Direto do Carf

O Carf e dedutibilidade das despesas com previdência privada

Autor

  • é conselheiro do Carf doutorando em Controladoria e Contabilidade pela Universidade de São Paulo doutor em Direito Econômico Financeiro e Tributário pela USP mestre em Direito Comercial pela USP professor do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT) da Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis Financeiras e Atuariais (Fipecafi).

    Ver todos os posts

6 de novembro de 2024, 8h00

Nesta semana, trataremos dos precedentes do Carf acerca da dedutibilidade das despesas com previdência privada.

Considerações gerais sobre o tema

O artigo 13, V, da Lei nº 9.249/95 [1] previu que são dedutíveis as contribuições não compulsórias destinadas a custear seguros e planos de saúde, e benefícios complementares assemelhados aos da previdência social, instituídos em favor dos empregados e dirigentes da pessoa jurídica, de modo que foi instituída legalmente uma regra geral no sentido de dedução das despesas relacionadas com previdência privada.

Todavia, aproximadamente dois anos depois, o artigo 11, §2º, da Lei nº 9.532/97 [2] estabeleceu regra mais específica determinando que a dedutibilidade das despesas com contribuições para a previdência privada fica limitada a 20% do total dos salários dos empregados e da remuneração dos dirigentes da empresa, vinculados ao referido plano.

Na hipótese em que tais contribuições para a previdência privada superarem 20% do total dos salários dos empregados e da remuneração dos dirigentes da empresa, vinculados ao referido plano, o artigo 11, §3º, da Lei nº 9.532/97 [3] determina a indedutibilidade do montante das despesas que excederem o referido percentual para fins de IRPJ e CSLL.

Vale destacar que até a edição da Lei nº 9.532/1997, não havia tal limitação sequer no âmbito da legislação tributária, tanto que o artigo 301 do RIR/1994 (da mesma forma que outros anteriores Regulamentos do Imposto de Renda) estabelecia que “as contribuições patronais e outros encargos das empresas com os demais benefícios complementares ou assemelhados aos da previdência oficial somente poderão ser deduzidos como despesas operacionais quando pagos a entidades de previdência privada expressamente autorizadas a funcionar”.

Diante da normatização específica oriunda da Lei nº 9.532/97, as principais controvérsias no Carf acerca do tema abrangem contribuições complementares da entidades que patrocinam os planos de previdência privada em virtude de algum déficit atuarial nos referidos planos.

Nessa linha, o artigo 21 da Lei Complementar nº 109/01 [4] prevê que o resultado deficitário nos planos ou nas entidades fechadas será equacionado por patrocinadores, participantes e assistidos, na proporção existente entre as suas contribuições.

Como se observa, os patrocinadores podem ser chamados a colaborar para o reequilíbrio econômico-financeiro do plano de previdência privada, ainda que o beneficiário imediato de uma contribuição possa ser um indivíduo que já seja um ex-funcionário ao tempo desta contribuição complementar.

Precedentes do Carf

Feitas as considerações gerais sobre o tema, passaremos à análise dos precedentes do Carf que tratam do assunto.

Spacca

No Acórdão 1101-00.357 (de 2/9/2010), foi negado provimento ao Recurso Voluntário por maioria de votos, de modo foi mantida a indedutibilidade das despesas com previdência privada registradas pelo contribuinte.

No referido caso, havia um parecer atuarial demonstrando a necessidade de ajuste da reserva matemática de Suplementação de Aposentadorias e Pensão da Eletropaulo, sendo que havia uma obrigação contratual de que fossem pagas pelo contribuinte 240 parcelas para o plano de previdência privada a partir do ano de 1997, de modo que o início dos pagamentos se dava em um cenário anterior à edição da Lei nº 9.532/97, que trouxe a limitação percentual de 20% de tais despesas sobre o montante dos salários e ordenados dos beneficiários do plano.

Todavia, preponderou de que a limitação trazida na Lei nº 9.532/97 teve a finalidade de eliminar excessos oriundos do uso excessivo de remuneração indireta para reduzir os encargos sociais e trabalhistas, assim como o limite de 20% se aplica tão somente ao valor dos salários dos empregados e dirigentes vinculados ao plano, não havendo qualquer vínculo com pagamentos relativos à recomposição atuarial passada, de forma que não seria cabível a inclusão de desembolsos que tinham o objetivo de liquidar débitos antigos e atingir colaboradores que já não possuem qualquer vínculo com a folha de salário do contribuinte.

O redator designado consignou ainda que o acordo de suplementação do passivo atuarial não foi de prestação vencida, mas de prestação futura, de modo que as prestações a ele relativas seguem às regras vigentes ao tempo de seu cumprimento, ou seja, se aplica o limite de 20% trazido pela Lei nº 9.532/97.

