Opinião

Negociações de duplicatas podem ter repercussões criminais

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28 de junho de 2024, 20h37

A duplicata é um instrumento amplamente utilizado em relações comerciais, seja para respaldar um negócio jurídico de compra e venda, seja na prestação de um determinado serviço. Sua emissão é regulada pela Lei 5.474/68, porém não é obrigatória (artigo 2º da Lei) como a de uma fatura (artigo 1º da Lei). No entanto, seu uso é frequente porque confere ao seu detentor uma presunção de pagamento da dívida. Ou seja, funciona como uma garantia adicional de que o vendedor ou o prestador (sacador) receberão do comprador ou do tomador do serviço (sacado) o pagamento devido.

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Dessa forma, na hipótese de inadimplemento, o sacador, ao usar esse instrumento, tem mais opções para retomar o seu crédito, seja com o protesto do título (sujeitando o sacado às consequências advindas de tal ato, como a sua negativação perante os órgãos de proteção ao crédito), ou com o ajuizamento de uma ação judicial.

Na dinâmica comercial, observa-se que muitos empresários ou prestadores de serviços, que precisam receber o valor do pagamento antes do vencimento, acabam negociando a duplicata com terceiros (instituições financeiras). Essa negociação implica no desconto do título de crédito ou na cessão fiduciária em garantia, que possibilitam a antecipação de recebíveis futuros e a obtenção imediata dos recursos financeiros.

É importante ressaltar, no entanto, que o processo de desconto da duplicata pode ter repercussão criminal se for verificada a inserção dolosa (vontade livre e consciente dirigida a determinado fim), por parte do sacador, de dados inexatos no título, ou seja, se a mercadoria e/ou a quantidade que constam no documento não corresponderem às que foram vendidas, bem como se o serviço prestado não for o mesmo. Nesse caso, pode configurar o crime de duplicata simulada, previsto no artigo 172 do Código Penal.

Livro de registro

Além disso, se o sacador adulterar o livro registro de duplicatas, ele também cometerá o mesmo crime, conforme dicção expressa, respectivamente, do artigo 172, caput e do seu parágrafo único do Código Penal:

Emitir fatura, duplicata ou nota de venda que não corresponda à mercadoria vendida, em quantidade ou qualidade, ou ao serviço prestado.

Pena – detenção, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.

Parágrafo único. Nas mesmas penas incorrerá aquele que falsificar ou adulterar a escrituração do Livro de Registro de Duplicatas.

Cabe destacar que aquele que dolosamente circular duplicata com base em venda ou serviço inexistentes também está cometendo crime. Ainda que tal conduta não esteja expressa no citado dispositivo, tanto a doutrina quanto a jurisprudência entendem in casu que houve uma imprecisão legislativa, que não previu tais condutas, admitindo-se, nessa hipótese, como decorrência de uma interpretação extensiva do tipo, a possibilidade de subsumir tais condutas no artigo 172, caput do Código Penal.(1)

O crime de duplicata simulada é considerado pela doutrina como um crime formal, portanto, ele se consuma com a própria expedição e circulação da duplicata, não sendo necessária a realização de desconto ou a cessão do título de crédito perante uma instituição bancária para que o crime venha a se aperfeiçoar (2). Por outro lado, é indispensável que a cártula — física ou digital — esteja assinada pelo sacador.

Spacca

Importante destacar ainda que há casos que não configurariam crime, como, por exemplo, na hipótese da duplicata emitida legitimamente, que posteriormente foi descontada ou cedida à alguma instituição financeira, mas que veio a perder o seu lastro, por conta do desfazimento do negócio ou pela não prestação do serviço, por questões alheias à vontade do sacador e do sacado, já que as partes, em princípio, objetivavam a conclusão da operação representada na duplicata.

Portanto, apesar de o uso de duplicata ser legal e frequente nas relações comerciais, e a negociação desses títulos com terceiros, seja para desconto ou cessão fiduciária, ser uma operação corriqueira, o risco criminal deve ser observado pelos atores do mercado para que problemas futuros sejam evitados.

 


(1) NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado, 10ª ed., rev., atual. e ampli. – São Paulo: RT, 2010. p. 823
(2) GRECO, Rogério. Código Penal Comentado, 17ª ed., ver e atual. – Barueri: Atlas, 2024. p. 559

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