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Sob Alexandre, TSE construiu jurisprudência contra abusos eleitorais

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30 de maio de 2024, 16h36

O período de um ano e nove meses de Alexandre de Moraes na presidência do Tribunal Superior Eleitoral representou não apenas a sobrevivência da democracia brasileira após as conturbadas eleições de 2022, mas também de grandes definições normativas e jurisprudenciais.

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Alexandre de Moraes como Atlas brasileiroAlexandre de Moraes como Atlas brasileiro

Ele se despede do cargo nesta segunda-feira (3/6), quando dará posse à ministra Cármen Lúcia. Mas deixa sua marca de diversas maneiras. A revista eletrônica Consultor Jurídico listou os principais acontecimentos durante sua gestão.

Regras das eleições

O TSE promoveu importantes alterações procedimentais na organização das eleições diante do complicado contexto político e social em 2022. A corte esclareceu a restrição ao uso de celulares nas cabines de votação, o que afasta ameaça ao sigilo do voto e evita tentativas de filmagem do uso da urna eletrônica para fins de manipulação e contestação.

Depois, proibiu o porte e o transporte de armas e munição nas 48 horas anteriores à votação e nas 24 horas posteriores — medida que a deputada federal Carla Zambelli (PL-SP) descumpriu em 2022 e que a levou a se tornar ré em ação penal após denúncia feita pela Procuradoria-Geral da República.

O TSE editou resolução para avisar aos prefeitos e governadores que ofertar reduzir a oferta de transporte público no dia da eleição é conduta vedada que pode tipificar crime. O transporte, aliás, deve ser gratuito, conforme impôs o Supremo Tribunal Federal. Todas essas definições foram mantidas para as eleições de 2024.

O TSE deixou certo que partidos políticos deverão distribuir recursos financeiros públicos e tempo de rádio e televisão aos seus candidatos de origem indígena em patamares proporcionais ao número de candidaturas dessa minoria. Estudos ainda vão definir se isso já valerá para as eleições de 2024.

Outra definição importante foi quanto à implantação do juiz das garantias, criado pela Lei 13.964/2019. Ela será regionalizada, em núcleos organizados pelos Tribunais Regionais Eleitorais, já para as eleições municipais deste ano.

Mais recentemente, o TSE deu a si próprio o poder de instaurar, de ofício, inquérito administrativo para elucidar fatos que possam representar risco à normalidade eleitoral no país. A iniciativa parte do corregedor-geral de Justiça e deve passar, obrigatoriamente, pela presidência e por referendo do Plenário.

Mundo digital

Por meio de resolução, o tribunal avançou para limitar o uso da inteligência artificial nas campanhas, o que incluiu a proibição do deep fake — conteúdo que simula digitalmente a imagem ou a voz de outras pessoas.

Na mesma oportunidade, cumpriu um desejo antigo do presidente Alexandre de Moraes: impôs uma série de obrigações às empresas de tecnologia, para impedir ou diminuir a circulação as fake News eleitorais, com previsão responsabilização civil e administrativa — algo que o Congresso Nacional poderia ter feito, mas não fez a tempo.

O tribunal também vetou o uso dos links patrocinados que tenham como palavra-chave o nome de adversários políticos. Isso acontece quando alguém busca na internet o nome de um candidato, mas recebe como primeiros resultados conteúdo de outro.

Essa prática era aceita pelo próprio TSE, conforme dois precedentes resolvidos por maioria de votos. Curiosamente, o tribunal mudou a posição por meio de resolução aprovada. Só depois, fez a adequação jurisprudencial.

Essa mudança decorre, também, de descobertas feitas em uma das ações de abuso de poder na eleição presidencial de 2022. O tribunal requisitou e recebeu informações do Google que mostraram um cenário de desrespeito pelas campanhas.

Cota de gênero

Poucos temas eleitorais têm jurisprudência tão vasta e consolidada quanto esse, em grande parte solidificada sob a presidência do ministro Alexandre de Moraes, com direito a súmula aprovada. Ele próprio definiu o feito como um dos méritos de sua gestão.

O TSE definiu que candidaturas femininas sem votos ou atos de campanha sempre indicam fraude à cota de gênero e afastou o requisito da má-fé como exigência para reconhecer o ilícito. Aos partidos, cabe fiscalizar e manter suas candidatas viáveis até o final.

Por outro lado, o tribunal rejeitou a proposta de obrigatoriamente incluir nessas ações os dirigentes partidários — aqueles que, em teoria, seriam os arquitetos da fraude. Um voto do ministro Alexandre de Moraes mostrou que a emenda sairia pior que o soneto: a identificação dos dirigentes poderia levar a atrasos e à nulidade dessas ações. Mesmo assim, nada impede que sejam responsabilizados.

Recentemente, o TSE ainda resolveu uma situação curiosa. Em 2022, o tribunal respondeu a uma consulta feita por um partido para saber se o registro de apenas uma candidatura para cargos proporcionais ofenderia a cota de gênero exigida pela lei das eleições.

Não houve resposta porque entendeu-se que isso seria impossível — afinal, a lei exige no mínimo 30% e no máximo 70% de cada gênero nas listas. Meses depois, o impossível se concretizou no Rio Grande do Norte: o Unidade Popular registrou apenas uma candidatura para o cargo de deputado estadual. Uma mulher.

