Opinião

Natureza do dolo na LIA: novidades na jurisprudência do STJ

Autores

  • Amanda Carpes

    é advogada controller e especialista em Direito Processual Civil pela Universidade Positivo (UP).

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  • Bernardo Strobel Guimarães

    é doutor e mestre em Direito do Estado pela USP professor adjunto de Direito Administrativo da PUC-PR professor substituto de Direito Econômico da UFPR e advogado.

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  • Luis Henrique Madalena

    é advogado doutor em filosofia e Teoria do Direito pela UERJ mestre em Direito Público pela Unisinos professor da FAE e vice-diretor Financeiro da Academia Brasileira de Direito Constitucional (ABDConst).

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20 de maio de 2024, 11h21

Já não é mais novidade que uma das principais modificações promovidas pela Lei nº 14.230/21 na Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº 8.429/92) foi a exigência de demonstração de dolo específico para a configuração dos atos de improbidade. Em termos estritos, com a nova lei, não há mais o que se falar nem em ato culposo de improbidade nem em ato de improbidade praticado com dolo genérico.

STJ

Mas não é isso que vinha reconhecendo o Superior Tribunal de Justiça, sobretudo em casos que discutiam a aplicação retroativa das disposições da Lei nº 14.230/21. Há ao menos dois julgados nos quais a Corte Especial entendeu não ser necessária a demonstração de dolo específico para a condenação de agente por ato de improbidade:

  1. primeiro, no julgamento do AgInt no RE nos EDcl no AgInt no AREsp nº 2.027.433/PB, quando decidiu que “a tese constante do Tema nº 1.199/STF não se refere à necessidade de comprovação do dolo específico do agente condenado pela prática de ato de improbidade administrativa”;
  2. segundo, no julgamento dos EDcl nos EDcl no AgInt nos EDcl no RE nos EDcl no AgInt nos EDcl no AREsp nº 1.587.243/SP, quando decidiu que “nos termos do julgamento do Tema 1.199 da repercussão geral a aplicação retroativa da Lei nº 14.230/2021 somente é permitida aos atos de improbidade administrativa culposos, ainda não transitados em julgado, não tendo sido contemplada a exigência de dolo específico com fundamento na nova redação legal”.

Isto é, o STJ estava construindo uma sólida linha jurisprudencial no sentido de que como, no julgamento do Tema de Repercussão Geral nº 1.199 (ARE nº 843.989/PR), o Supremo Tribunal Federal não tratou em momento algum da exigência de dolo genérico (decidiu apenas sobre a aplicação imediata da exigência de dolo, sem especificação da natureza), a tese da retroatividade ali firmada se aplicava somente ao dolo genérico.

Já nos opusemos a esse raciocínio em artigo publicado aqui na ConJur. Isso porque o objetivo aqui é outro: mostrar que essa tendência pode vir a ser quebrada. Na edição nº 809 do Informativo do Jurisprudência, publicada em 30 de abril de 2024, merece destaque o acórdão proferido no julgamento do REsp nº 2.107.601/MG, no qual a 1ª Turma do STJ decidiu que “é possível a aplicação da Lei nº 14.230/21, com relação à exigência do dolo específico para a configuração do ato ímprobo, aos processos em curso”.

Spacca

À unanimidade, decidiram os ministros que tal como aconteceu com a modalidade culposa, a conduta ímproba praticada com dolo genérico também foi revogada pela Lei nº 14.230/21, pelo que deve receber rigorosamente o mesmo tratamento fixado no Tema de Repercussão Geral nº 1.199/STF (aplicação imediata aos processos em curso ainda não transitados em julgado). Portanto, a um só tempo, a 1ª Turma do STJ reconheceu que:

  • a Lei nº 14.230/21 revogou tanto a improbidade culposa quanto a improbidade escorada em dolo genérico;
  • essa revogação é de aplicação imediata, nos termos delineados pelo STF no julgamento do Tema nº 1.199.

Respeitosamente, acertou a 1ª Turma do STJ. A ratio decidendi da decisão proferida no Tema nº 1.199/STF de admitir a aplicabilidade das novas disposições aos atos culposos praticados na vigência do texto anterior da lei atinge também os atos dolosos praticados nessa mesma condição. Com efeito, se é admitida a retroação da nova disposição quanto aos atos culposos, há de se admitir também a retroação com relação aos atos praticados com dolo genérico. Inclusive, não podemos deixar de observar que a primeira das teses firmadas pelo STF estabelece que é necessária a comprovação de responsabilidade subjetiva para a tipificação dos atos de improbidade, exigindo-se a presença de dolo. E dolo, na nova Lei, é aquele específico.

Nos termos do voto do ministro Gurgel de Faria, se o STF decidiu pela “[…] impossibilidade de manutenção da condenação por culpa (porque revogada tal modalidade), sendo o caso de examinar o eventual ‘dolo’, compreendo que o ‘dolo’ a que está se referindo o precedente é o especial, pois, como disse, o ‘dolo genérico’, da mesma forma que a culpa (examinada no item), também foi revogado pela nova lei”. Entender o contrário seria o mesmo que chancelar uma interpretação incongruente da lei e da jurisprudência do STF, reconhecendo a abolição da modalidade culposa (porque revogada pela Lei nº 14.230/21), mas mantendo condenações baseadas em elemento subjetivo igualmente revogado: o dolo genérico.

Essa decisão representa um passo importante para se garantir a efetividade do novo sistema de combate à improbidade desenhado pelo legislador, que tem na exigência de dolo específico uma de suas pedras de toque. A ver como a Corte Especial do STJ lidará com a divergência.

Autores

  • é advogada controller e especialista em Direito Processual Civil pela Universidade Positivo (UP).

  • é doutor e mestre em Direito do Estado pela Universidade de São Paulo (USP), professor adjunto de Direito Administrativo da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR), árbitro e advogado.

  • é advogado, doutor em filosofia e Teoria do Direito pela UERJ, mestre em Direito Público pela Unisinos, professor da FAE e vice-diretor Financeiro da Academia Brasileira de Direito Constitucional (ABDConst).

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