Jurisdição constitucional se transformou em arma contra ameaças antidemocráticas
28 de junho de 2024, 12h25
O Poder Judiciário e sua expressão máxima, a Constituição, têm legitimidade e devem exercer sua tutela em relação ao regime democrático, assim como sobre os direitos fundamentais das minorias.
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Mesa em Lisboa discutiu importância da Constituição no combate às ameaças antidemocráticas
O posicionamento foi destaque na mesa “Jurisdição Constitucional e Separação dos Poderes”, que traçou paralelos entre outros momentos da história em que houve avanço de pautas e ideologias antidemocráticas com o contexto atual.
O debate aconteceu durante o XII Fórum de Lisboa e foi mediado pelo professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, José Luís Bonifácio Ramos.
O primeiro a falar foi o ministro do Supremo Tribunal Federal Flávio Dino, que antes de assumir posição na corte foi magistrado, governador do Maranhão e ministro da Justiça.
Sua fala, de certa forma, rememorou sua atuação no governo durante a tentativa de golpe de estado de 8 de janeiro de 2023, citando como a Constituição brasileira foi — e segue sendo — utilizada para conter o avanço autoritário contra o sistema democrático.
A argumentação eminentemente política já se refletiu em sua ainda breve atuação como ministro, já que Dino presenciou, como membro do governo, a tentativa de derrubada da chapa eleita democraticamente, e o papel do Judiciário para frear a empreitada.
“A jurisdicção constitucional é fundamental para proteger a sociedade das investidas antidemocráticas”, disse Dino, citando que o golpismo brasileiro é disfarçado de discurso constitucional.
Ele ainda rechaçou as críticas ao tribunal no que diz respeito ao suposto individualismo dos ministros na hora de decidir, ressaltando que as decisões monocráticas meramente espelham entendimentos já consolidados.
“Se enganam gravemente aqueles que imaginam que se trata de atos individuais. São atos do colegiado respaldados por todo o tribunal.”
Dino citou a legitimidade da Constituição para garantir os valores do sistema democrático. “Uma das maiores ameaças à sociedade e, por conseguinte, ao Estado democrático de Direito, é justamente essa situação de salve-se quem puder”, disse, levando em conta ainda a importância da Carta para manter os direitos fundamentais e as proteções sociais das minorias.
E terminou com uma provocação: “Por que fazer esse Fórum em Lisboa? Porque no Brasil talvez fosse impossível fazer, infelizmente”
Influência americana
O presidente da Comissão Nacional de Estudos Constitucionais da Ordem dos Advogados do Brasil, Marcus Vinicius Furtado Coêlho, evocou a influência da tradição norte-americana na Carta brasileira, em especial o controle exercido entre os poderes. “Me parece que a jurisdição constitucional tem esse norte: evitar os abusos do exercício do poder, por parte de todos que o detêm.”
“A nossa tradição constitucional bebeu, sem dúvida, na tradição americana. A inspiração do controle recíproco entre os poderes é o que deve inspirar a atuação da jurisdição constitucional”, afirmou o advogado.
Ele fez menção ao julgamento no Supremo que estabeleceu que as Forças Armadas brasileiras não têm poder moderador no arcabouço legal, pondo fim a uma tese golpista alimentada por setores da extrema direita.
“A principal virtude de uma corte não está sequer em uma atitude passiva ou ativa, está no equilíbrio. Está na busca de uma atitude que não demoniza nem uma nem outra. Por vezes é necessária uma atitude responsiva, protagonista, imperativa e de cumprimento da Constituição quando temas fundamentais estão em disputa, quando a dignidade da pessoa humana, a existência das minorias e a defesa de democracia estão em questionamento.”
Guilherme Marinoni, professor da Universidade Federal do Paraná, afirmou que os poderes precisam ter consciência de suas próprias limitações.
Ele citou questões como os próprios controles que o Direito exerce sobre si, exemplificando com a inversão do ônus da prova em âmbito cível. Esse tipo de ação se dá, diz Marinoni, “quando o juiz não tem condições de decidir com base na verdade dos fatos”.
“É interessante porque, quando nós temos em conta a necessidade de buscar a verdade do estado constitucional, temos um ponto que obviamente importa muito mais do que aquele que diz respeito à necessidade do juiz de primeiro grau trabalhar bem e adequadamente com os fatos. Quando falamos nessa verdade, obviamente estamos pensando na participação da população na discussão pública.”
Carlos Blanco de Morais, professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, afirmou que é importante traçar paralelos com outros momentos em que o sistema democrático foi questionado.
“Porque voltar a esse debate no século XXI? A Constituição só ganhou efetividade como esta aí quando foi garantida pelos tribunais”, afirmou. “A supremacia da Constituição era muitas vezes nominal e só com a Justiça Constitucional ganhou efetividade.”
“O órgão a quem é atribuída uma determinada função do estado não pode imiscuir-se de funções que são atribuídas a outros órgãos. Por outro lado, todos os poderes podem ser responsabilizados pela forma como exercem as suas competências”, disse.
Assista ao terceiro dia de debates do Fórum de Lisboa:
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