Prática Trabalhista

A responsabilidade do sócio retirante por dívidas trabalhistas

Autores

  • Ricardo Calcini

    é professor advogado parecerista e consultor trabalhista. Atuação estratégica e especializada nos Tribunais (TRTs TST e STF). Coordenador trabalhista da Editora Mizuno. Membro do Comitê Técnico da Revista Síntese Trabalhista e Previdenciária. Membro e Pesquisador do Grupo de Estudos de Direito Contemporâneo do Trabalho e da Seguridade Social da Universidade de São Paulo (Getrab-USP) do Gedtrab-FDRP/USP e da Cielo Laboral.

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  • Leandro Bocchi de Moraes

    é pós-graduado lato sensu em Direito do Trabalho e Processual do Trabalho pela Escola Paulista de Direito (EPD) pós-graduado lato sensu em Direito Contratual pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) pós-graduado em Diretos Humanos e Governança Econômica pela Universidade de Castilla-La Mancha pós-graduando em Direitos Humanos pelo Centro de Direitos Humanos (IGC/Ius Gentium Coninbrigae) da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra membro da Comissão Especial da Advocacia Trabalhista da OAB-SP auditor do Tribunal de Justiça Desportiva da Federação Paulista de Judô e pesquisador do núcleo O Trabalho Além do Direito do Trabalho da Universidade de São Paulo (NTADT/USP).

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16 de maio de 2024, 9h22

A questão da responsabilidade do sócio retirante sempre foi um assunto que causou inúmeros debates na Justiça do Trabalho. Isto porque, quando o processo se encontra na fase de execução, a busca de bens em face da pessoa jurídica nem sempre obtém resultados positivos.

Spacca

Nesse sentido, surgem algumas dúvidas: o (ex) sócio poderá ser incluído no polo passivo da lide caso a empresa não quite o débito na fase de execução? Existe prazo para essa inclusão no processo? A CLT disciplina tal questão? E, mais, qual o posicionamento jurisprudencial sobre a matéria?

Por certo, considerando a polêmica sobre o assunto, a temática foi indicada por você, leitor(a), para o artigo da semana na Coluna Prática Trabalhista, da revista Consultor Jurídico (ConJur) [1], razão pela qual agradecemos o contato.

Com efeito, após o a advento da Lei 13.467/2017, foi inserido na CLT o artigo 10-A [2] que preceitua que os sócios retirantes poderão responder de forma subsidiária pelos débitos da sociedade. Entretanto deverá ser obedecida a seguinte ordem de preferência: (i) a empresa devedora; (ii) os sócios atuais; e (iii) os sócios retirantes. Ainda, o parágrafo único do referido disposto legal [3] dispõe que em caso de comprovação de fraude na alteração societária a responsabilidade do sócio será solidária.

De outro norte, os artigos 1.003 [4] e 1.032 [5] do Código Civil também abordam a temática no sentido de que o ex-sócio responderá pelos débitos da sociedade pelo período de até dois anos, depois de feita a averbação da modificação na sociedade no órgão competente.

A respeito da temática, oportunos são os ensinamentos de Rafael Guimarães, Ricardo Calcini e Richard Wilson Jamberg, na clássica obra Execução Trabalhista na Prática, publicada pela Editora Mizuno [6]:

“A questão do sócio retirante sempre esteve presente nas execuções trabalhistas, pois, não raro, a única pessoa que tem algum patrimônio que possa responder pelo crédito exequendo é o sócio que se retirou da sociedade.

No entanto, antes da reforma trabalhista, a questão era analisada levando-se em conta a limitação temporal da averbação da retirada do sócio do contrato social, considerando-se como tal marco a data de distribuição da ação trabalhista e não a data da inclusão do sócio da execução, e ainda, a contemporaneidade da prestação de serviços do exequente e o período em que o sócio fazia parte do quadro societário, com divergência quanto ao alcance e natureza da responsabilidade, pois havia entendimento de que a responsabilidade era solidária e pela totalidade do crédito, ao passo que outra corrente entendia ser a responsabilidade subsidiária e alcançava apenas o período que o sócio se beneficiou da mão de obra daquele trabalhador.”

À vista disso, antes da alteração promovida pela lei reforma trabalhista, na prática havia discussão na doutrina e na jurisprudência quanto à aplicabilidade dos dispositivos do Código Civil (artigos 1.003 e 1.032). Para alguns, com a saída do sócio, este responderia por dois anos, havendo a discussão quanto à necessidade de averbação no órgão competente; para outros, bastaria que o sócio integrasse o quadro societário, na época da prestação de serviços pelo trabalhador, para a sua responsabilização.

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Entrementes, o entendimento que até então vigorava era no sentido de que, se o sócio se beneficiou da mão de obra no período em que fazia parte da sociedade, não haveria que se falar em ausência de responsabilidade, uma vez que este trabalhador teria gerado lucros no período em que fazia parte da empresa. Vale dizer, o sócio poderia ser responsabilizado, ainda que o trabalhador tivesse saído há mais de 2 anos da sociedade.

Nesse contexto, o novo artigo 10-A da CLT disciplinou o que já vinha acontecendo no cotidiano forense, ou seja, conquanto o resultado da execução fosse infrutífero, o redirecionamento dos atos executivos poderá se voltar gora em relação aos sócios, sendo que primeiro são incluídos no polo passivo os atuais sócios, para somente depois incluir os sócios retirantes.

Aliás, no passado, para que fosse feita essa inclusão no polo passivo da execução, por meio do incidente da desconsideração da personalidade jurídica, era utilizada a teoria menor calcada no artigo 28, § 5º, do Código de Defesa do Consumidor [7]. Com isso, o ex-sócio poderia ser incluído até mesmo de ofício pelo juiz ou mediante simples requerimento da parte, após a demonstração de que ele, de fato, integrava a sociedade.

