Opinião

O fato não conhecido ou não provado na revisão do lançamento tributário

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5 de novembro de 2024, 11h23

Nos dois primeiros textos da série já publicados (A revisão do lançamento tributário: o que é e o que não é e A (ir)relevância do ‘erro de fato’ e ‘erro de direito’ para a revisão do lançamento tributário”), foram abordados a definição do conceito de revisão do lançamento tributário e a irrelevância do “erro de fato” e do “erro de direito” para o instituto em questão.

Neste último escrito da sequência, será objeto de exame o inciso VIII, do artigo 149, do referido do Código Tributário Nacional (CTN), o qual, embora equivocadamente seja apontado como suporte normativo para correção do “erro de fato”, na realidade, autoriza a revisão do lançamento tributário “quando deva ser apreciado fato não conhecido ou não provado por ocasião do lançamento anterior”.

No Direito, para se construir o adequado sentido da norma jurídica, a interpretação, logicamente, deve partir do texto, analisando-se os termos e a forma foram usados. Como diz Tercio Sampaio Ferraz [1], “a primeira presunção hermenêutica está em que o intérprete deve ater-se ao vocábulo utilizado como ponto de partida”.

Nesse contexto, decompondo o conteúdo normativo do inciso VIII, do artigo 149, do CTN, note-se que o enunciado não faz referência apenas ao fato não conhecido ou não provado no lançamento anterior. Antes disso, ele exige que esse fato, para ser capaz de permitir uma revisão de lançamento, “deva ser apreciado”.

Dessa forma, não é o surgimento de qualquer acontecimento ou a descoberta de qualquer situação que viabiliza a revisão. É necessário, antes de tudo, ter relevância tributária em relação ao lançamento, interferindo na identificação, qualificação ou quantificação dos elementos do fato jurídico tributário e/ou da relação tributária. É, portanto, uma situação que, se conhecida ou oportunamente provada, teria modificado o lançamento original [2].

Já a expressão “fato não conhecido ou não provado por ocasião do lançamento anterior” contemplada no inciso VIII, do artigo 149, do CTN, corresponde à descoberta de uma situação que era ignorada pela administração tributária, seja porque ainda não tinha acontecido, seja porque não se poderia ter conhecimento dela.

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Trata-se de elemento que anteriormente não poderia ter sido apreendido pela autoridade fiscal, pois estava à margem da sua esfera perceptiva [3]. São situações ignoradas e desconhecidas ao tempo da realização do lançamento, e não simplesmente aspectos que não foram levados em consideração pela autoridade fiscal [4]. Exige-se, portanto, a impossibilidade de a administração tributária ter conhecimento dos eventos no momento da expedição da notificação do lançamento originário [5].

Hipótese de negligência administrativa

A condição de “novo” do fato não se pode determinar com base apenas na circunstância de que era desconhecido, devendo ser avaliada também a culpa da administração ao não ter procurado informação sobre os fatos quando tinha o dever de ter feito [6]. Nessa perspectiva, não devem ser considerados elementos novos aqueles que não foram levados em consideração por desídia ou descuido da administração tributária, seja porque já tinha conhecimento deles, seja porque poderia ter [7].

As inconsistências contidas no lançamento relativas a acontecimentos já conhecidos não autorizam a correção do ato administrativo. Quando fica evidenciado que, no lançamento anterior, houve acessibilidade cognitiva da administração aos fatos [8], não há espaço para revisão.

Dessa forma, não é hipótese revisional a nova apreciação do material probatório já disponível no momento do lançamento, ainda que um exame mais aprofundado posteriormente pudesse encontrar elementos que não foram considerados ou mesmo que foram considerados de forma incorreta ou insuficiente [9].

Nesse contexto, não pode a administração tributária, com o propósito de ajustar lançamento já feito, realizar novas verificações para tentar identificar elementos não explorados anteriormente ou para melhor examinar o acervo documental do sujeito passivo em face do qual o tributo já foi lançado [10].

Logo, nesse panorama, para realização da revisão do lançamento, deve inexistir negligência administrativa, de maneira que não é possível se corrigir lançamento com base em dados que poderiam ter sido conhecidos na época se o Fisco tivesse atuado com diligência [11].

Quando o Fisco se encontra abastecido de dados contábeis e fiscais, por meio das inúmeras declarações exigidas —Escrituração Contábil Fiscal (ECF), Escrituração Fiscal Digital (EFD), Escrituração Contábil Digital (ECD) etc. —, ou ainda quando, em procedimento fiscalizatório, lhe são entregues documentação, em razão de solicitação fiscal ou não, as informações conhecidas ou que pudessem ser descobertas por meio desse acervo documental não podem ensejar a revisão do lançamento [12].

Entendimento do STJ e precedente do Carf

O Superior Tribunal de Justiça, ao apreciar o Recurso Especial nº 1.130.545, submetido à sistemática do recurso repetitivo, firmou entendimento de que a revisão de lançamento com base no artigo 149, inciso VIII, do CTN, “reclama o desconhecimento de sua existência ou a impossibilidade de sua comprovação à época da constituição do crédito tributário” [13].

