Opinião

O Perse e a Lei 14.859/24: novas modificações no programa

Autor

  • Bruno A. François Guimarães

    é sócio do escritório Rossi Maffini Milman & Grando Advogados mestre em Direito Tributário pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) master in law (LLM) em Direito Corporativo pelo Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais (IBMEC) especialista em Gestão Tributária e Planejamento Tributário Estratégico pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS) e associado do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT) e do Instituto de Estudos Tributários (IET).

    View all posts

31 de maio de 2024, 13h22

Desde a sua concepção, o Programa Emergencial de Recuperação do Setor de Eventos (Perse) sofreu diversas tentativas de limitações pelo Executivo federal. Assim se deu desde o seu nascimento, bastando recordar que a Lei 14.148/2021, instituidora do Perse, foi vetada pelo governo Bolsonaro — somente surtindo efeitos graças à cassação do veto presidencial pelo Congresso Nacional. Da mesma forma, ainda no ano de 2022, deu-se a primeira grande restrição de atividades sujeitas ao programa, estabelecida pela Portaria ME 11.266/22, face ao que originariamente previa a Portaria ME 7.163/22.

Freepik

Conforme já tivemos oportunidade de expor anteriormente, o Perse pode ser pensado como um programa visando o passado, presente e futuro. Isso porque instituiu uma modalidade específica de transação de débitos constituídos no período da pandemia (passado), uma linha de crédito favorecido (presente) e o estabelecimento de alíquota zero, pelo prazo de 60 meses, para IRPJ, CSLL e PIS/Cofins (futuro).

Alegações governamentais

O setor de eventos foi um dos mais atingidos pelos efeitos da pandemia (senão o mais prejudicado de todos), sendo natural que um programa que vise a “compensá-lo” pelos prejuízos de tal período tenha grandes proporções. Contudo, justamente pelo seu caráter amplo, trata-se de matéria que é alvo de constantes ataques do governo federal, sempre que há um aperto nas contas públicas.

Assim o foi com a MP 1.135, com MP 1.147 e agora, mais recentemente, com a MP 1.202. Com efeito, nesta última oportunidade, o governo Lula tentou a extinção dos benefícios tributários ao setor de eventos previstos pelo programa. A justificativa adotada pelo governo seria o elevado montante dos valores envolvidos nas renúncias de receitas decorrentes do programa e no suposto montante de fraudes envolvendo o aproveitamento indevido dos seus benefícios tributários.

As alegações não convenceram, pois soaram desacompanhadas da realidade. Apenas para ilustrar um dos pontos altamente questionáveis das alegações governamentais, enquanto este sustentou um suposto impacto orçamentário de R$ 17 bilhões para o ano de 2023, a própria Receita Federal indicou uma estimativa de R$ 4,3 bilhões nas informações orçamentárias, não tendo havido transparência para se apurar a origem, metodologia e base dos cálculos apresentados pelo governo federal.

Spacca

Felizmente, graças a esforços de entidades representativas do setor, a intenção de revogar o programa não foi bem-sucedida, tendo o Legislativo, uma vez mais, rechaçado os esforços contrários ao programa. Percebe-se, portanto, que o Perse não é um programa de governo, mas sim um projeto de Estado gestado e protegido no Legislativo.

Meio-termo

Todavia, como contrapartida, foi apresentado o PL 1.026/24, o qual previa, como que numa postura de “meio-termo” conciliatória, alterar alguns pontos fundamentais do Perse. Severas restrições às atividades beneficiadas pelo programa e uma gradual extinção dos benefícios eram algumas das novidades constantes do projeto de lei.

Foi esse projeto de lei que foi aprovado pelo Congresso Nacional no dia 30 de abril e, agora, convertido na Lei 14.859/24. Todavia, felizmente, seu intento limitador foi bastante desidratado no Congresso, tratando-se de uma mitigação muito mais sensível do que originalmente se pretendia.

O primeiro ponto das inovações estabelecidas pela Lei 14.859/24 diz respeito à redução das atividades econômicas contempladas pelo Perse. Se antes eram 44 CNAE que poderiam se aproveitar dos benefícios fiscais — concedidos como forma de compensação pelos impactos da pandemia —, agora, serão 30 (o projeto original previa apenas 12 atividades a serem beneficiadas).

O segundo ponto diz respeito a um limitador quantitativo global dos benefícios do Perse. Enquanto originalmente o programa foi instituído pelo período de 60 meses de duração, incutindo no setor uma justa expectativa, a Lei 14.859/24 traz uma condicionante quantitativa, consistente no limitador de R$ 15 bilhões como valor máximo de renúncia de receitas governamentais decorrentes do Perse. Tal montante será acompanhado e publicizado pela Receita Federal, de forma a que todos possam ter a informação e auditá-la.

O terceiro ponto diz respeito ao alcance dos benefícios tributários do Perse, eis que para as empresas que estejam enquadradas no lucro real ou arbitrado, para os anos de 2025 e 2026, a alíquota zero estabelecida pelo programa vai restringida às contribuições PIS/Pasep e Cofins, não mais contemplado o IRPJ e a CSLL. Ainda, passa-se a exigir um cadastro a todos os beneficiários do programa, perante a Receita Federal.

Vê-se, portanto, que são três pontos de grande impacto, pois implicam em importantes limitações ao Perse, podendo gerar prejuízo e violação de expectativas.

O quarto ponto diz respeito a uma vitória para o setor, pois a questionável exigência de inscrição no Cadastur pelas empresas turísticas que quisessem se beneficiar do programa foi relativizada. Neste sentido, enquanto até então se exigia a inscrição no programa desde a data da sua instituição, agora o leque de empresas contempladas vai ampliado, contemplando também quem tenha feito a sua inscrição no período entre 18 de março de 2022 e 30 de maio de 2023.

O quinto ponto diz respeito à possibilidade de regularização não contenciosa dos contribuintes que saibam estar em situação de irregularidade quanto ao aproveitamento de benefícios do Perse. Neste sentido, facultou-se aos interessados a adesão ao programa de autorregularização previsto na Lei 14.740/23.

Programa persiste

É fato que independentemente do governo, o Perse se torna um alvo natural para se jogar pedras em busca de desacreditá-lo e obter mais receitas para os cofres públicos. Em busca de fechar o rombo das contas públicas, o Ministério da Fazenda contava com os tributos desse setor para melhorar suas receitas, mas uma vez mais esbarrou no Congresso Nacional.

Embora reduzido, o Perse persiste com seu importante papel de incentivo ao setor de eventos, consolidado por seguir vigente mesmo após mais uma tentativa direta de sua extinção. Espera-se que agora, definitivamente.


[1] https://www.conjur.com.br/2022-nov-11/bruno-guimaraes-inviabilidade-juridica-exigencia-cadastur/

Autores

  • é sócio do escritório Rossi, Maffini, Milman & Grando Advogados, mestre em Direito Tributário pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), master in law (LLM) em Direito Corporativo pelo Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais (IBMEC), especialista em Gestão Tributária e Planejamento Tributário Estratégico pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), graduado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) e graduando em Ciências Contábeis pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS). Associado do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT) e do Instituto de Estudos Tributários (IET).

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!