Impeachment de ministros do STF: defesa da Constituição ou risco autoritário?
6 de novembro de 2024, 7h03
No último dia 9 de outubro, a Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ) da Câmara dos Deputados aprovou um parecer favorável ao projeto de lei (PL 4.754, de 2016 — substitutivo deputado Alfredo Gaspar), que visa a instituir novas hipóteses de impeachment para ministros do Supremo Tribunal Federal. A proposta faz parte do que vem sendo chamado de “pacote anti-STF” e, entre as alterações sugeridas, prevê tornar crime de responsabilidade qualquer decisão de um ministro que usurpe competências do Poder Legislativo, criando normas gerais e abstratas que cabem ao Congresso.
O placar na CCJ da Câmara foi de 36 votos a favor e 12 contra, refletindo o atual posicionamento predominante dessa comissão, além de evidenciar os tensionamentos entre a Corte Suprema e setores mais radicais do Congresso.
Para além de uma análise jurídica detalhada dos dispositivos propostos, é evidente que esse projeto procura abrir caminho para a utilização política do mecanismo de impeachment contra os ministros da Supremo, o que naturalmente levanta questionamentos sobre sua constitucionalidade à luz dos objetivos imediatos que busca alcançar. Parte do Congresso parece raciocinar de forma simplificada: se o impeachment funcionou contra Dilma Rousseff, por que não poderia funcionar contra o STF?
Assim como outras medidas que estão atualmente em discussão no Congresso, a justificativa apresentada pelos proponentes do projeto reside na defesa da Constituição, da democracia e do princípio da separação dos poderes, frente ao que consideram ameaças advindas do ativismo judicial do STF.
De fato, o ativismo judicial é passível de muitas críticas, mas, como um pensador alemão do século 19 já observava, é essencial distinguir entre o que os homens fazem e o que dizem que estão fazendo. Nesse sentido, mesmo o projeto de lei mais inconstitucional será defendido por seus autores como uma barreira em prol da liberdade e da Constituição.
Congresso deve respeitar limites da Constituição
O Congresso possui liberdade política para apresentar, debater e aprovar projetos normativos, como parte de suas prerrogativas. No entanto, essas propostas devem respeitar os limites estabelecidos pela Constituição. O Poder Legislativo não exerce o papel de Poder Constituinte, e seus representantes não são o próprio povo.
Nesse contexto, cabe afirmar que não é possível classificar como crime de responsabilidade condutas que não sejam dolosas (com comprovação) e que não comprometam gravemente os fundamentos estruturais da Constituição. Essa é uma premissa que nenhuma lei ou emenda constitucional pode alterar.
Ao tentar “criminalizar” as interpretações e decisões do STF, introduzindo a possibilidade de impeachment, o projeto enfraquece o sistema de proteção e defesa da Constituição (artigo 102, caput, Constituição), revelando, assim, um viés autoritário.
Nosso atual modelo de controle de constitucionalidade é, em grande parte, inspirado pelo modelo europeu continental do início do século 20, e a proteção constitucional deve ser compreendida também como um contrapeso ao legislador, que, em diversos momentos históricos, se mostrou permissivo com abusos e arroubos totalitários do Poder Executivo.
Nenhum poder está imune a abusos, nem mesmo o STF. Entretanto, o projeto em questão parece inadequado se o objetivo é aprimorar nossas instituições em um sentido democrático. Seu propósito parece mais alinhado à afirmação da supremacia do Legislativo em detrimento da supremacia do texto constitucional, subvertendo a relação de poderes instituída pela Constituição de 1988. Os riscos aqui são claros: hoje, o impeachment de ministros do STF; amanhã, a derrubada da Constituição.
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