Fundação Renova usa documento exigido em acordo para negar auxílio emergencial
28 de março de 2024, 14h31
O termo de quitação exigido das vítimas do rompimento de barragem de rejeitos de minério em Mariana (MG) para adesão ao sistema de indenização está sendo usado pela Fundação Renova para negar a elas o pagamento de auxílio emergencial.
A situação foi denunciada à Justiça Federal de Minas Gerais pelo Ministério Público e a Defensoria Pública do estado. Por conta da conduta, a instituição foi multada em R$ 250 mil, em decisão da 4ª Vara Federal Cível e Agrária de Belo Horizonte (MG).
O auxílio financeiro emergencial (AFE) e o sistema indenizatório online chamado “Novel” fazem parte das medidas impostas às mineradoras causadoras do desastre ambiental de 2015. Ambos são postos em prática pela Fundação Renova, criada pelas mineradoras para reparar os danos.
O AFE tem caráter assistencial, temporário e indisponível. Ele deve ser pago às pessoas que tiveram sua renda, atividade financeira ou produtiva comprometidas por conta do rompimento da barragem, até que estas possam ser retomadas.
Já o “Novel” é um sistema simplificado criado para facilitar a indenização de grupos de atingidos. As vítimas acessam uma plataforma virtual e apresentam a documentação, que é avaliada pela Fundação Renova.
Para aderir ao sistema, é preciso assinar um termo de quitação, que abrange todas as pretensões financeiras decorrentes do rompimento da barragem, com exceção de eventuais danos futuros.
Para a Fundação Renova, essa quitação vale também para o direito ao auxílio financeiro emergencial. Ao aderir ao “Novel”, a pessoa necessariamente renuncia a todo e qualquer pleito financeiro junto à instituição.
Assim fica fácil
Para o juiz federal substituto Vinicius Cobucci, da 4ª Vara Federal Cível e Agrária de Belo Horizonte (MG), a posição da Fundação Renova é censurável e reprovável, por deliberadamente prejudicar o direito das pessoas atingidas.
Em sua análise, a instituição tem feito ações de reparação de danos incompletas à espera da adesão das vítimas ao “Novel”, o que as obrigaria a conferir quitação integral total e irrestrita, livrando a empresa de arcar com custos como o do auxílio financeiro emergencial.
“Admitir a quitação irrestrita com efeitos futuros, especialmente em relação ao AFE, implica violação ao princípio da reparação integral. Se a quitação foi dada, por que reparar?”, explicou o magistrado, na decisão.
Para o juiz, o pagamento do auxílio se relaciona com a reparação que permite aos atingidos retomar sua atividade produtiva e obter renda. Quanto mais rápidas forem as ações da Fundação Renova, mais rápida será a cessação do auxílio.
“As atividades econômicas do atingido são continuadas e se desenvolvem ao longo do tempo. Desta forma, o AFE deverá ser pago, enquanto não forem retomadas as condições para o exercício das atividades econômicas e produtivas pré-rompimento”, disse.
Má-fé preocupante
A situação se torna mais grave porque a Fundação Renova já foi obrigada a restabelecer o pagamento do auxílio financeiro emergencial a pessoas que tiveram o benefício suspenso após aderir ao “Novel”.
A obrigação foi imposta pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região. Ainda assim, para casos posteriores, a instituição passou a recusar o ingresso de novos beneficiários do auxílio quando eles já tinham aderido ao sistema.
“Se a Fundação Renova interrompeu o pagamento do AFE em razão do ingresso do ‘Novel’, e foi obrigada a retomá-lo por decisão judicial, é evidente que não pode negar pagá-lo a quem foi beneficiado anteriormente por indenização no âmbito do ‘Novel’”, afirmou o juiz.
“A adoção deste comportamento processual predatório e temerário causa preocupação, pois não é possível identificar se o jurídico da fundação defende tal posição e repassa ao administrativo e às instâncias de deliberação superiores ou se o administrativo exige que o jurídico defenda tal posicionamento reprovável, que viola a dignidade da pessoa humana das vítimas do rompimento, no âmbito judicial”, continuou.
Obrigações
Por identificar que a Fundação Renova vem atuando deliberadamente em sentido contrário à sua finalidade de reparação, o magistrado aplicou multa de R$ 250 mil por litigância de má-fé.
A decisão ainda determina que a entidade se abstenha de negar o direito ao AFE sob o fundamento de já houve o pagamento de indenização e a assinatura do termo de quitação exigido aos atingidos que aderiram ao “Novel”. Também obriga a Fundação Renova a lista todas as pessoas atingidas que tiveram negada sua elegibilidade ao AFE por esse fundamento ora rejeitado.
Além disso, a decisão ainda proíbe a fundação de efetuar qualquer suspensão unilateral do AFE, a qual dependerá de autorização do Comitê Interfederativo (CIF) da respectiva localidade ou de autorização judicial.
A partir de agora, todo requerimento ao AFE deverá ser avaliado o de forma individualizada e desvinculada de qualquer análise em relação à indenização pretérita já paga pela Fundação Renova.
Clique aqui para ler a decisão
Processo 1000415-46.2020.4.01.3800
Encontrou um erro? Avise nossa equipe!