STF tem maioria para manter decisão que barrou honorários de êxito a escritório estrangeiro
5 de novembro de 2024, 18h56
Contratos de risco com a administração pública, como os de honorários de êxito, não têm previsão legal. Sendo assim, qualquer contratação pública deve estabelecer antecipadamente, de maneira clara e precisa, todos os direitos, obrigações e responsabilidades das partes.
Esse entendimento é do Supremo Tribunal Federal, que formou maioria nesta terça-feira (5/11) para manter a decisão do ministro Flávio Dino que proibiu que municípios atingidos pelos desastres ambientais de Mariana (MG) e Brumadinho (MG) paguem honorários de êxito em ações movidas no exterior.
O caso é analisado no Plenário Virtual desde o dia 25 de outubro e o julgamento termina às 23h59 desta terça. Os ministros decidem se referendam ou não a liminar que barrou o pagamento dos honorários.
A decisão de Dino atendeu a um pedido do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram) sobre ações apresentadas no exterior por municípios representados por escritórios estrangeiros, entre eles a banca britânica Pogust Goodhead.
Como mostrou a revista eletrônica Consultor Jurídico em junho, a banca representa cerca de 700 mil clientes brasileiros na Justiça do Reino Unido, entre pessoas físicas, organizações religiosas e pelo menos 46 municípios. Trata-se de um dos maiores litígios do Judiciário daquele país: envolve cerca de R$ 230 bilhões.
O escritório atua fora do Brasil em ação coletiva movida contra a anglo-australiana BHP e a brasileira Vale, controladoras da Samarco. Os pedidos são de indenizações por prejuízos causados pelo desastre de Mariana.
A tragédia ocorreu em 2015. A queda da barragem de minério de ferro da Samarco matou 19 pessoas e atingiu mais de 40 municípios da região, e alguns deles foram totalmente destruídos. O julgamento da ação coletiva está previsto para outubro.
Dino coloca freio
Até o momento, os ministros Luís Roberto Barroso, Gilmar Mendes, Dias Toffoli, Alexandre de Moraes e Luiz Fux votaram a favor de manter a decisão do relator.
Segundo Dino, o Tribunal de Contas da União já decidiu que a administração pública não pode firmar contratos de pagamento de honorários de êxito. Tais verbas só são cobradas pelos advogados contratados caso obtenham sucesso no processo. Em geral, a porcentagem é alta. Nos casos ambientais no exterior, os números giram em torno de 30% do valor da causa.
O ministro ressaltou que os processos de municípios brasileiros em tribunais estrangeiros geram consequências para parte do patrimônio público nacional e para a reparação de danos ocorridos em solo nacional.
Além de barrar o pagamento dos honorários de êxito, Dino determinou que os municípios com ações judiciais no exterior apresentem os contratos assinados com os escritórios de advocacia.
Especialistas consultados pela ConJur afirmaram que a decisão de Dino pode levar à rescisão dos contratos fechados com a Pogust Goodhead.
O ministro Edson Fachin votou contra o referendo da medida cautelar. Ele entendeu que não havia urgência na questão, pois não identificou provas de que os pagamentos aconteçam ou tenham acontecido recentemente.
Até o momento, Fachin foi acompanhado pelo ministro Kassio Nunes Marques.
Banca especialista
A atuação da banca Pogust Goodhead em ações sobre desastres ambientais no Brasil tem levantado suspeitas sobre possíveis violações ao Estatuto da Advocacia, como a captação de clientela com base em promessas de causa ganha, além de contratações irregulares de serviços jurídicos por parte de municípios.
A ação coletiva envolvendo a BHP corre em Londres desde 2018. O Ibram questiona no Supremo a participação de municípios no processo estrangeiro. Segundo a entidade, a Constituição define como competência exclusiva do Senado autorizar operações financeiras no exterior, o que inclui litígios internacionais.
A atuação da banca britânica é motivo de uma representação de cinco escritórios de advocacia brasileiros perante a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Assinaram o pedido Machado Meyer, Mattos Filho, BMA, Sérgio Bermudes e ALNPP.
Os escritórios alegam que o Pogust e seus parceiros obtiveram financiamento para aumentar os valores das causas. E também levantam suspeitas sobre a captação ativa de clientes.
O processo ético-disciplinar que corre na OAB está sob sigilo. Na reportagem publicada pela ConJur em junho, especialistas criticaram a atuação da banca.
“Esse escritório vive de levantar dinheiro de fundos de investimento, fazendo a aposta de ganhar muito dinheiro com as ações, que são movidas em várias jurisdições. Ele tem ações na Alemanha, Holanda e a aposta dele é: eu movo a ação e o réu, para não enfrentar o processo inteiro, faz o acordo”, disse na ocasião o advogado Werner Grau, sócio do Pinheiro Neto Advogados.
“O que o município recebe é verba pública. Como ele abre mão de 30% de receita pública em uma contratação em que não se fez licitação ter um serviço jurídico?”, questionou.
Encontrou um erro? Avise nossa equipe!