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Nesse contexto, há um precedente interessante do Carf que merece ser mencionado. No Acórdão nº 1302-005.293 [14], houve a desconstituição do lançamento que foi indevidamente revisado, mesmo tendo havido, ao final, uma redução do valor cobrado. Nesse caso, a autoridade fiscal, para corrigir o lançamento, sustentou que tomou conhecimento de informação apenas a partir da manifestação do contribuinte no processo, de maneira que o ato revisional estaria enquadrado no artigo 149, inciso VIII, do CTN. No entanto, foi dado provimento ao Recurso Voluntário do sujeito passivo, por ter se constatado que os elementos que teriam motivado a revisão constariam nos sistemas internos da Receita Federal do Brasil. O acórdão estabeleceu que “os fatos apurados eram de conhecimento da RFB, pois já constavam nos seus sistemas internos, de modo que a revisão do lançamento, ainda que tenha reduzido parte da autuação, foi ilegal e não merece subsistir”.

Na ordem tributária brasileira, podem ser considerados “fato não conhecido ou que não foi possível comprovar por ocasião do lançamento anterior” os documentos ocultados pelos sujeitos passivos ou por outras pessoas em seu nome; documentos descobertos, posteriormente, no curso de fiscalizações envolvendo outros contribuintes; documentos recebidos, após a lavratura do lançamento, de outras instituições públicas ou privadas (juntas comerciais, cartórios, instituições bancárias, unidades policiais, unidades jurisdicionais etc.); denúncias formuladas no âmbito da própria administração tributária depois da constituição do crédito.

Alcance da revisão

Por fim, em relação à extensão da revisão do lançamento, é importante registrar que ela pode modificar elementos do fato jurídico tributário e da relação tributária, inclusive, critérios jurídicos, desde que a mudança esteja vinculada ao acontecimento superveniente ou à descoberta de provas sobre situações desconhecidos.

Dessa forma, o alcance da revisão depende da medida que os elementos desconhecidos interferiram na correta produção do lançamento. Ou seja, se os desajustes constatados no lançamento não tiverem relação com o fato descoberto, não há que se cogitar ato revisional.

 


[1] FERRAZ JÚNIOR, Tercio Sampaio. Argumentação jurídica. Barueri: Manole, 2014, p. 58.

[2] Cf. TABOADA, Carlos Palao. La revisión de oficio de los actos administrativo-tributarios. In: Revista de Direito Tributário, São Paulo: RT, n° 06, 1978, p. 17. Cf. BORGES, José Souto Maior. Lançamento tributário. 2ª Ed. São Paulo: Malheiros, 1999, p.353.

[3] Cf. MARSILLA, Santiago Ibáñez. La actividad de comprobación y el efecto preclusivo de las liquidaciones tributarias. Crónica tributaria, n. 129, p. 71-112, 2008, p. 87.

[4] Cf. CROXATO, Giancarlo. Conizioni che legittimano l´accertamento per sopravvenuti elementi nuovi, Diritto e Pratica Tributaria, 1962, II, págs. 385-401.

Cf. TREMONTI, Giulio. Contributo allo studio dell´atto di accertamento integrativo o modificativo, Rivista di Diritto Finanziario e Scienza delle Finanze, 1971, I, p. 278/307.

[5] MICCINESI, M. La sopravvenuta conoscenza di nuovi elementi, presupposto per gli accertamenti integrativi e modificativi. Rass. Trib, 1985. No mesmo sentido: PISTOLESI, Francesco. Brevi osservazioni in merito alla sopravvenuta conoscenza di nuovi elementi, quale condizione di legittimità degli accertamenti integrativi e modificativi in materia di imposte dirette. In: Riv.dir. trib., II, Giuffré, 1991, p. 779/791.

[6] TABOADA, Carlos Palao. La revisión de oficio de los actos administrativo-tributarios. In: Revista de Direito Tributário, São Paulo: RT, n° 06, 1978, p. 17

[7] BERLIRI, Antonio. Principi di diritto tributario, 2º Volume, Mião: Giuffrè, 1967, p. 288.

[8] TORRES, Heleno Taveira. Direito constitucional tributário e segurança jurídica: metódica da segurança jurídica do sistema constitucional tributário. São Paulo: RT, 2011, p. 233.

[9] FALSITTA, Gaspare. Manuale di Diritto Tributario. Parte Generale, 2ª ed., CEDAM, 1997, p. 455/456.

[10] LUPI, Raffaello. Lezioni di Diritto Tributario, Parte Generale, Giuffrè, 1992, 225.

[11] EHMCKE, Torsten; FABO, Diego Marín-Barnuevo. La revisión e impugnación de los actos tributarios en Derecho alemán. Crónica tributaria, n. 108, 2003, p. 9-22.

[12] Cf. FALSITTA, Gaspare. Manuale di Diritto Tributario. Parte Generale, 2ª ed., CEDAM, 1997, p. 456.

[13] Superior Tribunal de Justiça, Recurso Especial nº 1130545/RJ, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Seção, julgado em 09/08/2010, DJe 22/02/2011.

[14] Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, Acórdão nº 1302-005.293, Número do Processo: 16327.002587/2003-08, Data de Publicação: 08/04/2021, Relator(a): Luiz Tadeu Matosinho Machado.

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