Garantias do Consumo

Dano moral por litigância forçada: responsabilização do fornecedor pelo uso indevido do tempo do consumidor

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  • é procurador do estado do Espírito Santo mestre em Direito Difusos e Coletivos pela PUC-SP professor de diversos cursos e autor de diversas obras jurídicas tendo atuado como assessor do relator no Senado do projeto de lei do superendividamento.

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6 de novembro de 2024, 8h00

A possibilidade de condenação do fornecedor em danos morais pelo uso indevido do tempo do consumidor é uma questão que ganha cada vez mais relevância, especialmente diante da ineficácia de muitos atendimentos administrativos. Em situações nas quais o consumidor tenta, de boa-fé, solucionar uma demanda diretamente com o fornecedor, mas enfrenta recusa injustificada, restando-lhe apenas a via judicial, pode-se argumentar que há violação a direitos fundamentais. Essa perda de tempo não só compromete a dignidade do consumidor como impõe um prejuízo que ultrapassa o mero dissabor, impactando negativamente seu bem-estar e sua confiança nas relações de consumo.

Essa perspectiva encontra respaldo direto nos princípios estabelecidos pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC), que visa a harmonização das relações entre consumidores e fornecedores, buscando evitar práticas que atentem contra a boa-fé objetiva e a função social dos contratos. A boa-fé objetiva exige condutas leais e transparentes, promovendo a cooperação entre as partes. Assim, ao recusar uma solução extrajudicial sem justificativa razoável, o fornecedor não só age em descumprimento ao dever de cooperação como também fomenta uma prática desleal que impõe custos ao consumidor e à sociedade.

O custo social dessa postura é alarmante. Cada ação evitável sobrecarrega o Judiciário, comprometendo a celeridade e a qualidade do atendimento dos processos. No Brasil, onde o sistema judiciário já enfrenta sérios desafios de superlotação, a negativa de resolução administrativa pelo fornecedor contribui para o agravamento da chamada “crise de litigiosidade”, em que uma quantidade excessiva de processos entope os tribunais e retarda a resolução de litígios mais complexos e urgentes. Esse fenômeno resulta em um efeito cascata, uma vez que a ineficiência do Judiciário se propaga em outros setores, gerando um ciclo de desconfiança e insatisfação social.

Condenação do fornecedor é ferramenta pedagógica

É importante notar que a doutrina e decisões de tribunais têm, cada vez mais, reconhecido o dano moral nas situações em que o tempo do consumidor é desnecessariamente exigido. O dano moral, nesse caso, serve para compensar não apenas o sofrimento psíquico, mas também o desgaste pessoal e a quebra de confiança no fornecedor, aspectos fundamentais para um mercado saudável.

O aumento das ações judiciais devido à recusa de solução administrativa é um indicativo claro de práticas abusivas que vão contra o objetivo do CDC, que é garantir um mercado equilibrado e acessível a todos os cidadãos. A condenação em danos morais, em razão do tempo indevidamente despendido pelo consumidor, torna-se, assim, uma ferramenta pedagógica essencial, desestimulando o fornecedor a adotar uma postura negligente ou relapsa. A utilização de sanções para regular o mercado não apenas coíbe práticas abusivas como também valoriza o papel social do fornecedor, que passa a assumir uma postura mais consciente e atenta ao impacto de suas decisões na vida do consumidor.

Sob o aspecto social, essa prática desleal desestimula o consumidor a confiar no atendimento direto, prejudicando a relação entre consumidor e fornecedor e criando uma imagem negativa para o mercado. O tempo é um bem cada vez mais precioso e sua perda injustificada configura um desrespeito à dignidade humana.

Sanção contra a inércia administrativa também é necessária

Além da possibilidade de condenação por danos morais, seria desejável que o ordenamento jurídico contemplasse uma sanção específica para casos em que o fornecedor, sem qualquer justificativa razoável, recusa-se a resolver o problema na esfera administrativa. Tal sanção, se prevista em lei, poderia atuar como um mecanismo mais direto e eficaz de coibição, promovendo um ambiente de consumo mais responsável e eficiente. Esse dispositivo específico serviria para penalizar diretamente o fornecedor pela sua inércia administrativa, protegendo o consumidor de perdas imateriais como o tempo indevidamente consumido e o desgaste emocional gerado pela necessidade de recorrer ao Judiciário.

