Opinião

Debate na Câmara: urgência em plenário ou processo legislativo?

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29 de junho de 2024, 6h31

Não é novidade que recentemente matérias de grande relevância têm sido retiradas das comissões, por meio do regime de urgência, para serem apreciadas diretamente em plenário da Câmara dos Deputados.

Plenário da Câmara dos Deputados

Até 2021, matérias cujo requerimento de urgência era aprovado eram analisadas simultaneamente nas comissões e eram deliberadas em plenário. Porém, no ano em questão, a Mesa Diretora alterou essa dinâmica, ensejando um fenômeno inaudito em nossa prática legislativa, caso do PLP nº 112/2021 — Reforma Eleitoral, que contava com “apenas” 898 artigos.

Nos termos do despacho editado pela Mesa, a matéria foi distribuída à Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania “sem remessa do processado àquele Órgão”, em virtude da aprovação do requerimento de urgência. Sem indicar a fundamentação, a Mesa encerra o breve expediente com “Proposição Sujeita à Apreciação do Plenário” na resoluta perempção dos termos em referência.

É certo que a urgência regimental dispensa formalidades, com a ressalva expressa da deliberação sobre o parecer do relator, o que ocorre no âmbito das comissões (artigo 152, II). A exceção ao procedimento descrito se dá em casos de “urgência urgentíssima” (artigo 157), quando a proposição é incluída automaticamente na ordem do dia.

Desde então, urgência regimental requerida em Plenário tem sido largamente articulada para suprimir a deliberação pelas Comissões. Citemos duas oportunidades recentes: a primeira, durante a deliberação do PL 914 (Programa Mover e taxação das remessas internacionais) e durante a tramitação do PL 1.904/2024, cuja tramitação veio a naufragar em função da pressão externa.

Não obstante, tudo indica que a urgência requerida em plenário será manejada para desfalcar a vocação das Comissões competentes para a apreciação dos projetos de lei complementar referentes à reforma tributária (Comissão de Finanças e Tributação e Comissão de Constituição de Justiça e Cidadania).

Mas por que isso importa?

É no âmbito das comissões que são estudados os dados, antecedentes, circunstâncias, consequentes e a conveniência da matéria. Já a decisão do plenário é profundamente influenciada pela fidelidade partidária, ou seja, pela instrução dos líderes partidários e pelo viés político do aceno ao eleitorado.

Assim, a deliberação pelas comissões é vital para a legitimidade democrática das proposições legislativas pelas franquias inerentes ao processo legislativo nos órgãos em comento, como a designação de relator, apresentação de emendas e deliberação sobre aspectos formais (validade constitucional, juridicidade e técnica legislativa) e materiais (mérito da proposição) — não por acaso são expressamente disciplinadas pelo processo legislativo constitucional (artigo 58, CRFB).

O processo legislativo, portanto, passa a ser determinado pelos acertos costurados no colégio de líderes sobre os termos dos pareceres em plenário, já enfrentados oportunamente pelas catilinárias de João Trindade Cavalcante Filho (aqui) [1].

O atalho vulgarizado pelos operadores do regimento interno na Câmara dos Deputados sobre os princípios estruturantes do devido processo legislativo, dentre os quais se afiguram aqueles da publicidade e da deliberação, segundo a doutrina de Victor Marcel Pinheiro [2], é digno da irresignação tanto dos legisladores, como da jurisdição constitucional, a qual, mais dia, menos dia, será provocada a apreciar a validade do expediente descrito à luz dos princípios que regem o processo legiferante e da vocação constitucional das comissões no processo legislativo (artigo 58, § 1º, CF).

Até lá, caberá ao Senado sanar o passivo democrático que lhe transfere a Câmara dos Deputados em todas as oportunidades que decide por esse comportamento procedimental (não sendo improvável que este atalho seja manejado na condição de Casa revisora).

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Referência

CÂMARA DOS DEPUTADOS. Regimento Interno. Brasília, 1992.

CONGRESSO NACIONAL. Constituição Federal. Brasília, 1988.

CAVALCANTE FILHO, João Trindade. O desastre dos ”pareceres de Plenário’: por que as comissões são fundamentais. Conjur, 2021. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2021-nov-13/observatorio-constitucional-desastre-pareceres-plenario-comissoes-sao-fundamentais/

PINHEIRO, Victor Marcel. Devido Processo Legislativo. Elaboração das Leis e Controle Judicial na Democracia Brasileira. Brasília. GZ Editora, 2024.

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[1] CAVALCANTE FILHO, João Trindade. O desastre dos ”pareceres de Plenário’: por que as comissões são fundamentais. Conjur, 2021. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2021-nov-13/observatorio-constitucional-desastre-pareceres-plenario-comissoes-sao-fundamentais/

[2] PINHEIRO, Victor Marcel. Devido Processo Legislativo. Elaboração das Leis e Controle Judicial na Democracia Brasileira. Brasília. GZ Editora, 2024.

Autores

  • é assessora parlamentar na Câmara dos Deputados e especialista em Direito Legislativo.

  • é consultor-chefe e coordenador de assuntos legislativos da Merheb Consultores em Brasília, ex-assessor dos grupos de trabalho na Câmara dos Deputados e do Senado Federal para a reforma tributária.

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