Opinião

O cavalo de Troia das subvenções para investimento

Autores

  • Raphael Marins

    é advogado e Líder de Consultivo e Contencioso Administrativo Tributário na Locatelli Advogados especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT) bacharel em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie bacharel em Ciências Contábeis pela Trevisan e pesquisador do Núcleo de Estudos Fiscais da FGV/Direito.

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  • Camila Galatti

    é advogada e líder de Consultivo e Contencioso Administrativo Tributário na Locatelli Advogados MBA em Gestão Tributária pela FIPECAFI pós-graduada em Direito Tributário pela FGV/SP e bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP).

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27 de junho de 2024, 16h21

Na narrativa épica de Homero sobre os eventos da Guerra de Troia, uma astúcia notável foi a estratégia militar, proposta por Ulisses, que consistia na entrega de um cavalo de madeira pelos gregos aos troianos, escondendo um contingente de guerreiros em seu interior. Este gesto, embora aparentasse ser um símbolo de rendição, escondia uma estratégia de invasão, por meio da qual foi possível transpassar as muralhas dos troianos para atacá-los.

Vaso de Míconos, das mais antigas representações do Cavalo de Troia, no século 8 a.C.

Inspirando-se nesse episódio histórico, a recente Lei nº 14.789/23, conhecida como “Lei das Subvenções”, promete duas soluções alternativas para períodos pretéritos à vigência da Lei: a autorregularização e a transação por adesão mediante atrativos descontos de até 80% sobre o valor total da dívida, mas sob a condição da plena conformidade do contribuinte com um regime tributário novo e controverso, revelando-se uma moderna versão do cavalo de Tróia no âmbito tributário.

A proposta é tentadora. Afinal, quem, na posição de devedor, não se sentiria atraído por uma oportunidade de quitação tão vantajosa oferecida pelo próprio credor?

Contudo, tanto a adesão a essa autorregularização para créditos tributários a serem confessados quanto a transação por adesão de débitos, inscritos ou não em dívida ativa, implicam na aceitação incondicional do contribuinte ao novo regime fiscal estabelecido pela mencionada lei.

Este regime, além de ser altamente questionável sob o aspecto constitucional, contraria diretamente precedentes do Superior Tribunal de Justiça (STJ), especificamente o Tema Repetitivo nº 1.182 e os Embargos de Divergência em Recurso Especial (EREsp) nº 1.517.492. Essa contradição tem levado numerosos contribuintes a buscar proteção judicial, resultando em decisões favoráveis.

A conformação do contribuinte ao novo regime está previsto no artigo 10-II da Instrução Normativa nº 2.184/23 da Autorregularização, que, ao reproduzir as disposições do § 1º, artigo 13 da Lei nº 14.789/23, impõe como condição “a conformação do contribuinte ao disposto na Lei nº 14.789, de 2023, em especial quanto às condições para habilitação e aos limites de aproveitamento de crédito fiscal, sob pena de rescisão”.

Spacca

Igualmente, o Edital PGDAU nº 4/2024, cujo objeto são os débitos decorrentes de exclusões de receitas de subvenções da base de cálculo do IRPJ/CSLL, realizadas em desacordo com o já revogado artigo 30 da Lei nº 12.973/2014, também prevê, no item 2.14, o dever de “conformação do contribuinte ou do responsável ao disposto na Lei nº 14.789″, especialmente quanto “às condições para habilitação e aos limites de aproveitamento do crédito fiscal decorre de subvenção para implantação ou expansão de empreendimento econômico, sob pena de rescisão”.

Tal exigência não apenas representa uma coação política contra aqueles que buscam socorro ao Poder Judiciário diante de ilegalidades por parte do ente arrecadatório, mas também viola o princípio da isonomia tributária. A mera existência de medida judicial, necessária devido à não observância, por parte da União, ao entendimento jurisprudencial consolidado e de observância obrigatória, coloca os contribuintes em uma posição delicada.

Eles se veem diante do risco de ter a autorregularização ou transação tributária rescindidas, perdendo todos os benefícios concedidos e enfrentando a cobrança imediata do valor integral do débito, acrescido de juros e multas moratórias.

Como verdadeira reprimenda, impõe-se uma discriminação entre contribuintes que desafiam o poder de tributar da União, buscando seus direitos constitucionais, e aqueles que, por temor à represália administrativa, acabam por assumir o ônus de tributos indevidos ou se expõem ao risco de uma enxurrada de autuações fiscais.

Considerando que o prazo de adesão à transação por adesão findará no dia 28 deste mês, bem como que o prazo de adesão à autorregularização para débitos apurados trimestralmente em 2023 encerrará no dia 31 de julho, torna-se imperativo avaliar o cenário de cada contribuinte, caso a caso, com foco na adoção de estratégias jurídicas.

O iminente risco de eventual rescisão de ambas as modalidades de acordo é uma realidade, cujo efeito catastrófico será não só o restabelecimento da cobrança, mas também a vedação, pelo prazo de dois anos, da formalização de nova transação sobre quaisquer débitos federais, ainda que não vinculados ao tema das subvenções.

Autores

  • é advogado e Líder de Consultivo e Contencioso Administrativo Tributário na Locatelli Advogados, especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT), bacharel em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, bacharel em Ciências Contábeis pela Trevisan e pesquisador do Núcleo de Estudos Fiscais da FGV/Direito.

  • é advogada e líder de Consultivo e Contencioso Administrativo Tributário na Locatelli Advogados, MBA em Gestão Tributária pela FIPECAFI, pós-graduada em Direito Tributário pela FGV/SP e bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP).

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