Executivo enfraquecido

Suprema Corte dos EUA transfere poderes de órgãos públicos para o Judiciário

Autor

29 de junho de 2024, 11h45

Em duas decisões separadas, a Suprema Corte retirou poderes dos órgãos governamentais dos EUA e os transferiu para o Judiciário. As decisões, ambas por 6 votos dos ministros conservadores da corte contra 3 das ministras liberais, satisfazem os interesses de republicanos-conservadores e de algumas empresas que, basicamente, querem “cortar as asas” dos órgãos governamentais.

Suprema Corte dos EUA, Suprema Corte dos Estados Unidos

Suprema Corte dos EUA acabou com a Doutrina Chevron, que vigorava havia 40 anos

Em Loper Bright Enterprises v. Raimondo, a Suprema Corte revogou o precedente de 40 anos que criou a “Doutrina Chevron”. O precedente, chamado de “Chevron deference”, estabeleceu que os juízes federais devem acatar a interpretação (ou a regulamentação), pelos órgãos governamentais, de leis que são ambíguas ou omissas – desde que a interpretação seja razoável. Em outras palavras, dar “deferência” aos atos de tais órgãos.

Em SEC v. Jarkesy, a Suprema Corte decidiu que não cabe aos “juízes de Direito Administrativo” da Comissão de Valores Mobiliários (SEC), que atuam dentro da SEC,  julgar casos de fraudes no mercado financeiro e aplicar multas – casos que foram processados pela Divisão de Execução da própria SEC.

No caso da “Doutrina Chevron”, o voto vencedor, relatado pelo presidente da corte, ministro John Roberts, declara:

“A Lei de Procedimento Administrativo requer que as cortes exerçam seu julgamento independente, ao decidir se um órgão governamental agiu dentro de sua autoridade legal e as cortes não podem deferir a interpretação da lei para um órgão, simplesmente porque a lei é ambígua. Chevron é revogado”.

“O artigo III da Constituição atribui ao Judiciário Federal a responsabilidade e o poder de julgar ‘Casos e Controvérsias’ – disputas concretas com consequências para as partes envolvidas. Os constituintes reconheceram que as leis que os juízes necessariamente aplicariam na resolução dessas disputas nem sempre seriam claras, mas visualizadas”.

Roberts argumentou ainda: “A lei requer que o juiz ignore, não que siga, a interpretação a que chegaria se exercitasse seu julgamento independente, como requerido pela Lei de Procedimento Administrativo. Mas isso é um equívoco, porque os órgãos governamentais não têm competência especial para resolver ambiguidades da lei. As cortes têm”.

O voto vencido, escrito pela ministra Elena Kagan, afirma que a decisão da maioria “é mais um exemplo da atitude da corte de reverter a autoridade dos órgãos governamentais, que lhe foi concedida pelo Congresso.

“O Congresso sabe que não pode redigir leis regulamentares perfeitamente completas. Sabe que essas leis conterão inevitavelmente ambiguidades que algum outro ator terá de resolver e lacunas que algum outro ator terá de preencher. E normalmente preferiria que esse ator fosse o órgão governamental responsável, não um tribunal”.

Para a ministra, a decisão da corte irá criar um distúrbio de larga escala no judiciário, ao retirar de cientistas e especialistas, contratados pelos órgãos públicos, a tarefa de interpretar ou regulamentar leis ambíguas e passá-la para juízes que não têm expertise para executá-la. “A maioria está desdenhando o conceito de restrição judicial, para buscar maior poder”, ela escreveu.

Restrições à Comissão de Valores Mobiliários

No caso da SEC (Securities and Exchange Commission), o voto vencedor, também relatado pelo ministro John Roberts, afirma que pessoas e empresas acusadas de fraude financeira – ou de violar qualquer lei sobre valores mobiliários – têm direito a julgamento por um júri popular, observando-se a Sétima Emenda da Constituição.

“A SEC também não é obrigada a aplicar penalidades civis para compensar as vítimas. As penalidades civis são, portanto, um tipo de remédio da common law, que só pode ser aplicado por um juízo de direito. A ação implica o disposto na Sétima Emenda, que garante ao réu o direito de ser julgado por um júri – a não ser que o Congresso atribua ao órgão, especificamente, o direito de decidir a matéria”, escreveu Roberts.

A decisão contraria a Lei Dodd-Frank (Dodd Frank Wall Street Reform and Consumer Protection Act), que o Congresso aprovou em 2010. Os “dispositivos antifraudes” dessa lei garantiram à SEC “autoridade irrestrita” para julgar internamente e aplicar multas a quem violar as leis que regulamentam os valores mobiliários. E proíbe o presidente da demitir juízes de direito administrativo da Comissão.

O Tribunal Federal de Recursos da Quinta Região declarou que a lei é inconstitucional, com o que a Suprema Corte concordou: “Um réu acusado de fraude em uma ação civil tem o direito de ser julgado por um júri popular, presidido por um juiz neutro. Os procedimentos in-house da SEC violam a Constituição”, declarou o voto vencedor.

Antes da decisão, a SEC tinha a opção de escolher entre de dois fóruns – a justiça federal ou o juizado administrativo interno. Segundo os autores da ação, a SEC decide cerca de 60% dos casos internamente. Agora terá de ir à justiça federal para processar violadores das leis de valores mobiliários.

O voto vencido, escrito pela ministra Sonia Sotomayor, afirma: “A decisão contra a SEC é mais um exemplo da apropriação, pela ala conservadora da corte, “do poder de formulação de políticas que cabe ao Congresso e o transfere para o judiciário. Decisões como essa ameaçam a separação de poderes”.

Para a minoria, a decisão da maioria “ofende o projeto constitucional dos constituintes, tão crítico para a preservação da liberdade individual: a divisão do governo em três poderes coordenados, para evitar a concentração do poder nas mesmas mãos”.

Recentemente, a corte restringiu poderes da Agência de Proteção do Meio Ambiente , da Administração da Segurança Ocupacional e Saúde, e do Conselho Nacional de Relações Trabalhistas.

De acordo com a decisão, logo depois da aprovação da Lei Dodd-Frank, a SEC moveu uma ação contra o consultor financeiro George Jarkesy e sua firma Patriot28, por violação dos “dispositivos antifraude” contidos nas leis federais.

O juizado administrativo da SEC aplicou aos réus uma multa de US$ 300 mil e ordenou o reembolso de US$ 680 mil, que teriam sido ganhos de forma “supostamente ilícita” – atos agora anulados.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!