Batem à Porta

STJ invalida provas obtidas em invasão de domicílio baseada apenas em denúncia anônima

 

26 de março de 2024, 20h36

Embora o estado de flagrância dos crimes permanentes se prolongue no tempo, isso não é suficiente para justificar uma busca domiciliar sem mandado judicial. É necessária a demonstração de indícios mínimos e seguros de que há uma situação de flagrante dentro da residência naquele momento. Do contrário, as provas obtidas são inválidas. A mera denúncia anônima, sem outros elementos indicativos de crime, não autoriza o ingresso de policiais no domicílio.

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PMs não registraram consentimento da companheira do réu para entrada na casa

Com esse entendimento, a 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça anulou provas obtidas em uma entrada em domicílio sem mandado e restabeleceu uma decisão que rejeitou uma denúncia de tráfico de drogas por falta de justa causa.

Os policiais militares contaram que receberam uma notícia de crime via disque denúncia e foram até o endereço do réu. Lá, segundo eles, uma mulher se apresentou como companheira do acusado e autorizou a entrada dos agentes no local.

De acordo com os PMs, a mulher informou que seu companheiro era biólogo e possuía uma pequena plantação de maconha no quintal de casa. Os agentes apreenderam 58 plantas de cannabis e o homem foi denunciado por tráfico.

A 3ª Vara Criminal de Ananindeua (PA) rejeitou a denúncia. O Ministério Público recorreu e o Tribunal de Justiça do Pará restabeleceu o trâmite regular do processo.

Em seguida, a defesa do réu indicou que não houve consentimento livre e espontâneo de sua companheira. Também argumentou que a denúncia anônima foi a única justificativa usada para o ingresso.

Sem fundadas razões

O desembargador Jesuíno Rissato, convocado ao STJ e relator do caso, confirmou que não foram feitas “diligências ou investigações prévias” e que não havia “fundadas razões para a realização de busca domiciliar sem mandado judicial”.

Segundo ele, o fato de que os PMs encontraram a droga após o ingresso não valida a entrada irregular no imóvel: “Se não havia fundada suspeita de que no imóvel havia droga ou objetos ou papéis que constituíssem corpo de delito, não há como se admitir que a mera descoberta casual de situação de flagrância, posterior à invasão de domicílio, justifique a medida”.

Rissato também verificou a falta de comprovação de que a companheira do réu tenha autorizado o ingresso no domicílio. Ela própria nega a informação.

Conforme a jurisprudência do STJ, é dever do Estado provar o consentimento do acusado para a entrada dos policiais no domicílio. Uma suposta permissão “em clima de estresse policial” não pode ser considerada espontânea. O correto seria registrar o consentimento por escrito e com testemunha, ou documentá-lo em vídeo.

A defesa do acusado foi feita pelos advogados Adrian Silva e André Pereira, do escritório Silva & Pereira Advogados Associados. Para Silva, a decisão “ratifica a importância de que os órgãos de persecução penal respeitem a jurisprudência pacífica da corte superior, voltada para a concretização de direitos e garantias fundamentais, mas, acima de tudo, que as práticas das agências policiais se encontrem em conformidade com os critérios legais, constitucionais e jurisprudenciais caracterizadores da legitimidade de prisões em flagrante e de buscas domiciliares”.

Jurisprudência vasta

A jurisprudência do STJ é, de fato, vasta. Só em 2023, o tribunal anulou provas decorrentes de entrada ilícita em domicílio em pelo menos 959 processos, conforme mostrou a revista eletrônica Consultor Jurídico.

A corte entendeu como ilícita a entrada nas hipóteses em que a abordagem é motivada por denúncia anônima, pela fama de traficante do suspeito, por tráfico praticado na calçada, por atitude suspeita e nervosismocão farejadorperseguição a carro ou apreensão de grande quantidade de drogas.

Também anulou as provas quando a busca domiciliar se deu após informação dada por vizinhos e depois de o suspeito fugir da própria casa ou fugir de ronda policial. Em outro caso, entendeu ilícita a apreensão feita após autorização dos avós do suspeito para ingresso dos policiais na residência.

O STJ também definiu que o ingresso de policiais na casa para cumprir mandado de prisão não autoriza busca por drogas. Da mesma forma, a suspeita de que uma pessoa poderia ter cometido o crime de homicídio em data anterior não serve de fundada razão para que a polícia invada o domicílio de alguém.

Por outro lado, a entrada é lícita quando há autorização do morador ou em situações já julgadas, como quando ninguém mora no local, se há denúncia de disparo de arma de fogo na residência ou flagrante de posse de arma na frente da casa, se é feita para encontrar arma usada em outro crime — ainda que por fim não a encontre — ou se o policial, de fora da casa, sente cheiro de maconha, por exemplo.

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REsp 2.113.202

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