Opinião

Licitação, obras e matriz de riscos da seguradora

Autor

  • Laércio José Loureiro dos Santos

    é mestre em Direito pela PUC-SP procurador municipal e autor do livro Inovações da Nova Lei de Licitações (2ª ed. Dialética 2023 — no prelo) e coautor da obra coletiva A Contratação Direta de Profissionais da Advocacia (coord.: Marcelo Figueiredo Ed. Juspodivm 2023).

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1 de maio de 2024, 9h24

A Lei Federal nº 14.133/2.021 é um inegável avanço civilizatório aproximando o poder público do mundo real da atividade privada.

Algumas regras têm especial conotação de efetivação do princípio da eficiência. Podemos numerar algumas: vedação do sobrepreço e do superfaturamento, matriz de riscos, e “performance bond” (inspirado nas PPPs e Lei das Concessões). Também o preço “substancial” (relacionado ao ciclo de vida do objeto), além da prova da exequibilidade (artigo 59, IV da Lei de Licitações).

Custo de oportunidade

A matriz de riscos tem inequívoca inspiração nos contratos privados, já que nestes o risco é devidamente medido e quantificado entre os contratantes num equilíbrio em que os riscos representam também mais chances de lucro e vice-versa quanto ao valor a ser pago pela redução dos riscos pela parte adversa do negócio.

Pensamos que tais regras são, inequivocamente, pormenorizações do “custo de oportunidade” previsto, expressamente, no artigo 149, XI da Lei de Licitações.

Nesse sentido prevê a Lei de Licitações sobre o seguro garantia de finalização da obra:

“Art. 102. Na contratação de obras e serviços de engenharia, o edital poderá exigir a prestação da garantia na modalidade seguro-garantia e prever a obrigação de a seguradora, em caso de inadimplemento pelo contratado, assumir a execução e concluir o objeto do contrato, hipótese em que:

I – a seguradora deverá firmar o contrato, inclusive os aditivos, como interveniente anuente e poderá:

  1. a) ter livre acesso às instalações em que for executado o contrato principal;
  2. b) acompanhar a execução do contrato principal;
  3. c) ter acesso a auditoria técnica e contábil;
  4. d) requerer esclarecimentos ao responsável técnico pela obra ou pelo fornecimento;

II – a emissão de empenho em nome da seguradora, ou a quem ela indicar para a conclusão do contrato, será autorizada desde que demonstrada sua regularidade fiscal;

III – a seguradora poderá subcontratar a conclusão do contrato, total ou parcialmente.

Parágrafo único. Na hipótese de inadimplemento do contratado, serão observadas as seguintes disposições:

I – caso a seguradora execute e conclua o objeto do contrato, estará isenta da obrigação de pagar a importância segurada indicada na apólice;

II – caso a seguradora não assuma a execução do contrato, pagará a integralidade da importância segurada indicada na apólice.” (grifos nossos)

Trata-se de um relevante instrumento de garantia da execução contratual em que o risco do negócio é totalmente transferido à seguradora. Trata de figura contratual que se aproxima de um “consórcio sucessivo/alternativo” de obra ou serviço de engenharia. Como um dos “consorciados” tem natureza de instituição financeira mantém a possibilidade de pagamento da apólice como alternativa ao término da obra.

Seguradora ‘audita’ a empresa vencedora

Para tanto poderá “auditar” o contrato da empresa vencedora como forma de garantia da solvabilidade/adimplemento de seu cliente. Atua como consorciado/fiscalizador do parceiro da obra/serviço de engenharia.

O artigo 103 da mencionada lei (tratando da alocação de riscos) menciona, claramente, a transferência (posterior) dos riscos do negócio para a contratada, numa inequívoca previsão do direito de regresso da seguradora, salvo se o próprio edital fixa de maneira diversa.

Assim:

“§ 2º Os riscos que tenham cobertura oferecida por seguradoras serão preferencialmente transferidos ao contratado.”

O risco do negócio (assumido pela seguradora) somente lhe permite um reduzidíssimo espaço de decisão consistente em terminar a obra ou pagar o valor integral da apólice (incisos I e II do parágrafo único do artigo 102). Assim, a matriz de risco é praticamente exclusiva da seguradora, já que a ação de regresso representa novo risco.

Goinfra

Nesse sentido, o esperado é que a administração pública fixe o valor total da licitação ou até mesmo um valor em percentual superior à própria licitação como forma de garantir, inequivocamente, que a licitação será finalizada e o interesse público preservado.

Mencionamos o valor superior pelo simples motivo de que o seguro deverá incluir o valor das multas previstas no artigo 156,§3º que são de 0,5% a 30% do valor inadimplido. Assim, o teto do seguro de execução de obra deverá ser de 130% do valor da licitação na medida em que a finalidade de tal seguro é o ressarcimento célere da administração pública OU o término da obra.

No caso de término da obra pela seguradora, dentro dos prazos do edital isenta a seguradora das multas. A obrigação da seguradora é o pagamento ou o término da obra tendo a lei deixado à sua livre escolha uma das opções.

Na hipótese de descumprimento de prazos do edital (pela empresa vencedora da licitação ou pela seguradora) faz com que esta última arque com os valores da licitação acrescidos das respectivas multas. O prazo para pagamento do valor da apólice (ou o término da obra) sem a incidência de multa é exatamente o mesmo prazo contratual da empresa segurada, salvo previsão diversa no edital.

Outro aspecto relevante é o de que a limitação de 30% do valor do seguro refere-se apenas ao seguro para obras de grande vulto (artigo 99 da Lei 14.133/2.021) assim consideradas aquelas com valor superior a R$ 200 mil (valores na data da publicação da lei).

Conclusão

Em síntese, a lei de licitações previu a transferência completa dos riscos na hipótese do artigo 102 da lei, limitando a 30% no caso de obras de grande vulto e concedendo à seguradora algumas prerrogativas para consecução do contrato e mitigação dos riscos: pleno acesso às informações do contratado segurado e possibilidade de opção entre pagar a integralidade da apólice ou terminar a obra segurada.

Já o poder público tem a prerrogativa de incluir até mesmo as multas contratuais como forma de defesa do interesse público na hipótese de descumprimento contratual pela empresa vencedora.

 

Autores

  • é mestre em Direito pela PUC-SP, procurador municipal e autor do livro Inovações da Nova Lei de Licitações (Ed. Dialética) e coautor da obra coletiva A Contratação Direta de Profissionais da Advocacia, (coordenador: Marcelo Figueiredo, Ed. Juspodivm).

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