Para preservar a candidatura feminina, o TSE acabou relativizando a aplicação da lei. Para 2024, isso será realmente impossível. O tribunal aprovou resolução que impõe ao menos uma pessoa de cada gênero nas listas apresentadas pelas federações e pelos partidos políticos.

Propaganda eleitoral

Esse foi, provavelmente, o tema mais trabalhoso da gestão de Alexandre de Moraes. Ao menos em quantidade. Em maio de 2024, o tribunal continuava julgando representações referentes às eleições de outubro de 2022.

A posição mais importante fixada foi a que substituiu o critério das “palavras mágicas” para saber se houve propaganda eleitoral antecipada, medida que é vedada. Antes da mudança, exigia-se a presença de alguns termos que indicariam pedido expresso de voto, como “votem”, “apoiem” ou “elejam”.

A partir de 2022, essa análise passou a ser feita pelo “conjunto da obra”: se existem fatores suficientes para indicar que houve um pedido antecipado de voto, mesmo que implícito. A posição abriu a hipótese de deixar o julgamento mais subjetivo, como mostrou a ConJur.

No mesmo tema, o TSE definiu que o candidato que faz um pedido de voto no período vedado não pode reaproveitar esse material já durante a campanha, quando poderia livremente pedir votos.

Já para a ocorrência de fake news na propaganda eleitoral, o TSE definiu o conceito da desordem informacional: é possível determinar a derrubada de material que ofereça informações não necessariamente falsas, mas que são interpretadas e apresentadas para levar o público a uma falsa percepção da realidade.

Combate às fake news

As ações do TSE na gestão de Alexandre de Moraes para combater o fenômeno da desinformação não podem ser analisadas de maneira isolada. Elas estão presentes em diversos julgamentos, em resoluções aprovadas e em seus discursos.

Em alguns momentos, no entanto, essa missão foi exercida de maneira mais incisiva. O principal deles ocorreu em 2022, dez dias antes do segundo turno, quando aprovou resolução para conter a explosão do número de fake news na campanha presidencial.

O tribunal definiu que toda decisão de exclusão de conteúdo falso ou injurioso poderia ser estendida de ofício para “outra situações com equivalência de conteúdo”, sem a necessidade de uma nova representação judicial.

Ou seja: se já houve decisão para remoção de um determinado vídeo ou montagem, não seria mais preciso aguardar que o Ministério Público ou a parte prejudicada entrasse com outro processo para determinar a exclusão do mesmo post que tenha sido feito por outra pessoa.

A resolução foi contestada em ação da Procuradoria-Geral da República, com o argumento de que ela facilitava a censura, mas acabou validada pelo Supremo Tribunal Federal.

Para 2024, a lógica será a mesma, mas com mais transparência: O juiz eleitoral, em sua localidade de competência, poderá derrubar propaganda eleitoral com base no poder de polícia, mas estará necessariamente vinculado a um repositório de decisões colegiadas do TSE sobre esse tema.

A gestão de Alexandre de Moraes ainda inaugurou o Centro Integrado de Enfrentamento à Desinformação e Defesa da Democracia (CIEDDE) para atuar de forma coordenada no combate à desinformação e aos discursos de ódio.

Abuso de poder

Na gestão de Alexandre de Moraes e enquanto Benedito Gonçalves esteve na corregedoria-geral Eleitoral, o TSE julgou no mérito oito das 34 ações de investigação judicial eleitoral decorrentes da campanha presidencial de 2022 — outra 12 foram extintas prematuramente.

Nelas, definições muito importantes foram feitas. Entendeu-se, por exemplo, que o relator pode admitir a inclusão de novos documentos no processo, desde que se destinem a demonstrar desdobramentos dos fatos narrados, a gravidade da conduta ou a responsabilidade dos investigados.

Foi o caso da “minuta do golpe”, que entrou na ação em que o TSE declarou a inelegibilidade de Jair Bolsonaro, pelo abuso de poder político cometido na reunião com embaixadores estrangeiros, ocasião em que usou a estrutura governamental para atacar o sistema eleitoral.

Naquele processo, o tribunal mostrou que deve existir um limite mais claro entre a figura do presidente da República e do candidato à reeleição.

A outra condenação de Bolsonaro, dessa vez ao lado do seu candidato a vice, general Braga Netto, foi pelos eventos eleitorais organizados se aproveitando da estrutura de comemoração do bicentenário da Independência do Brasil, em 7 de setembro de 2022. O recado foi de autocontenção.

O TSE julgou improcedentes as aijes contra Bolsonaro pelo abuso de poder político pelo uso da estrutura governamental para fazer suas tradicionais lives: o ato foi ilícito, mas sem gravidade para levar à inelegibilidade.

O que ficou certo é que, lives nas residências oficiais, apenas se o ambiente usado for neutro e sem símbolos associados ao poder público ou ao cargo ocupado. Foi nesse caso também que o TSE inovou ao julgar ações de forma unificada pelo critério da similitude jurídica, não previsto na lei.

Mais recentemente, definições importantes foram feitas no caso em que o ex-juiz e hoje senador Sérgio Moro (União Brasil-PR) escapou da cassação. Ele foi acusado de abuso de poder econômico pelos gastos feitos no período da pré-campanha.

Isso porque Moro, primeiro, quis ser presidente. Depois, tentou ser senador por São Paulo. Por fim, se contentou com o senado pelo Paraná. O TSE se recusou a fixar um “número mágico” para definir se os gastos da pré-campanha representam ou não abuso. Na prática, isso impede que o chamado downgrade eleitoral vire um problema.

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