Atualmente, pós lei da reforma trabalhista, para que o sócio retirante seja incluído no polo passivo da ação, na fase de execução, se faz necessária a abertura do incidente de desconsideração da personalidade jurídica — IDPJ, previsto no artigo 855-A da CLT [8].

Limite do prazo

De mais a mais, a partir da vigência da Lei 13.467/2017, pacificou-se o entendimento jurisprudencial quanto ao limite do prazo para fins de responsabilização do sócio retirante. De igual modo, exceto nos casos de fraude, o encargo pelas dívidas da sociedade ao sócio será subsidiário, obedecendo-se ainda a ordem de preferência.

Outro ponto que merece atenção é que, via de regra, na Justiça do Trabalho a instauração do IDPJ se dá com base nos documentos emitidos pela Junta Comercial, a exemplo da ficha cadastral que traz o quadro societário da companhia. Todavia, é preciso se atentar ao fato de que a empresa pode ter sofrido modificações e alterações societárias.

Nesse diapasão, uma análise açodada da documentação pode ensejar a inclusão indevida de pessoa estranha à lide, mesmo tendo ocorrido o seu desligamento da sociedade há anos. Da mesma forma, pode haver restrições nos bens dessa pessoa, mediante a utilização das ferramentas eletrônicas utilizadas pelo Poder Judiciário, com prejuízos irreparáveis.

Em arremate, sabe-se que um dos maiores gargalos processuais é justamente a fase de execução, tanto que no TRT-SP da 2ª Região, por exemplo, a taxa de congestionamento da execução processual para o ano de 2022 era de 63,05% [9], de modo que uma das metas da Justiça do Trabalho neste 2024 é a redução dessa taxa [10].

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[1] Se você deseja que algum tema em especial seja objeto de análise pela coluna Prática Trabalhista, entre em contato diretamente com os colunistas e traga sua sugestão para a próxima semana.

[2] CLT, Art. 10-A. O sócio retirante responde subsidiariamente pelas obrigações trabalhistas da sociedade relativas ao período em que figurou como sócio, somente em ações ajuizadas até dois anos depois de averbada a modificação do contrato, observada a seguinte ordem de preferência:

I – a empresa devedora; II – os sócios atuais; e III – os sócios retirantes.

[3] Parágrafo único. O sócio retirante responderá solidariamente com os demais quando ficar comprovada fraude na alteração societária decorrente da modificação do contrato.

[4] CC, Art. 1.003. A cessão total ou parcial de quota, sem a correspondente modificação do contrato social com o consentimento dos demais sócios, não terá eficácia quanto a estes e à sociedade. Parágrafo único. Até dois anos depois de averbada a modificação do contrato, responde o cedente solidariamente com o cessionário, perante a sociedade e terceiros, pelas obrigações que tinha como sócio.

[5] CC, Art. 1.032. A retirada, exclusão ou morte do sócio, não o exime, ou a seus herdeiros, da responsabilidade pelas obrigações sociais anteriores, até dois anos após averbada a resolução da sociedade; nem nos dois primeiros casos, pelas posteriores e em igual prazo, enquanto não se requerer a averbação.

[6] Execução trabalhista na pratica – Leme., SP. Mizuno, 2021 – página 386.

[7] Art. 28. O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração. (…). § 5° Também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores.

[8] Art. 855-A.  Aplica-se ao processo do trabalho o incidente de desconsideração da personalidade jurídica previsto nos arts. 133 a 137 da Lei no 13.105, de 16 de março de 2015 – Código de Processo Civil.)

[9] Disponível em https://ww2.trt2.jus.br/noticias/noticias/noticia/taxa-de-congestionamento-da-execucao-processual-cai-de-90-para-63. Acesso em 8.5.2024.

[10] Disponível em https://www.csjt.jus.br/web/csjt/-/conhe%C3%A7a-as-metas-da-justi%C3%A7a-do-trabalho-para-2024#:~:text=JUSTI%C3%87A%20DO%20TRABALHO%3A%20Reduzir%20em,fase%20de%20execu%C3%A7%C3%A3o%3A%2065%25.&text=TRIBUNAL%20SUPERIOR%20DO%20TRABALHO%3A%20as,at%C3%A9%2031%2F12%2F2021. Acesso em 8.5.2024.

Autores

  • é professor, advogado, parecerista e consultor trabalhista, sócio fundador de Calcini Advogados, com atuação estratégica e especializada nos tribunais (TRTs, TST e STF), docente da pós-graduação em Direito do Trabalho do Insper, coordenador trabalhista da Editora Mizuno, membro do comitê técnico da revista Síntese Trabalhista e Previdenciária, membro e pesquisador do Grupo de Estudos de Direito Contemporâneo do Trabalho e da Seguridade Social, da Universidade de São Paulo (Getrab-USP), do Gedtrab-FDRP/USP e da Cielo Laboral.

  • é pós-graduado lato sensu em Direito do Trabalho e Processual do Trabalho pela Escola Paulista de Direito (EPD), pós-graduado lato sensu em Direito Contratual pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), pós-graduado em Diretos Humanos e Governança Econômica pela Universidade de Castilla-La Mancha, pós-graduando em Direitos Humanos pelo Centro de Direitos Humanos (Ius Gentium Coninbrigae), da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, membro da Comissão Especial da Advocacia Trabalhista da OAB-SP, auditor do Tribunal de Justiça Desportiva da Federação Paulista de Judô e pesquisador do núcleo O Trabalho Além do Direito do Trabalho, da Universidade de São Paulo (NTADT/USP).

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