Opinião

Rede-Lab: uma década contribuindo para o combate à lavagem de dinheiro

Autores

  • é mestre em Direito Constitucional pela PUC-SP. Analista Judiciário do Supremo Tribunal Federal.

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  • é especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental de carreira graduado em Direito e Ciência Política master of law pela Universidade de Columbia (EUA) ciretor do Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional (DRCI) e instrutor do Programa Nacional de Difusão de Cooperação Jurídica Internacional (Grotius) Brasil.

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  • é agente de Polícia Federal especialista em Direito Público coordenador da Rede Nacional de Laboratórios de Tecnologia contra Lavagem de Dinheiro (Rede-Lab) professor da Academia Nacional de Polícia (ANP) e instrutor do Programa Nacional de Capacitação e Treinamento para o Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro (PNLD).

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5 de novembro de 2024, 7h02

Entre os dias 18 e 20 de setembro de 2024, a Rede Nacional de Laboratórios de Tecnologia Contra Lavagem de Dinheiro (Rede-Lab) comemorou dez anos de existência no Encontro Nacional de Gestores da Rede-Lab na sede do Ministério Público de Minas Gerais. O encontro de trabalho tratou de melhores práticas em produção de relatórios, informações e metodologias de trabalho, fomentou a troca de experiências e metodologias de análises de grandes volumes de dados, padronização de conceitos, procedimentos e relatórios de análises e debateu temas atuais, como a lavagem de dinheiro por meio de sorteios e rifas em plataformas digitais.

Além dos integrantes da Rede-Lab, entre outras autoridades, participaram do encontro o procurador-geral de Justiça adjunto do Ministério Público de Minas Gerais, Carlos André Bittencourt, o diretor de Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional, Rodrigo Sagastume, o presidente do Conselho de Controle de Atividades Financeiras, Ricardo Liáo, a delegada-geral da Polícia Civil de Minas Gerais, Letícia Reis, representando também o Conselho Nacional de Chefes de Polícia Civil, o promotor de Justiça, Danilo Pugliesi, representando o Conselho Nacional do Ministério Público, a secretária adjunta da Secretaria de Prêmios e Apostas do Ministério da Fazenda, Carolina Yumi, e representantes do Banco Central, Abipag, Abracam, Febraban e Zetta, o que reforça a importância da Rede-Lab no cenário nacional de luta contra a lavagem de dinheiro.

Os debates promovidos no encontro reforçaram o entendimento de que a crescente atuação das organizações criminosas, aliada ao uso de novas tecnologias e técnicas sofisticadas para a prática de lavagem de dinheiro, demanda por parte do Estado o uso de ferramentas tecnologias atualizadas e novas estratégias para o enfrentamento desse crime.

Nesse cenário, a Rede-Lab se destaca como resposta do Estado, promovendo a articulação, a integração e a cooperação de diversos órgãos estaduais e federais e, por meio de seus integrantes, os Laboratório de Tecnologia Contra Lavagem de Dinheiro (Lab-LD), incentivando e fortalecendo o tratamento tecnológico de grandes volumes de informações para o combate à lavagem de dinheiro e aos ilícitos relacionados.

Histórico da Rede-Lab

Os avanços tecnológicos e as facilidades modernas proporcionadas à circulação de pessoas, de bens e de capitais passaram a favorecer também as práticas de lavagem de dinheiro. Organizações criminosas, por exemplo, passaram a contar com pessoas de perfis e expertises diversificados, tecnologias avançadas e técnicas engenhosas para estruturar operações ágeis e complexas de lavagem de dinheiro, criando camadas robustas de ocultação e dissimulação desses ativos e tornando a elucidação desses esquemas um desafio constante para as autoridades competentes.

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Dinheiro, dívidas

Atentos a isso, órgãos participantes da Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro (Enccla), sob coordenação do Ministério da Justiça, propuseram para a Meta 16 da Enccla de 2006 “implantar laboratório-modelo de soluções de análise tecnológica de grandes volumes de informações para difusão de estudos sobre melhores práticas em hardware, software e adequação de perfis profissionais”.

