Opinião

Prints de WhatsApp como prova válida e seu standard probatório

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  • é delegado de Polícia Civil de Goiás professor de cursos preparatórios e especialista em Direito pela Universidade Cândido Mendes do Rio de Janeiro.

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  • é delegado de polícia do Grupo de Repressão a Estelionatos e outras Fraudes da Deic/PC-GO professor da Escola Superior de Polícia Civil de Goiás e ex-advogado.

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17 de maio de 2024, 18h37

Ante o avançar tecnológico, os meios digitais se encontram cada vez mais inseridos em todos os campos do nosso cotidiano e isso inclui, igualmente, o Direito. Muitas discussões no campo processual penal vêm sendo travadas nos tribunais superiores acerca da validade ou não de provas derivadas de meios digitais, como capturas de telas (prints) de aplicativos de mensagens instantâneas online, como WhatsApp, e sobre esse tema trabalharemos questões relevantes para a instrução probatória da persecução penal.

Prova e elementos informativos digitais

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Inicialmente, cumpre-nos diferenciar provas, de elementos informativos. Por meio de doutrina autorizada de Renato Brasileiro de Lima [1], podemos definir que a palavra prova só pode ser usada para se referir aos elementos de convicção produzidos, em regra, no curso do processo judicial, e, por conseguinte, com a necessária participação dialética das partes, sob o manto do contraditório (ainda que diferido) e da ampla defesa. Por outro lado, elementos de informação são aqueles colhidos na fase investigatória, sem a necessária participação dialética das partes.

Sabendo esta diferenciação, podemos dizer que quando estes institutos se destinam a extrair informações ou provas oriundas de dados telemáticos [2], estamos diante de uma prova digital.

Provas produzidas durante o inquérito policial

Muito embora não haja como regra, a participação dialética das partes na fase investigativa, há situações em que a prova pode ser produzida antes do processo em si, pois no caso de risco de desaparecimento destas ou sua não repetibilidade, o contraditório poderá ser postergado ou diferido (ex.: representação da autoridade policial por uma interceptação telefônica ou telemática). Noutro turno, complementa-se que temos as provas antecipadas, que são realizadas com contraditório real perante a autoridade judicial.

Prova digital e conversas de aplicativos de mensagens

Partindo da premissa que prova digital é aquela produzida a partir de dados telemáticos, prevalece o entendimento nos tribunais superiores de que as conversas contidas em aplicativos de mensagens online são acobertadas pelo direito de proteção à intimidade e por sua vez estão sob o manto da reserva de jurisdição, conforme a Lei 12.965/2014, Marco Civil da Internet.

Assim, além da necessidade de autorização judicial, sabendo-se que são de dados que podem desaparecer, na maioria das vezes a produção desta prova se dá cautelarmente na fase investigativa, após representação do delegado de polícia, com o contraditório postergado.

A operacionalização destas medidas cautelares traz inúmeros desafios por parte das Polícias Judiciárias, vez que praticamente em todos os Estados não há material e ou pessoal adequado para extração dos dados telemáticos com ferramentas tecnológicas de última geração seja por sua total ausência ou insuficiência.

A fim de garantir a eficiência destas medidas probatórias, de forma cotidiana, o agente de polícia elabora relatório policial com diversos prints ou degravações para o seu devido aproveitamento nas investigações.

Da ilegalidade ou falta de confiabilidade da prova colhida pelo agente de polícia

Sobre este tópico, insta-nos frisar que a prova digital obtida em aparelhos telefônicos, quando devidamente autorizadas por juízo competente, são estritamente legais, não se falando em qualquer ilegalidade, apesar do judiciário usualmente enfrentar alegações de vícios formais de uma defesa que não consegue afastar o conteúdo material daqueles dados.

Acerca do colhimento da prova por agente de polícia, merece destaque que o próprio legislador, ao antever as dificuldades estruturais de nosso continental país, admitiu a perícia ad hoc, na forma do artigo 159, §1º do Código de Processo Penal.

Ademais, realça-se que se em sede de busca e apreensão cartas fossem encontradas demonstrando comunicação pertinente à investigação, um relatório policial seria o suficiente para analisar e descrever o que se achou, prescindindo-se de exame pericial específico.

Com a tecnologia de hoje, as cartas foram substituídas pelas conversas digitais, assim ao analisarmos conteúdos de conversas de WhatsApp encontramos comunicação da mesma forma, porém travada pelo meio telemático.

Logo, não há que se levantar de forma abstrata e leviana, a possível adulteração de conteúdo de prova digital após a apreensão policial daquela fonte de prova digital, vez que como qualquer agente público, os atos de polícia decorrem de presunção de veracidade.

Por fim, como ponto chave de garantia da idoneidade probatória, temos não só a cadeia de custódia, tema aprofundado a seguir, mas igualmente o elemento da repetibilidade probatória, pois uma vez havendo a renovação de análise de dados digitais, provada poderá ser a sua idoneidade.

