfim, o poder regulador dos órgãos governamentais (para cuidar, por exemplo, do meio ambiente, da saúde, do mercado financeiro, de fechamento de contratos etc.) ficará ainda mais enfraquecido. Eles terão de pedir as bênçãos do manda-chuva para regulamentar qualquer coisa.

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