Paradoxo da Corte

Sustentação oral e garantia do devido processo legal

Autor

  • José Rogério Cruz e Tucci

    é sócio do Tucci Advogados Associados ex-presidente da Aasp professor titular sênior da Faculdade de Direito da USP membro da Academia Brasileira de Letras Jurídicas e do Instituto Brasileiro de Direito Processual e conselheiro do MDA.

    View all posts

17 de maio de 2024, 8h00

A experiência do cotidiano forense tem demonstrado, ao menos nos domínios do Tribunal de Justiça paulista, que a sustentação oral, na maioria das vezes, passou a ser um ato processual realmente banalizado.

E essa constatação tem ocorrido por duas diferentes razões, a saber: a) em primeiro lugar, porque, inspirando-se no mesmo modelo do sistema oral clássico, que coloca as partes e seus advogados frente a frente com o juiz de primeiro grau, embora deixando de exigir a identidade física deste, o nosso vigente Código de Processo Civil, em particular no artigo 358, prestigia a oralidade; e b) como tal princípio técnico não vigora perante os tribunais e, ainda, diante da dificuldade crescente de o advogado ter acesso pessoal aos desembargadores, a sustentação oral tem sido considerada o momento ideal para que a parte seja ouvida por intermédio de seu procurador ao ensejo do julgamento do recurso.

Não obstante, ao completar 45 anos de exercício profissional, tenho observado que, em regra, jovens advogados abusam da paciência dos magistrados que atuam nos tribunais, porque, na véspera do julgamento, procuram “despachar” nos gabinetes, sendo certo que, na sessão de julgamento, às vezes no dia seguinte, repetem, na sustentação oral, a mesma exposição então feita na entrega de memorial.

Assim é que a sustentação na sessão de julgamento acaba conspirando contra a efetividade processual e – o que é pior – deixa, quase sempre, de produzir os frutos esperados pela parte que em muitas ocasiões imagina que a manifestação oral de seu advogado constitui a “bala de prata” a ensejar julgamento favorável à sua postulação.

Ocorre que a sustentação oral, a rigor, consubstancia-se numa importante garantia dos litigantes; ato que complementa a moderna noção de contraditório participativo na construção da decisão judicial.

E, a partir dessa premissa, apesar do inescondível abuso ao qual já me referi, o certo é que a possibilidade de sustentação oral vem prevista, de forma expressa e detalhada, no artigo 937 do Código de Processo Civil.

Dentre outras hipóteses previstas em lei, destaca-se o caput do artigo 942, que também admite a sustentação oral quando se verifica o denominado julgamento estendido, isto é, quando houver dissenso entre os desembargadores, por ocasião do julgamento da apelação, da ação rescisória ou do agravo de instrumento sobre decisão parcial de mérito.

Spacca

Desse modo, ao Poder Judiciário é defeso, por meio de resolução ou normativa a ela equiparado, limitar a prerrogativa assegurada ao advogado, ex vi do disposto no artigo 7º, inciso XXI, parágrafo 2º-B, do Estatuto da Advocacia.

A Resolução 903 do TJ-SP

A despeito de todas essas conhecidas disposições legais, o Tribunal de Justiça de São Paulo, em 6 de setembro de 2023, visando claramente a coarctar o excessivo número de sustentações orais, editou a Resolução nº 903/2023, cujo artigo 1º, alterando a redação de duas anteriores resoluções, determinou que:

“As apelações, agravos de instrumento que versem sobre tutelas provisórias de urgência ou de evidência, mandados de segurança, habeas corpus, conflitos de competência, ações originárias e agravos internos de competência originária quando houver extinção do processo pelo relator serão, preferencialmente, julgados em sessão virtual, a critério da turma julgadora, ressalvada expressa oposição de qualquer das partes, com motivação declarada, mediante petição protocolizada no prazo de cinco dias úteis, contados da publicação da distribuição dos autos que, para este fim, servirá como intimação”.

Ora, tal regra, como se observa, condiciona a possibilidade de sustentação oral a duas providências endereçadas à parte interessada, quais sejam, a expressa oposição ao julgamento virtual e, ainda, a apresentação, no prazo de cinco dias úteis a partir da distribuição do recurso ou de ação de competência originária, de justificativa a ser avaliada pelo relator ou pela respectiva turma julgadora.

Condiciona-se, assim, o exercício regular da profissão de advogado, em prol da ampla defesa de seu constituinte, a pelo menos um requisito que se subordina ao escrutínio subjetivo do órgão incumbido de julgar. Na praxe forense, cada julgador e/ou cada turma julgadora tem diferentes critérios para o deferimento da sustentação oral.

Pedido de regulamentação

Não foi por outra razão que em boa hora o advogado Victor Manfrinato de Brito formulou pedido dirigido ao Conselho Nacional de Justiça, para que a matéria referente à sustentação oral fosse devidamente regulamentada de modo uniforme em todos os nossos tribunais.

