Opinião

Domicílio judicial eletrônico e contagem de prazos: o inacessível Poder Judiciário

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28 de junho de 2024, 15h28

Advogados e empresários foram surpreendidos com a edição da Portaria Nº 46 de 16/02/2024 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que veio regulamentar o prazo para adesão obrigatória ao domicílio judicial eletrônico então disposto pela Resolução nº 455 de 27/4/2022, também daquele conselho.

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Com a obrigatoriedade de cadastramento junto ao PSPJ (Portal de Serviços do Poder Judiciário), advêm as dúvidas e aparentes conflitos de regulamentação de situações práticas do cotidiano do jurisdicionado.

Referimo-nos, é claro, à contagem dos prazos.

Com exceção aos membros do Poder Judiciário para os quais a doutrina reserva a tese de prazos impróprios, aos demais protagonistas do cenário jurídico o cumprimento de prazos é regulado pela preclusão.

De tal sorte, o decurso de prazo, notadamente no tocante ao momento de recepção da citação, pode acarretar o nefasto efeito da revelia e suas consequências jurídicas, materiais e com repercussão econômica.

Conforme o ato normativo expedido pelo CNJ, a publicação das intimações de andamento dos processos judiciais e também administrativos nos âmbitos das corregedorias deverão se dar pelo Diário de Justiça Eletrônico Nacional (Djen) e pelo Portal de Serviço vinculado ao domicílio judicial eletrônico:

Art. 11. O Diário de Justiça Eletrônico Nacional (Djen), originalmente criado pela Resolução CNJ no 234/2016, passa a ser regulamentado pelo presente ato normativo, constitui a plataforma de editais do CNJ e o instrumento de publicação dos atos judiciais dos órgãos do Poder Judiciário.

§ 2oA publicação no DjenN substitui qualquer outro meio de publicação oficial, para fins de intimação, à exceção dos casos em que a lei exija vista ou intimação pessoal, que serão realizadas por meio do Domicílio Judicial Eletrônico, previsto no art. 14 desta Resolução, nos termos do art. 5oda Lei no 11.419/2006.

§ 3oNos casos em que a lei não exigir vista ou intimação pessoal, os prazos processuais serão contados na forma do art. 224 do CPC/2015, possuindo valor meramente informacional a eventual concomitância de intimação ou comunicação por outros meios.

Examinando tais dispositivos, preliminarmente, conclui-se: os atos diários de Justiça dos estados deixarão de existir e deverão ser vinculados ao Diário Nacional; a intimação realizada pelo Djen substitui a obrigatoriedade de qualquer outra comunicação; a intimação também será pelo domicílio judicial eletrônico.

O cadastramento do jurisdicionado (pessoa jurídica de direito privado ou de direito público) no domicílio judicial eletrônico é obrigatório, realizando-se por meio de certificado digital vinculado ao CNPJ ou CPF do titular de acordo com o modelo societário.

Aqui abre-se um ponto de insegurança: os atos processuais são praticados por advogados, devidamente inscritos na Ordem dos Advogados do Brasil, tal qual a regulamentação fixada por Lei Federal nº 8.906/94, contudo, as comunicações de intimações serão transmitidas para o domicílio judicial eletrônico do qual é titular o jurisdicionado.

Spacca

E, conforme a redação da Resolução do CNJ supra transcrita, a intimação enviada pela o domicilio judicial eletrônico dispensa qualquer outra forma, inclusive a partir daí fluindo o prazo para a prática do ato.

Se a intimação recebida não é lida, o sistema a considera lida decorrido o prazo de dez dias, nos termos do artigo 20, §4º da resolução, com isso, transferindo para o jurisdicionado o ônus de acompanhamento processual e retirando do advogado a prerrogativa de ser intimado e transmitir ao seu cliente as informações dos processos.

O CNJ menciona na Portaria nº 46/2024 que fará campanha de conscientização de uso da ferramenta do domicílio judicial eletrônico. Porém, nós, advogados, não temos visto nenhuma dessas medidas.

Inclusive, nem mesmo aos profissionais do direito a ferramenta foi preambularmente apresentada, nem sequer em rede nacional, embora se cuide de cadastro obrigatório para exercício do acesso à Justiça.

Problemas para advocacia

Na prática, já sabemos bem o que ocorrerá: as empresas sofrerão com perda de prazo, revelia, expropriação de bens, com isso desemprego e mais um incentivo para que o empresário deixe de atuar no burocrático sistema brasileiro da tardia tecnologia.

Por aqui, em vez de a tecnologia atuar em prol da facilitação dos meios de acesso à justiça, ocorre justamente o contrário: transfere-se a responsabilidade pela condução de processos a pessoas desassistidas de conhecimento técnico.

Há outra incógnita não resolvida pela Portaria do CNJ: e no caso de o empresário ser pessoa com deficiência? Visual? Auditiva? Como serão encaminhados os atos processuais?

E mais, outro grave equívoco é o CNJ realizar o cadastro compulsoriamente caso o jurisdicionado não o faça, a partir de dados da Receita Federal que também são, de trivial sabença, desatualizados.

Na obra pioneira do tema de acesso à Justiça, os professores Bryan Garth e Mauro Cappelletti justamente defendiam a desburocratização do acesso à Justiça, a facilitação, simplicidade, aproximação das pessoas ao Poder Judiciário.

Porém, o CNJ parece ignorar a realidade brasileira. Milhares de pessoas não têm acesso ininterrupto à internet, não possuem nem vaga noção da diferença de uma citação e uma intimação, não acessam e-mail o dia todo ou todo o dia.

Os advogados já lutam para que os drivers e o Java façam rodar o certificado digital entre o PJE, Esaj, Eproc, Projudi, e tantos outros sistemas dos tribunais, não se pode presumir que o cidadão que não é bacharel em direito tenha também tal conhecimento técnico.

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