Enquanto essa sanção legal não é uma realidade, a aplicação de uma indenização por danos morais se apresenta como uma alternativa legítima e necessária para reparar o tempo perdido e o desgaste emocional do consumidor que, sem opções, é forçado a acionar o Judiciário. Tal indenização compensatória poderia constituir um dano específico, abrangendo não apenas a perda do tempo em si, mas também o estresse e os transtornos adicionais decorrentes da morosidade do processo, o ambiente formal de julgamento e as eventuais dificuldades de entendimento e adaptação às etapas processuais.

Esse tipo de dano moral específico (a qual denomino de “Dano moral por litigância forçada”) assume, assim, uma função dupla: além de reparar o consumidor, atua como uma medida de prevenção e desestímulo à postura negligente de fornecedores, que precisam ser responsabilizados por suas ações e omissões.

dano moral por litigância forçada deve ser compreendido como um instituto autônomo, cuja aplicação independe da existência de um dano moral diretamente relacionado à causa que motivou a judicialização. Ou seja, ainda que a demanda original já contemple situações de danos morais, o dano moral por litigância forçada se agrega como uma indenização adicional.

Esse dano visa compensar o consumidor pelo infortúnio de ser compelido a buscar o Judiciário para resolver uma questão que deveria ter sido solucionada extrajudicialmente. Essa situação impõe ao consumidor custos emocionais e financeiros significativos, especialmente em um sistema que já é sobrecarregado e notoriamente moroso.

A necessidade de comparecimento a audiências, a contratação de advogados e a exposição ao ambiente formal do Judiciário, além dos custos financeiros envolvidos, configuram elementos que violam a dignidade e o tempo do consumidor, obrigando-o a se desgastar para ter reconhecidos direitos que deveriam ser garantidos desde o início da relação de consumo.

A morosidade processual, somada aos trâmites burocráticos do Judiciário, gera impacto psicológico no consumidor, que, além de ver seu problema inicial não solucionado, precisa lidar com a ansiedade e o estresse decorrentes da espera por uma decisão judicial.

O desgaste é ainda maior para consumidores que desconhecem os processos jurídicos, pois enfrentam dificuldade de adaptação às exigências processuais, além do desconforto de expor suas queixas em um ambiente de julgamento, diferente do atendimento informal esperado em uma resolução administrativa.

O dano moral por litigância forçada deve ser aplicado em situações onde a recusa do fornecedor em atender ao pleito do consumidor não se baseia em justificativas legítimas ou razoáveis. Nos casos em que o fornecedor não possui uma razão clara e fundamentada para negar a resolução extrajudicial do problema, ele estaria infringindo seu dever de cooperação, indo contra os princípios da boa-fé objetiva e da função social do contrato. Nesse contexto, a recusa sem justificativa válida configura um desrespeito à expectativa de resolução direta e eficiente, empurrando o consumidor para a via judicial sem necessidade real.

Diante disso, a ausência de um motivo concreto para a negativa impõe ao fornecedor o dever de atender ao consumidor prontamente, promovendo a solução extrajudicial do conflito. Quando isso não ocorre, a aplicação do dano moral por litigância forçada se mostra adequada.

Assim, a aplicação do dano moral por litigância forçada representa uma compensação justa por essas consequências adicionais e cria uma via de responsabilização objetiva do fornecedor, de modo que sua recusa em resolver a demanda administrativamente não fique impune.

Consequentemente, ao reconhecer esse tipo de dano, o Judiciário não apenas repara os danos emocionais e patrimoniais enfrentados pelo consumidor, mas também estabelece um precedente educativo e preventivo, promovendo um ambiente de consumo mais eficiente, justo e alinhado aos princípios da boa-fé e da responsabilidade social das empresas.

 

Autores

  • é procurador do estado do Espírito Santo, mestre em Direitos Difusos e Coletivos pela PUC-SP, diretor do Brasilcon, membro do GT de acompanhamento da Lei do Superendividamento no CNJ, autor dos livros Código de Defesa do Consumidor Comentado (2024) e Lei do Superendividamento Comentada e Anotada (2024), ambos pela Editora Juspodivm.

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