Verifica-se que a operosa Associação do Advogados de São Paulo requereu o seu ingresso neste referido procedimento – Procedimento de Controle Administrativo (PCA) nº 0003075-71.2023.2.00.0000 –, para atuar como amicus curiae. O  Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil e a Secção de São Paulo (OAB-SP) – esta na qualidade de litisconsorte ativa – também ingressaram nos autos e requereram a concessão de liminar, visando à imediata suspensão da eficácia da Resolução nº 903, de 13 de setembro de 2023, que alterou o artigo 1º, caput e § 2º, da Resolução nº 549/2011, modificada pela Resolução nº 772/2017, para assegurar à advocacia a prerrogativa de sustentar oralmente perante os órgãos colegiados desde que autorizado o seu cabimento pela legislação processual.

Extensão

No mesmo sentido dos requerimentos do Conselho Federal – em conjunto com a OAB-PA e a OAB-PI – pleiteou-se a procedência do aludido PCA, a fim de que também se estabeleçam parâmetros uniformes, de âmbito nacional, que contemplem os seguintes aspectos: 1. O modo de requerimento da sustentação oral (se será feito por via eletrônica ou presencial); 2. O prazo para inscrição, com períodos mínimos e máximos, uniformizando também a contagem por termo inicial ou final, de preferência determinando a sessão de julgamento como termo final; 3. Esclarecimento quanto à desnecessidade de fundamentação para o requerimento de sustentação oral, que se revela inconstitucional e ilegal; e, ainda, 4. Extensão dos critérios acima citados tanto para os tribunais quanto para o sistema de juizados especiais e turmas de uniformização.

Plausibilidade

Anote-se que o referido PCA foi distribuído à relatoria do conselheiro Marcello Terto, que, depois da manifestação de todos os envolvidos, com arrimo no artigo 25, inciso XI, do Regimento Interno do CNJ, entendeu presentes os pressupostos autorizadores da concessão da liminar pleiteada

No tocante à existência de  fumus boni iuris, segundo o referido conselheiro relator, desponta possível antever, ainda que em cognição sumária, a plausibilidade na tese deduzida trazida pelos terceiros interessados, visto que a indigitada Resolução nº 903/2023, que alterou a Resolução nº 549/2011, modificada pela Resolução nº 772/2017, ambas do Tribunal de Justiça de São Paulo, “extrapolou os limites parametrizados e afrontou as normas processuais vigentes que asseguram às partes, por meio dos seus advogados e advogadas, a sustentação oral síncrona, em sessão presencial ou telepresencial, como garantia ao legítimo exercício do direito de defesa”. Ademais – continua a decisão –, “a exigência de apresentação de oposição com motivação declarada para transferência do processo da sessão virtual para a sessão presencial ou mesmo telepresencial, a fim de garantir o exercício das habilidades do postulante sincronicamente, não apenas limita o exercício da advocacia como prejudica o jurisdicionado. Além disso, tal incerteza processual decorre de elevado grau de subjetividade, para não dizer de seletividade, do relator, responsável pelo deferimento ou não do pedido de destaque para julgamento presencial ou telepresencial”.

Acrescentou outrossim o conselheiro relator que “o periculum in mora fica evidenciado no presente caso, tendo em vista que o dispositivo impugnado da Resolução TJ-SP nº 903/2023 está em plena vigência, podendo gerar efeitos e prejuízos irreversíveis nos casos em que a representação das partes julgar importante a realização de sustentação oral síncrona nas hipóteses previstas em lei”.

Decisão

Assim, forte nesses dois fundamentos, sobreveio, no dia 8 de maio passado, a mencionada decisão liminar, da lavra do conselheiro relator Marcello Terto, determinativa da imediata suspensão dos efeitos da Resolução nº 903, de 13 de setembro de 2023.

Isso na prática significa que, atualmente, nos julgamentos do Tribunal de Justiça de São Paulo, viabilizando-se hipótese de sustentação oral, não há se exigir qualquer providência adicional a ser tomada pela parte, senão a oposição ao julgamento virtual (cf. Resolução nº 772/2017-TJ-SP), e, no momento processual oportuno, vale dizer, no início da sessão, a simples inscrição para sustentação oral, a qual deve ser deferida, sob pena de inequívoca nulidade do processo por ofensa à ampla defesa!

O juiz conhece a lei

Para concluir, aproveito para reiterar um conselho aos colegas mais jovens, dizendo-lhes que a sustentação oral, de um modo geral, é recomendada para que o procurador da parte possa ressaltar questões de fato determinantes do julgamento do recurso. Usar a tribuna apenas para repetir matéria de direito acaba sendo contraproducente diante do velho aforismo iura novit curia!

A sustentação oral também deve ser, tanto quanto possível, sintética e objetiva. Revelando conhecimento do processo, o advogado, em poucos minutos, deve enfatizar, demonstrando convicção, o ponto fulcral deduzido nas razões ou contrarrazões recursais.

É de todo aconselhável que o advogado, falando em pé perante o tribunal, consultando apenas algumas poucas notas, esclareça, de logo, o objeto do processo. Deve revelar, em rápidas palavras, o conteúdo da decisão recorrida, o escopo do recurso e os fundamentos que embasam a sua manifestação, em prol do direito de seu constituinte.

Nada mais!

Autores

  • é sócio do Tucci Advogados Associados, ex-presidente da Aasp, professor titular sênior da Faculdade de Direito da USP, membro da Academia Brasileira de Letras Jurídicas e do Instituto Brasileiro de Direito Processual, conselheiro do MDA e vice-presidente do Conselho Superior de Assuntos Jurídicos da Fiesp.

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!