Em 2007 foi implantado o primeiro Laboratório de Tecnologia Contra Lavagem de Dinheiro (Lab-LD), unidade especializada no tratamento tecnológico de grandes volumes de informações para o combate à lavagem de dinheiro e aos ilícitos relacionados, unidade composta por profissionais com capacitação e expertise nessa temática. O projeto foi exitoso e o Ministério iniciou em 2008 a replicação de unidades Lab-LD para outros órgãos, o que naturalmente fez surgir a necessidade de integrar e articular institucionalmente essas unidades.

Dessa necessidade nasceu a Rede-Lab — constituída pela Portaria SNJ nº 242, de 29 de setembro de 2014 e reestruturada pela Portaria MJSP nº 145, de 15 de agosto de 2022 — programa de Articulação Institucional do Ministério da Justiça e Segurança Pública que busca estabelecer um ambiente de cooperação e de compartilhamento de tecnologias, metodologias, técnicas para de análise dados e informações, bem como promover a multiplicação do conhecimento, da pesquisa, do treinamento e do desenvolvimento de equipe técnica entre seus integrantes: os Lab-LD.

A Rede-Lab integra a estrutura do Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional (DRCI) da Secretaria Nacional de Justiça (Senajus) do Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), órgão que possui entre as suas competências administrativas a atribuição de articular, integrar e propor ações entre os órgãos dos Poderes Executivo e Judiciário e o Ministério Público para o enfrentamento da corrupção, da lavagem de dinheiro e do crime organizado transnacional.

 Desenvolvimento e atuação

Ao longo da primeira década de existência, a Rede-Lab passou por uma significativa evolução em termos de composição e de escopo de atuação. Um dos marcos dessa trajetória foi a ampliação de seu alcance, com a instalação e integração de unidades Lab-LD ou congêneres em 64 órgãos públicos, entre eles, as Polícias Civis e os Ministérios Públicos das 27 unidades federativas, a Polícia Federal, o Ministério Público Federal, a Receita Federal e o Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), de maneira que existem pelo menos dois Lab-LD em cada estado.

A evolução tecnológica também foi um fator crucial. Ferramentas específicas para análises financeiras e patrimoniais a partir de grandes volumes de dados foram desenvolvidas e aprimoradas pelos Lab-LD e compartilhadas com os integrantes da rede. Essas ferramentas são especialmente úteis em apurações que envolvem casos complexos de lavagem de dinheiro, auxiliando na identificação dos possíveis financiadores e os beneficiários finais da atividade criminosa, no rastreio e identificação dos ativos lavados e na recuperação desses ativos em favor das vítimas, na maioria das vezes, o próprio Estado.

A capacitação das equipes também foi um dos pilares do desenvolvimento da Rede-Lab. A contínua formação de profissionais garantiu que as equipes estivessem preparadas para enfrentar os novos desafios trazidos pela evolução das tipologias de lavagem de dinheiro. Nesses dez anos, a Rede-Lab em parceria com outros órgãos e programas executou e colaborou com o treinamento e a capacitação de mais de três mil servidores públicos que atuam na prevenção e no combate à lavagem de dinheiro.

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Em resumo, a Rede-Lab atua contribuindo significativamente para a capacidade do Brasil de responder aos desafios relacionados ao enfrentamento da lavagem de dinheiro, permitindo uma integração eficaz entre diferentes órgãos que atuam nessa temática. Exemplo disso consta no Relatório de Avaliação Mútua de 2023, elaborado pelo Grupo de Ação Financeira Internacional (Gafi), ao recomendar no Resultado Imediato 6, que trata do uso da inteligência financeira e outras informações, que o Brasil deve continuar a promover o compartilhamento e a troca de boas práticas e ferramentas entre os Lab-LD.