A observância da cadeia de custódia na produção de provas derivadas de meios digitais

Segundo o disposto no artigo 158-A do CPP, considera-se cadeia de custódia o conjunto de procedimentos utilizados garantir a idoneidade da prova. Assim, verifica-se que a autenticação de uma prova é representada por métodos que assegurem ser o vestígio aquilo que se afirmar ele ser, respeitando-se um padrão de aferição probatória denominado pela doutrina de princípio da mesmidade.

Nesse contexto, a Lei 13.964/2019 disciplinou pormenorizadamente uma série de providências a serem realizadas pelos órgãos de investigação nos artigos 158-A a 158-F do CPP. Ocorre que, por mais minucioso que o legislador tentou ser, percebe-se claramente que não foram estabelecidos meios específicos para salvaguardar a confiabilidade da prova, de modo que os regramentos legais disciplinam de maneira geral os atos a serem realizados na produção probatória, seja esta prova derivada ou não de meios digitais.

Dito isso, tem-se percebido que em atuais julgamentos oriundos do STJ acerca da cadeia de custódia de provas angariadas por meios digitais muito se fala em “código hash”, como elemento indispensável na colheita da prova digital, como se tal criptografia, isoladamente aplicada, expurgasse a possibilidade de adulteração probatória.

Assim, a partir dessa premissa equivocada, consoante demonstraremos adiante, passou-se a demonizar qualquer colheita de prova digital desassociada da criação de um código hash.

Foi nesse contexto informacional que surgiram as alegações sobre a impossibilidade de utilização de prints de mensagens em relatórios de investigação, passando-se a exigir de forma genérica e desarrazoada que as análises investigativas dos dados telemáticos derivados de aplicativos de mensagens instantâneas online, ou outro arquivo digital contidos na memória de um aparelho celular apreendido, somente possam ser acessados e analisados por meio de softwares de extração de dados, como o “Cellebrite”.

Antes de adentrar no mérito acerca da confiabilidade proporcionada pela realização da cadeia de custódia, bem como, nas consequências jurídicas relacionadas ao seu descumprimento, faz-se necessário discorrer um pouco sobre a criptografia gerada através de um código hash.

Código hash e a incerteza da idoneidade da prova

Em termo simples, podemos conceituar o código hash como um algoritmo utilizado para garantir a integridade de um documento eletrônico, de modo que, um perito técnico possa comprovar que não houve alteração neste documento desde a época em que este foi extraído do dispositivo apreendido, leia-se, copiado.

Dito isto, conclui-se que a extração de dados contidos em um aparelho celular por meio de um software que gere um código hash, proporcionará apenas a certeza de que a análise a ser realizada pelos Policiais incidirá sobre a cópia fidedigna de todos os dados contidos naquele determinado celular, até o momento da extração, já que o código hash apenas confere a certeza de identidade relacionada à cópia realizada, nada interferindo sobre os dados copiados ou seu conteúdo.

Assim sendo, significa dizer que o código hash não confere nenhuma certeza de inviolabilidade probatória, justamente porque incide sobre aquilo que foi copiado, ou seja, se houver uma adulteração probatória no próprio celular apreendido, entre o momento de sua apreensão e a extração de dados, a existência ou não de criptografia hash na cópia que foi realizada posteriormente à adulteração, em nada influenciará sobre a verificação de confiabilidade, bem como, não indicará que em algum momento houve uma possível adulteração.

Desvelados tais conceitos, começa-se a desconstruir a equivocada tese de que apenas a extrações de dados por meio de software com geração de código hash traz a certeza de confiabilidade da prova digital, na mesma medida em que afasta alegações infundadas sobre a falta de confiabilidade de Relatórios Policiais que utilizam prints de mensagens para demonstrar a ocorrência de fatos relacionados à infração penal investigada, sobretudo, quando tais celulares seguem apreendidos na central de custodia.

Das consequências judiciais da não observância da cadeia de custódia

Observa-se que a lei, em que pese tenha avançado no tocante a definição de parâmetros visando a fidedignidade da colheita probatória produzida pelo Estado acusador, não estabeleceu as consequências jurídicas acerca de seu descumprimento.

Em razão deste silêncio, a jurisprudência do próprio STJ manifestou-se por diversas vezes no sentido de que a não observância da cadeia de custodia não gera, de per si, a nulidade da prova, devendo o juiz sopesar, caso a caso, todos os elementos produzidos na instrução, a fim de aferir se a prova é confiável.

Noutro turno, a Corte Cidadã decidiu em diversos casos, à luz do ne pas nullite sans grief, assentando-se o posicionamento acerca da inexistência de nulidade da prova, caso não seja demonstrado objetivamente pelo investigado a ocorrência de efetivo prejuízo (ex.: HC 653.515-RJ e RHC 77836-PA).

De todo o exposto, nota-se a temeridade de definições genéricas acerca da impossibilidade de utilização de prints de mensagens como prova no âmbito do processo penal, sobretudo, quando a lei nada determina acerca do modo de extração de tais elementos informativos no âmbito do Inquérito Policial, estabelecendo apenas a necessidade de documentar a história cronológica do vestígio coletado em locais ou em vítimas de crimes, para rastrear sua posse e manuseio a partir de seu reconhecimento até o descarte.

