Aspectos tributários das operações de fundos de endowment
18 de março de 2024, 20h55
A promulgação da Lei nº 13.800/2019, ao regulamentar os fundos de endowment, possibilitou às entidades sem fins lucrativos uma importante ferramenta para angariar e gerir os recursos que lhes são destinados, proporcionando, assim, sustentabilidade financeira de longo prazo e perenidade da instituição.
Não obstante o indiscutível aprimoramento que o endowment trouxe para o setor social, há, ainda, um considerável entrave para a sua disseminação no país: a ausência de disciplina tributária condizente com a natureza do instituto. Neste contexto, surge a importante tarefa de analisar, de maneira sintética, as implicações tributárias associadas à constituição e operação do endowment.
O endowment é um fundo patrimonial destinado à reserva de patrimônio para amparar atividades de interesse público. Seu propósito primordial é assegurar a estabilidade financeira da instituição responsável por sua administração, preservando o valor doado a longo prazo, sendo os rendimentos utilizados em prol de suas metas institucionais e de entidades sem fins lucrativos, denominadas em lei como “instituições apoiadas”.
Deve ser criado e administrado por entidades sem fins lucrativos, na forma de fundação ou associação privada, denominadas como organização gestora do fundo patrimonial (OGFP), que tem o objetivo exclusivo de atuar na captação e gestão das doações e do patrimônio constituído em prol de alguma instituição apoiada.
Percebe-se, assim, que a legislação do endowment prescreve responsabilidades distintas para a OGFP e para a instituição apoiada, o que nos permite inferir que há, legalmente, uma distinção entre essas entidades, já que são independentes e com funções distintas, embora compartilhem um mesmo objetivo final: o de promover ações benemerentes.
Tributação
Sob o prisma dos aspectos tributários, é relevante destacar que, embora houvesse uma intenção inicial por parte do legislador de estender os benefícios fiscais da imunidade e da isenção tributária das entidades sem fins lucrativos à OGFP, essa medida foi vetada pelo presidente da República, com base no potencial impacto na renúncia fiscal.
Diante deste contexto, é perceptível que, embora o endowment possua um regime jurídico específico, as regras tributárias que lhe são aplicáveis seguem as normas gerais do direito tributário. Essa situação nos leva a questionar se a OGFP, enquanto administradora do endowment, também estaria acobertada pelas imunidades e isenções fiscais destinadas às entidades sem fins lucrativos.
Conforme visto, a Lei nº 13.800/2019 estipula que a criação do endowment tem como propósito apoiar instituições sem fins lucrativos, com o objetivo de captar, administrar e destinar doações para programas, projetos e outras iniciativas de interesse público, a ser gerenciado e administrado por uma OGFP, visando constituir uma fonte de recursos de longo prazo, preservando o capital e aplicando seus rendimentos.
No que tange à aplicação dos rendimentos do endowment pela respectiva OGFP, é relevante considerar que a imunidade e a isenção tributária sobre a renda outorgadas às entidades sem fins lucrativos não abrangem os rendimentos e ganhos de capital obtidos em aplicações financeiras de renda fixa ou variável, conforme prescrevem o §1°, artigo 12 e artigo 15, ambos da Lei nº 9.532/1997.
Portanto, os rendimentos provenientes de aplicações financeiras em rendas fixas ou variáveis pelo endowment, por meio da OGFP, não estão abrangidos pela imunidade e isenção tributárias e, consequentemente, estão sujeitos à tributação pelo IRPJ e CSLL.
Por outro lado, quando esses rendimentos são resgatados pela OGFP e destinados à instituição apoiada, não haveria incidência de tributação sobre esta operação, uma vez que a instituição apoiada está amparada pelas regras imunizantes e isentivas e sobre ela já não incide mais a exceção à regra da imunidade e da isenção tributária sobre os rendimentos provenientes de aplicações financeiras em rendas fixas ou variáveis previstas na Lei nº 9.532/1997.
Depreende-se, portanto, que a imunidade e a isenção tributárias conferidas à instituição apoiada não se estendem à OGFP, uma vez que são regras subjetivas e não devem ser ampliadas além do previsto na legislação tributária. Além disso, a própria operação em si, sendo exceção à regra, prevê a tributação dos rendimentos auferidos, os quais, por serem obtidos pelo endowment através da OGFP, estão sujeitos ao IRPJ e a CSLL.
Pis, Cofins e ITCMD
Ademais, importante mencionar que as instituições de caráter filantrópico, recreativo, cultural e as associações sem fins lucrativos e que prestem serviços para os quais houverem sido instituídas e os coloquem à disposição do grupo de pessoas a que se destinam estão sujeitas à contribuição para o PIS, a qual é determinada com base na folha de salários, à alíquota de 1%, nos termos do inciso IV do artigo 13 da MP nº 2.158/2001. Em relação a Cofins, o artigo 14, X desta mesma MP, prescreve uma isenção tributária às receitas relativas às atividades próprias, observado o já citado artigo 13.
Como mencionado, a OGFP deve ser uma instituição privada sem fins lucrativos, constituída na forma de fundação ou associação, e que atua, exclusivamente, na captação e gestão de doações ao endowment. Deste modo, e desde que a OGFP seja uma entidade sem fins lucrativos e que atue, exclusivamente, na captação e gestão de doações ao endowment, destinando essas verbas às instituições apoiadas sem uma finalidade lucrativa, as regras atinentes ao PIS e a isenção em relação à Cofins seriam aplicáveis também à OGFP, além das instituições apoiadas.
Essa conclusão decorre da legislação vigente e que já foi, inclusive, manifestada pela Receita Federal do Brasil por meio da Solução de Consulta Cosit 178/2021.
No âmbito da doação, em si, vale ressaltar que, não obstante a instituição apoiada seja beneficiada por imunidade e isenção tributárias, nos termos da Lei nº 10.705/2000, do estado de São Paulo, esse benefício não se estende à OGFP, pelos mesmos fundamentos mencionados acima, resultando na tributação das doações destinadas a este fundo. Assim, as doações para o endowment estão sujeitas ao ITCMD, à alíquota de 4%, por exemplo, no estado de São Paulo, caso ultrapassem o limite estabelecido de 2.500 Ufesps.
É importante observar que a ausência de jurisprudência específica sobre o tema em nível estadual destaca a complexidade do assunto. Em síntese, enquanto as doações ao endowment em benefício da instituição apoiada estão isentas de ITCMD, as destinadas exclusivamente ao fundo podem estar sujeitas a essa tributação, o que implica riscos fiscais caso a OGFP opte por não realizar o recolhimento.
Conclusão
Diante do exposto, é evidente que o endowment proporciona uma fonte estável de recursos para instituições sem fins lucrativos. No entanto, sua gestão e operação envolvem considerações tributárias cruciais que devem ser cuidadosamente ponderadas antes da adoção desse modelo.
Ademais, é imperativa a regulamentação tributária adequada para o endowment, estendendo as imunidades e isenções tributárias para a OGFP.
Caso contrário, pode ocorrer um esvaziamento na atratividade desse tipo de fundo, uma vez que doações diretas para entidades sem fins lucrativos poderiam ser percebidas como mais vantajosas.
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