Opinião

Duração indeterminada do inquérito civil e o trancamento da investigação

Autor

  • Bruno Cardoso Maia

    é advogado e sócio do escritório Maia e Loureiro Advogados e especialista em Direito Público e administrativo na cidade de Vitória (ES).

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1 de maio de 2024, 15h26

É função constitucional do Ministério Público a promoção do inquérito civil para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos [1].

Por outro lado, a Constituição garante ao investigado o direito fundamental à razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação [2].

Dessa forma, a prorrogação injustificada do inquérito civil pode caracterizar excesso de prazo e ensejar o trancamento da investigação, em razão da submissão do investigado a constrangimento por longo período.

Nesse cenário, como é possível ao investigado constatar e demonstrar a ocorrência de excesso de prazo no inquérito civil?

A Lei nº 14.230/2021 alterou a Lei de Improbidade Administrativa para prever que “o inquérito civil para apuração do ato de improbidade será concluído no prazo de 365 dias corridos, prorrogável uma única vez por igual período, mediante ato fundamentado submetido à revisão da instância competente do órgão ministerial, conforme dispuser a respectiva lei orgânica” [3].

Apesar do importante parâmetro estabelecido pela legislação, é certo que o decurso desse prazo, por si só, pode não ser suficiente para caracterizar o excesso de prazo do inquérito civil.

Spacca

O Superior Tribunal de Justiça já decidiu [4] que a constatação do excesso de prazo para a conclusão do inquérito não é resultado de operação aritmética de soma de prazos, de forma que é indispensável analisar as nuances do caso concreto.

Na esteira da jurisprudência do STJ [5], além do prazo da investigação, é fundamental que também seja verificado concretamente no inquérito civil:

  1. Qual é a complexidade do(s) fato(s) apurado(s).
  2. Qual é o número de investigados.
  3. Quais atos e diligências foram realizados no curso do inquérito civil, tais como: oitiva de testemunhas e investigados, pedido de medidas cautelares, análise pericial, requisição de documentos e informações.
  4. Quais foram os períodos de inércia do Ministério Público entre os atos concretos de impulso ou de determinação de diligências no curso do inquérito civil.
  5. Quais foram os prazos que o Ministério Público dispendeu na análise de documentos ou realização de perícias internas.
  6. Se houve repetição injustificada de diligências ou atos já realizados anteriormente.
  7. Se os atos e diligências realizados no curso do inquérito civil foram infrutíferos ou não.
  8. Se os atos e diligências realizados no curso do inquérito indicaram ou não a ocorrência da suposta irregularidade ou ato de improbidade investigado.
  9. Se o investigado não criou óbices à apuração realizada e colaborou ativamente no desfecho da investigação.

A análise desses elementos, além do prazo de duração da investigação, permite constatar no caso concreto se está configurada ou não a demora injustificada na conclusão do inquérito civil.

Constrangimento ilegal

Especialmente nas investigações de improbidade administrativa, o prolongamento do inquérito civil por prazo indefinido representa evidente constrangimento ilegal ao investigado, especialmente diante da estigmatização decorrente da condição de suspeito do ato ímprobo [6].

No caso de agentes políticos a condição de investigado no inquérito civil enseja também evidente repercussão eleitoral negativa, com prejuízo à sua imagem e que recorrentemente é suscitado por seus adversários no período eleitoral.

Para as pessoas jurídicas ou empresários que contratam com a administração pública, figurar por tempo indeterminado como investigado no inquérito civil reflete também negativamente na imagem perante os entes contratantes e terceiros.

Por essas razões, já há nos tribunais brasileiros decisões que determinam o trancamento do inquérito civil em razão do excesso injustificado de prazo.

Como exemplo, tem-se o julgamento do Mandado de Segurança Cível nº 2193922-06.2022.8.26.0000 pelo Tribunal de Justiça de São Paulo [7], no qual foi concedida a ordem para determinar o trancamento de inquérito civil que tramitava injustificadamente há mais de seis anos.

No âmbito do Superior Tribunal de Justiça, a jurisprudência se construiu com ênfase nos inquéritos policiais, inclusive nos casos de investigado solto [8].

No entanto, as razões de decidir também se aplicam ao inquérito civil, na medida em que o investigado no inquérito civil também goza do direito constitucional à razoável duração do processo e se submete à constrangimento ilegal diante da prorrogação injustificada da investigação.

Dessa forma, a análise do inquérito civil a partir dos parâmetros apresentados viabiliza ao investigado demonstrar o excesso de prazo da investigação no seu caso concreto, com a possibilidade de se valer da via judicial para o trancamento do Inquérito ou para a determinação de prazo máximo para conclusão da investigação.

 


[1] Art. 129, CF. São funções institucionais do Ministério Público:

III – promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos;

[2] Art. 5º, CF. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

LXXVIII – a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.

[3] Art. 23, Lei 8.429/92. A ação para a aplicação das sanções previstas nesta Lei prescreve em 8 (oito) anos, contados a partir da ocorrência do fato ou, no caso de infrações permanentes, do dia em que cessou a permanência. (Redação dada pela Lei nº 14.230, de 2021)

§ 2º O inquérito civil para apuração do ato de improbidade será concluído no prazo de 365 (trezentos e sessenta e cinco) dias corridos, prorrogável uma única vez por igual período, mediante ato fundamentado submetido à revisão da instância competente do órgão ministerial, conforme dispuser a respectiva lei orgânica. (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)

[4] Nesse sentido: STJ – AgRg no HC n. 502.748/MT, Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, DJe 30/08/2019.

[5] Nesse sentido: STJ – HC n. 653.299/SC, relatora Ministra Laurita Vaz, relator para acórdão Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 16/8/2022, DJe de 25/8/2022; STJ – HC n. 659.092/PR, relator Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, Sexta Turma, julgado em 07/12/2021; STJ – RHC n. 58.138/PE, relator Ministro Gurgel de Faria, Quinta Turma, julgado em 15/12/2015, DJe de 4/2/2016.

[6] No mesmo sentido, no Inquérito Policial: STJ – RHC 135.299/CE, Relator Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, DJe 25/3/2021

[7] TJ-SP – MSCIV: 21939220620228260000 São Paulo, Data de Julgamento: 26/09/2023, 3ª Câmara de Direito Público, Data de Publicação: 06/11/2023.

[8] Vide julgados já referenciados.

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