O mesmo caso foi analisado em sede de recurso especial pela 1ª Turma da Câmara Superior de Recursos Fiscais (CSRF), sendo que no Acórdão 9101­002.584 (de 14/3/2017) foi mantido o posicionamento anteriormente firmado em turma ordinária, negando-se provimento ao recurso especial do contribuinte, por voto de qualidade.

Em um detalhamento fático, constou no Acórdão que em 30/9/1097, foi assinado o contrato de ajuste das reservas matemáticas do plano de suplementação de aposentadorias e pensão da Eletropaulo, pelo qual a sucedida da Recorrente (antes da privatização da sucedida) se obrigava a pagar 240 parcelas mensais à Funcesp, sendo que grande parte dos empregados a que déficit atuarial se refere foram mantidos pela recorrente, enquanto sucessora, ao passo que em 11/12/1097 sobreveio a Lei nº 9.532/97, que trouxe a limitação de dedutibilidade de 20%.

Com relação à questão da aplicação do limite da Lei nº 9.532/97, a redatora designada pontuou que não existe direito adquirido em relação a regime tributário, sendo que considerando que os pagamentos objeto da autuação fiscal em discussão se referiam aos anos de 2000 e 2001, não havia dúvida de que eles eram posteriores à Lei nº 9.532/97.

Ademais, a redatora designada pondera que a recorrente enquanto sucessora da empresa que originalmente tinha a obrigação de cobrir o passivo atuarial assumiu tal dívida por ato de vontade, de forma que estaria caracterizada uma liberalidade da entidade, além disso, não poderiam ser enquadradas como despesas necessárias uma vez que os empregados a que a dívida se refere não fazem parte do quadro de empregados da recorrente e nem contribuem para o seu resultado operacional.

Outra situação que aparece em diferentes casos envolve uma repactuação do plano de previdência privada dos funcionários da Petrobras, uma vez que houve a celebração de um acordo do qual decorreu um pagamento pela referida empresa de um montante significativo para custear benefícios previdenciários de empregados e ex-empregados, sendo tal montante registrado como “outras despesas operacionais”. Nesse sentido, as despesas com previdência privada para cobertura de repactuação do plano foram consideradas indedutíveis nos Acórdãos 1102-00.355 (de 15/12/2010), 1101-000.797 (de 11/9/2012), 1402-001.923 (de 3/3/2015) e 1301-002.042 (de 8/6/2016).

No caso do Acórdão 1102-00.355 (de 15/12/2010), a turma decidiu por dar provimento ao recurso de ofício de forma unânime e restabelecer a glosa das despesas com previdência privada.

Ainda que a DRJ tenha considerado tais despesas como necessárias, o conselheiro relator assinalou que a Petros seria a detentora de legitimo interesse de repactuação como forma de manutenção do equilíbrio financeiro do plano de previdência, mas não haveria relação direta capaz de configurar a necessidade exigida pelo artigo 299 do RIR/99 com relação à recorrente, uma vez que os pagamentos beneficiariam ex-funcionários com os quais ela não possui mais vinculo jurídico.

Pontua ainda o conselheiro relator que a necessidade de cobrir déficits atuariais e de viabilização das condições para oferecimento do plano de previdência não se caracterizam como provas da necessidade da despesa, visto que o artigo 21 da Lei Complementar nº 109/01 menciona que os resultados deficitários serão equacionados não apenas pelos patrocinadores, mas também por participantes e assistidos,

No Acórdão 1402-001.923 (de 3/3/2015), o redator designado mencionou que embora fosse indubitável a estreita ligação entre o fundo de pensão e a patrocinadora, fato é que são entidades distintas que não se confundem. Ainda segundo o artigo 21 da Lei Complementar nº 109/01, o resultado deficitário é equacionado na proporção existente entre as contribuições de patrocinadores, participantes e assistidos, sendo que, no caso concreto, os participantes não contribuíram com aportes.

Em caso diferente em que se discutiu um problema no momento de dedução das despesas com previdência privada no caso de empresa de energia elétrica, cumpre notar que no Acórdão 1301­003.020 (de 15/5/2018), a turma negou provimento ao Recurso Voluntário, por maioria de votos, mantendo a indedutibilidade das despesas com previdência privada.

O caso envolveu a assunção de dívidas do ano-calendário de 2000 de entidade de fechada de previdência complementar criada para complementar a aposentadoria dos empregados da recorrente, no entanto, a despesas não foram registradas contabilmente, sendo excluídas diretamente na apuração do Lucro Real em três quotas nos de 2009, 2010 e 2011.