Nesse diapasão, verifica-se que as providências fulcradas nos artigos 158-B a 158-F do CPP já garantem a confiabilidade da prova no tocante à preservação de sua cadeia de custódia, materializadas nas respectivas fichas de acompanhamento de vestígios, onde será identificado o lacre utilizado no momento da coleta do vestígio, procedimento este, lembre-se, realizado no local da apreensão e na presença de testemunhas.

Ademais, frisa-se ainda que os eventuais rompimentos dos lacres utilizados no momento das buscas deverão ser devidamente justificados na mesma ficha de acompanhamento de vestígios. Lado outro, toda a movimentação física do vestígio deve ser catalogada na mesma ficha, com a indicação das pessoas responsáveis pelas entregas e recebimentos. Esse é o parâmetro legal no tocante a preservação da cadeia de custódia, seja em relação a provas obtidas por meios digitais ou não.

Desta feita, a obrigatoriedade estabelecida genericamente em alguns julgados do STJ não tem como viés o ônus do Estado comprovar a integridade e confiabilidade das fontes de prova por ele apresentadas, mas sim, uma exigência desarrazoada que, como visto, não comprova a fidedignidade da prova em si.

Propondo uma análise exemplificativa do exposto, para demonstrar a ineficácia desta inovação, lançamos mão de um hipotético caso, no qual imaginamos que um policial queira adulterar as mensagens contidas em um celular apreendido, e com tal intuito, após a apreensão deste, passe ele próprio a apagar determinadas mensagens e enviar outras. Após tais adulterações, o referido celular é encaminhado para o órgão técnico visando a extração de todo o seu conteúdo, por meio de um software que gere um código hash na cópia realizada, possibilitando, destarte, que através da criptografia realizada certifique-se tecnicamente que aquela cópia é fidedigna e representa exatamente os dados contidos no celular até o momento em que a extração foi realizada.

Então pergunta-se: a prova em questão, ou seja, as mensagens extraídas do celular, foram adulteradas? Como visto, a resposta é positiva.

Pergunta-se novamente: através da análise do código hash, essa adulteração poderá ser identificada? Desta vez a resposta será negativa, pois, como visto, o código hash irá demonstrar apenas que a cópia realizada pelo software de extração corresponde exatamente ao conteúdo do celular em questão, de modo que a adulteração supracitada ocorreu em momento anterior.

Perceba-se que a descoberta da fraude processual no exemplo citado não guarda nenhuma relação com a existência ou não do código hash, e pior, se o referido código for analisado isoladamente, acabará por imprimir uma aparência de licitude da prova adulterada, bem como, uma ilusória percepção de preservação da cadeia de custódia respectiva.

Conclusão sobre standard probatório da prova digital

Como demonstrado alhures, o mero código hash atribuído a uma prova digital não é garantia absoluta de sua idoneidade, já que este mecanismo apenas garante um meio de checagem de que o dado extraído é cópia idêntica do dado constante no dispositivo, única e exclusivamente no momento de sua extração.

Desta feita, o que garante a veracidade e inalteração do conteúdo daquela prova digital são os documentos que a acompanham como o respectivo auto circunstanciado de busca e apreensão (artigo 245, §7º do CPP) e a ficha de acompanhamento de vestígios da cadeia de custódia (artigos 158-A ao 158-F do CPP), cujas confecções estão sob o manto da presunção da veracidade dos atos administrativos.

Todavia, se ainda assim, sob o prisma do ônus probatório, a parte interessada alegar a não confiabilidade e contundentemente demonstrar prejuízo, a repetibilidade probatória é o meio adequado para dirimir tal questionamento.

Logo, como standard probatório podemos dizer que se a prova digital foi produzida sob o crivo do poder judiciário, seja ela obtida por meio de aparelho de extração de dados com geração de código hash ou diretamente por análise policial, sua idoneidade deve ser garantida pelos documentos que a acompanham como auto circunstanciado de busca e apreensão e ficha de acompanhamento de vestígios, os quais devem ser produzidos na forma da lei, todavia se persistir fundada alegação de prejuízo, que seja repetida a produção probatória ou ainda haja outra análise específica no que tange à possível adulteração, mas nunca deve haver a invalidade de forma genérica e não aprofundada.

 


[1] LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal. Volume único. 4ª Edição. Salvador BA. Editora Juspodivm. 2016. P. 471

[2] Telemática: conjunto de serviços informáticos fornecidos através de uma rede de telecomunicações

Autores

  • é delegado de polícia coordenador do Grupo de Repressão a Estelionatos e outras Fraudes da Deic/PC-GO, professor da Escola Superior de Polícia Civil de Goiás, professor de Direito, articulista, palestrante, ex-inspetor de Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro e ex-advogado.

  • é delegado de polícia do Grupo de Repressão a Estelionatos e outras Fraudes da Deic/PC-GO, professor da Escola Superior de Polícia Civil de Goiás e ex-advogado.

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