Considerações finais

A lavagem de dinheiro é crime com efeitos devastadores que demoram a ser percebidos devido à sua própria natureza — atribuir aparência lícita a ativos de origem ilícita —  e à maneira como ela se manifesta ao longo do tempo, com efeitos sociais indiretos, a exemplo de corromper economias, financiar atividades ilícitas e enfraquecer instituições públicas e privadas. O combate eficaz a essa prática requer não apenas esforços de investigação tradicional, mas também o uso de tecnologias especializadas e estreita colaboração institucional entre órgãos e entidades que atuam na prevenção, detecção, investigação e repressão à lavagem de dinheiro.

Nesse sentido, embora a criação da Rede-Lab seja um marco na luta contra a lavagem de dinheiro e tenha alcançado avanços significativos na sua primeira década, os desafios são contínuos. A criminalidade organizada evolui rapidamente, incorporando novos arranjos e técnicas de lavagem de dinheiro, como o uso de ativos digitais e o aumento de transações transfronteiriças, que criam camadas de complexidade para as investigações. O futuro da Rede-Lab reside em fortalecer e ampliar a sua capacidade de promover a articulação, a integração, a capacitação, o compartilhamento de tecnologias e a cooperação entre os seus integrantes.

 


Referências

BRASIL. Lei Nº 9.613, de 03 de março de 1998. Disponível em: </ http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9613.htm/> Acesso em: 05 de outubro de 2024.

BRASIL. Portaria SNJ nº 242, de 29 de setembro de 2014. Disponível em: </ https://dspace.mj.gov.br/bitstream/1/1456/4/PRT_SNJ_2014_242.pdf/> Acesso em: 05 de outubro de 2024.

BRASIL. Portaria MJSP Nº 145, de 15 de agosto de 2022. Disponível em: </ https://dspace.mj.gov.br/bitstream/1/7410/2/PRT_GM_2022_145.html/> Acesso em: 05 de outubro de 2024.

ENCCLA. Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro – Meta 16 de 2006. Disponível em: </ https://enccla.camara.gov.br/acoes/metas-de-2006/> Acesso em: 07 de outubro de 2024.

GAFI. Medidas de combate à lavagem de dinheiro e ao financiamento do terrorismo – Brasil, Relatório de Avaliação Mútua. Paris: GAFI, 2023. Disponível em: </ https://www.fatf-gafi.org/content/dam/fatf-gafi/fsrb-mer/Brasil-RELAT%C3%93RIO-DE-AVALIA%C3%87%C3%83O-M%C3%9ATUA-2023.pdf.coredownload.inline.pdf/> Acesso em: 07 de outubro de 2024.

MINISTÉRIO DA JUSTIÇA E SEGURANÇA PÚBLICA. Rede Nacional de Laboratórios de Tecnologia contra Lavagem de dinheiro – Rede-Lab. Disponível em: </ https://www.gov.br/mj/pt-br/assuntos/sua-protecao/lavagem-de-dinheiro/lab-ld/> Acesso em: 07 de outubro de 2024.

 

Autores

  • é formado em Direito pela Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT), mestre em Direito do Estado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), secretário nacional de Justiça do Ministério da Justiça e Segurança Pública e Conselheiro de Administração do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Exerceu os cargos de consultor jurídico do Ministério da Saúde, secretário de Assuntos Parlamentares da Secretaria de Relações Institucionais (SRI) da Presidência da República e chefe da Assessoria Especial do Ministro da SRI da Presidência da República.

  • é especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental de carreira, graduado em Direito e Ciência Política, master of law pela Universidade de Columbia (EUA), ciretor do Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional (DRCI) e instrutor do Programa Nacional de Difusão de Cooperação Jurídica Internacional (Grotius) Brasil.

  • é Polícia Federal, graduado em Ciência Contábil e Direito, especialista em Direito Público, coordenador da Rede Nacional de Laboratórios de Tecnologia contra Lavagem de Dinheiro (Rede-Lab), professor da Academia Nacional de Polícia (ANP) e instrutor do Programa Nacional de Capacitação e Treinamento para o Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro (PNLD).

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