Opinião

Prêmio Fibe: razões do atraso econômico brasileiro

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  • Natalia Izelli Doré

    é professora auxiliar convidada da Faculdade de Economia (FEP) e Pesquisadora do Centro de Economia e Finanças (CEF.UP) da Universidade do Porto e uma das vencedoras do Prémio Fibe 2023.

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27 de maio de 2024, 9h19

O Brasil, classificado como a nona maior economia global, recebeu destaque em 2001 no estudo “Building Better Global Economic Brics” do economista-chefe do Goldman Sachs, Jim O’Neill. Nesse estudo, o país era apresentado como uma economia promissora que, junto com Rússia, Índia e China, alcançariam 50% do Produto Interno Bruto mundial até 2050, desafiando as nações mais desenvolvidas.

Agência Petrobras

Entretanto, após mais de duas décadas, a realidade diverge das expectativas. Especificamente em relação ao Brasil, persistem os desafios estruturais e o crescimento econômico tem sido modesto, distanciando o país de seus pares e conduzindo-o a uma trajetória de divergência econômica notável. As razões para esse atraso são multifacetadas e suscitam reflexões profundas sobre a trajetória econômica e social do Brasil ao longo dos séculos.

Como Angus Maddison bem colocou, “quanto mais ampliarmos as lentes para o passado, mais teremos instrumentos de previsão para os anos seguintes”. Essa perspectiva ecoa de forma significativa no âmbito econômico, onde uma abordagem fundamentada na compreensão das lições históricas se mostra vital para orientar políticas econômicas futuras.

No caso do Brasil, a persistente instabilidade macroeconômica, a escassez de investimentos em capital humano e a precariedade institucional têm sistematicamente obstruído o avanço do país em direção a um desenvolvimento robusto e contínuo. Não obstante, a história nos revela que a industrialização e os períodos de reformas estruturais no país demonstram seu potencial significativo para o crescimento econômico.

Industrialização e desindustrialização

Após a proclamação da República, o Brasil iniciou um rápido crescimento econômico, com uma média anual de 2,92% no PIB real, entre 1889-1930. Este período viu a criação de muitos bancos comerciais, que facilitaram o crédito tanto para produtores rurais quanto para industriais.

Inicialmente, o crédito beneficiou amplamente o setor cafeeiro, que aumentou sua oferta. Contudo, a concorrência internacional e a baixa demanda interna levaram a uma leve retração. Simultaneamente, o crédito facilitado e a limitação de importações impulsionaram a expansão da indústria, especialmente do setor manufatureiro têxtil.

Essa trajetória inicial preparou o terreno para a era desenvolvimentista (1930-1980), durante a qual o Brasil registrou um crescimento robusto do PIB, com uma média de 6,32% ao ano. Dois sub-períodos se destacam: i) 1955-1960, com uma industrialização acelerada sob o Plano de Metas, e ii) 1968-1973, quando o Brasil aproveitou o boom econômico global sob políticas da ditadura militar.

Na primeira década da era desenvolvimentista, o setor manufatureiro cresceu mais de 10% ao ano, empregando 9,5% da força de trabalho nacional em 1939. Este crescimento foi impulsionado pelo mercado interno, que entre 1947-1949 representava 61% do consumo de bens industrializados. A participação da indústria no PIB aumentou de 25% para 44%, enquanto o setor primário caiu 10% entre 1930 e 1980.

Este crescimento expressivo foi moldado pelas influências de economistas estruturalistas como Raul Prebisch e Celso Furtado, que promoveram políticas de industrialização por substituição de importações. Essas políticas incentivaram o consumo de produtos nacionais, aumentaram tarifas de importação, subsidiaram novas indústrias e alavancaram exportações de bens manufaturados, mitigando a doença holandesa e equilibrando os setores da economia.

Contudo, na década de 1980, o Brasil enfrentou uma crise econômica caracterizada por austeridade, dívida externa e inflação inercial. Conhecida como a “década perdida”, este período viu mudanças significativas na estrutura produtiva, com desregulamentação financeira, redução da participação estatal e diminuição do investimento público.