O conselheiro relator manifestou o entendimento que o conceito de “contribuição não compulsória” previsto no artigo 13, V, da Lei nº 9.249/95, não abrange a assunção de dívidas, nem aportes de recursos feitos em favor das entidade de previdência complementar, de forma que contribuições seriam valores transferidos, de forma regular, periódica e sistemática, pela pessoa jurídica com o objetivo de custear o complemento de benefício previdenciário em favor dos empregados.

Dito de outra forma, o relator faz um paralelo entre a contribuição da previdência oficial (que é dedutível) e a contribuição para a previdência privada Referida contribuição, na parte dedutível, se assemelha à contribuição para previdência privada, sendo que o próprio percentual do limite de 20% se aproxima da alíquota de 20% (contribuição do empregador) de contribuição previdenciária sobre folha.

Assim, a contribuição não compulsória dedutível alcançaria tão somente os valores repassados, mensal e sistematicamente, às entidades fechadas de previdência complementar, de forma paralela e análoga às contribuições para a previdência oficial.

Por outro lado, no Acórdão 1201­002.665 (de 21/11/2018), a turma deu provimento ao Recurso Voluntário, por maioria de votos, garantindo a dedutibilidade das despesas incorridas com previdência privada.

No caso em tela, houve um desequilíbrio atuarial em um plano de previdência relacionado a um banco estatal, sendo que diante de tal situação foi celebrado um Termo de Ajuste de Conduta em maio de 2013 entre representantes do plano e do banco que patrocinava o plano, pelo qual todos os signatários se comprometiam a adotar soluções para as causas geradoras de déficit.

Os aportes feitos pelo banco estatal receberam a denominação de “contribuições extraordinárias”, desvinculados de qualquer remuneração, de forma que eles não teriam sido feitos a título de “custeio de benefício complementar”, mas sim como um aporte excepcional destinado a cobrir o resultado deficitário do plano de previdência. Como decorrência de tal situação, o conselheiro relator entendeu que não se aplicaria o limite legal de 20% que seria aplicável tão somente para às contribuições ordinárias.

Conclusão

Diante de todo o exposto, a maior parte dos precedentes do Carf tem entendido que não são dedutíveis as contribuições complementares dos patrocinadores dos planos de previdência para fins de cobrir resultados deficitários.

Este texto não reflete a posição institucional do Carf, mas, sim, uma análise dos seus precedentes publicados no site do órgão, em estudo descritivo, de caráter informativo, promovido pelos seus colunistas.

 


[1] Lei n. 9.249/95: “Art. 13. Para efeito de apuração do lucro real e da base de cálculo da contribuição social sobre o lucro líquido, são vedadas as seguintes deduções, independentemente do disposto no art. 47 da Lei nº 4.506, de 30 de novembro de 1964: (..) V – das contribuições não compulsórias, exceto as destinadas a custear seguros e planos de saúde, e benefícios complementares assemelhados aos da previdência social, instituídos em favor dos empregados e dirigentes da pessoa jurídica;”.

[2] Lei n. 9.532/97: “Art. 11 (…) § 2o Na determinação do lucro real e da base de cálculo da contribuição social sobre o lucro líquido, o valor das despesas com contribuições para a previdência privada, a que se refere o inciso V do art. 13 da Lei no 9.249, de 26 de dezembro de 1995, e para os Fundos de Aposentadoria Programada Individual – Fapi, a que se refere a Lei no 9.477, de 24 de julho de 1997, cujo ônus seja da pessoa jurídica, não poderá exceder, em cada período de apuração, a 20% (vinte por cento) do total dos salários dos empregados e da remuneração dos dirigentes da empresa, vinculados ao referido plano”.

[3] Lei n. 9.532/97: “Art. 11 (…) § 3o O somatório das contribuições que exceder o valor a que se refere o § 2o deste artigo deverá ser adicionado ao lucro líquido para efeito de determinação do lucro real e da base de cálculo da contribuição social sobre o lucro líquido”.

[4] Lei Complementar n. 109/01: “Art. 21. O resultado deficitário nos planos ou nas entidades fechadas será equacionado por patrocinadores, participantes e assistidos, na proporção existente entre as suas contribuições, sem prejuízo de ação regressiva contra dirigentes ou terceiros que deram causa a dano ou prejuízo à entidade de previdência complementar”.

Autores

  • é professor concursado da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA/USP) e da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas (Eaesp/FGV), conselheiro do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) e do Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional (CRSFN), doutorando em Controladoria e Contabilidade pela Universidade de São Paulo (USP), doutor em Direito Econômico, Financeiro e Tributário pela USP, mestre em Direito Comercial pela USP e ex-presidente da Aconcarf.

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!