As atividades primárias e industriais desaceleraram, resultando em uma queda na participação do PIB. A desindustrialização foi impulsionada pela desvalorização cambial, ruptura do financiamento externo e hiperinflação. Em contrapartida, o setor de serviços cresceu, embora vinculado a uma mão-de-obra menos qualificada e de baixa produtividade.

Nos anos subsequentes, o Brasil buscou recuperar-se da estagnação dos anos 1980. As políticas neoliberais dos Planos Brady e as recomendações do Consenso de Washington resultaram em um crescimento médio do PIB real de apenas 2% ao ano. Entre 2002 e 2015, uma nova onda de intervenção estatal trouxe resultados econômicos consideráveis. Entre 2003 e 2010, o Brasil se beneficiou do aumento dos preços das commodities, impulsionando as exportações.

Contudo, a dependência excessiva de recursos naturais gerou um crescimento frágil, vulnerável a choques externos e à apreciação cambial. A crise financeira de 2008 e o colapso das commodities reduziram exportações e investimentos, perpetuando a desindustrialização e a “servicificação”. Sem a especialização e expansão de setores intensivos em tecnologia, o Brasil não conseguiu dinamizar sua economia e promover um crescimento sustentável do PIB.

Recomeçar a construção interrompida

“Em nenhum momento da nossa história foi tão grande a distância entre o que somos e o que esperávamos ser.”

Celso Furtado estava certo em 1999 e estaria certo em 2024. A busca por um novo horizonte, é parte essencial da (re)construção de uma economia que precisa despertar de anos de imobilismo. Isso requer investimentos substanciais não apenas em educação e reformas institucionais — áreas profundamente afetadas pelo elevado grau de desigualdade no Brasil —, mas também em políticas que estimulem a inovação e a transferência de tecnologia.

Tais medidas são essenciais para superar a defasagem da sua estrutura produtiva, aumentar a competitividade internacional e posicionar o país para rivalizar com as nações mais desenvolvidas.

Em essência, reconstruir o Brasil e reposicioná-lo no cenário global requer políticas que fomentem a sofisticação do setor industrial com maior valor agregado e maior complexidade econômica. É imperativo que o Brasil avance na escada tecnológica e expanda sua presença nos mercados local e global, o qual implica sair de uma posição submissa nas cadeias globais de valor e assumir um papel mais ativo na produção de bens de alta complexidade e intensidade tecnológica. Essa mudança estratégica é indispensável para garantir um maior protagonismo no cenário internacional, atuando como fomentadora de um país mais desenvolvido.

Através de uma reflexão profunda sobre as questões que moldaram nosso passado, podemos desenhar soluções assertivas rumo a um projeto de futuro com crescimento sustentado e sustentável, convergência real e desenvolvimento inclusivo. E é nesse debate central que se assentou meu estudo intitulado “Crescimento Econômico e Convergência no Longo Prazo: O Caso das Economias Emergentes com Foco no Brasil,” que foi premiado com o terceiro lugar no Prêmio Fibe 2023,na categoria melhor tese de doutorado.

Este prêmio não apenas reconhece publicamente os pesquisadores, mas também visa impulsionar suas carreiras e fomentar a colaboração entre acadêmicos. Em particular, o Prêmio Fibe desempenhou um papel fundamental ao facilitar minha integração na Europa.

Como professora de Economia na Faculdade de Economia da Universidade do Porto, promovo um diálogo estreito entre Brasil e Portugal. Assim como o Prêmio Fibe facilitou minha integração em Portugal, almejo que minhas pesquisas, a partir deste país, ressoem e sirvam como um elo de integração para o recomeço do crescimento interrompido do Brasil.

*o artigo resultou de uma pesquisa distinguida com o Prêmio Fibe 2023. As inscrições para edição 2024 estão abertas (clique aqui)

Autores

  • é professora auxiliar convidada da Faculdade de Economia (FEP) e Pesquisadora do Centro de Economia e Finanças (CEF.UP) da Universidade do Porto, e uma das vencedoras do Prémio Fibe 2023.

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