Opinião

Isenção de IR por moléstia grave e a contemporaneidade da doença

Autor

  • Josemar Tadeu Kloster

    é advogado sócio do escritório Jorge Ponsoni Anorozo & Advogados Associados bacharel em Direito pela Universidade Tuiuti Paraná MBA em advocacia empresarial pela Estação Business School especialista em Direito Processual Civil pelo Instituto de direito Romeu Felipe Bacelar e especialista em Direito Tributário e Processo Tributário pela faculdade Cers.

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26 de junho de 2024, 9h21

Os contribuintes que têm ou já tiveram moléstia grave são beneficiários permanentes da isenção do Imposto de Renda sobre os rendimentos de proventos de aposentadoria, pensão ou reserva/reforma no caso de militares, inclusive o 13° salário, a partir da data do diagnóstico comprovado da doença [1] [2].

As doenças graves que contemplam a isenção estão presentes no rol taxativo [3] do inciso XIV do artigo 6° da Lei 7.713/1988, e são elas:

“tuberculose ativa, alienação mental, esclerose múltipla, neoplasia maligna, cegueira, hanseníase, paralisia irreversível e incapacitante, cardiopatia grave, doença de Parkinson, espondiloartrose anquilosante, nefropatia grave, hepatopatia grave, estados avançados da doença de Paget (osteíte deformante), contaminação por radiação, síndrome da imunodeficiência adquirida.”

Também são abrangidos pela isenção por moléstia grave os rendimentos recebidos de entidades de previdência complementar da aposentadoria, reforma ou pensão, Fundos de Aposentadoria Programada Individual (Fapi) ou Programa Gerador de Benefício Livre (PGBL) e os valores recebidos a título de pensão em cumprimento de acordo ou decisão judicial ou por escritura pública.

Não é demais ressaltar, ainda, que o STF, recentemente, reconheceu a isenção de Imposto de Renda proveniente de pensão alimentícia pela ADI 5.422, ampliando os critérios de isenção para todos os valores percebidos a título de alimentos [4] [5].

Vale pontuar que a isenção não se aplica aos rendimentos do portador de moléstia grave oriundos de atividade laboral. A matéria já foi objeto de discussão no STJ no tema repetitivo 1.037, estando assente na jurisprudência que a isenção em comento se aplica apenas aos rendimentos de aposentadoria, pensão ou em caso de reserva/reforma de militares [6].

Requisição

Por seu turno, de acordo com a hipótese legal, para fazer jus a isenção, o beneficiário deve procurar o serviço médico da União, estados ou municípios e solicitar laudo médico oficial conforme preconiza o artigo 30 da lei 9.250/95 [7].

Por exemplo, para os aposentados pelo INSS, deve ser requerida a isenção de Imposto de Renda à própria autarquia (via app “Meu INSS”), que a partir da análise favorável de seus peritos médicos, emitirá o laudo correspondente, anotará o benefício em seu sistema e deixará de reter o imposto de renda na fonte, sendo cientificado, automaticamente, à Receita Federal a titularidade da isenção pelo contribuinte.

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Contemporaneidade da doença

Ocorre que no §1° do artigo 30 da Lei 9.250/1995 há previsão de que: “O serviço médico oficial fixará o prazo de validade do laudo pericial, no caso de moléstias passíveis de controle” (grifo do articulista). Com base em interpretação literal desse dispositivo, após decorrido o “prazo de validade”, as entidades previdenciárias têm solicitado exames atualizados aos segurados e, por vezes, têm negado a isenção do Imposto de Renda sob o fundamento de a doença não ser contemporânea ao pedido.

Em face dessa problemática, diversas demandas chegaram ao Poder Judiciário. Os contribuintes defendem que, uma vez acometidos por moléstia grave, haveria o direito adquirido à isenção de forma vitalícia, mesmo que não apresentem mais sintomas.

Súmula 627/STJ

Por sua vez, julgando o tema de isenção em caso de inexistência de sintomas atuais da moléstia grave no momento do pedido perante a entidade previdenciária, o Superior Tribunal de Justiça editou a Súmula nº 627, de DJe 17/12/2018, para consolidar que:

“O contribuinte faz jus à concessão ou à manutenção da isenção do imposto de renda, não se lhe exigindo a demonstração da contemporaneidade dos sintomas da doença nem da recidiva da enfermidade.” (grifo do articulista)

E mais, reafirmando o entendimento já consolidado, em junho de 2020 no REsp 1.836.364/RS sob a relatoria do ministro Napoleão Nunes Maia Filho, a corte especial julgou procedente a isenção sob os seguintes argumentos:

“DIREITO TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. ISENÇÃO DE IMPOSTO DE RENDA SOBRE PROVENTOS DE APOSENTADORIA. PARTE RECORRENTE ACOMETIDA POR CARDIOPATIA GRAVE. CONTEMPORANEIDADE DOS SINTOMAS. DESNECESSIDADE. SÚMULA 627/STJ. RECURSO ESPECIAL DO CONTRIBUINTE A QUE SE DÁ PROVIMENTO, A FIM DE JULGAR PROCEDENTES OS PEDIDOS INICIAIS.

(…)

  1. Não pairam dúvidas, por conseguinte, quanto ao diagnóstico da parte recorrente. O argumento utilizado pelas instâncias ordinárias para negar-lhe a isenção foi, somente, a inexistência de atualidade dos sintomas, em razão do sucesso no tratamento da cardiopatia, por meio de intervenção cirúrgica realizada em 2016.
  2. Diante do cenário delineado pelo aresto impugnado, percebe-se que este encontra-se em contrariedade com o entendimento deste Tribunal Superior. Afinal, conforme a Súmula 627/STJ, a contemporaneidade dos sintomas não é um dos requisitos para a concessão da isenção prevista no art. 6o., XIV da Lei 7.713/1988. Julgados: AgInt nos EDcl no REsp. 1.781.099/MG, Rel. Min. SÉRGIO KUKINA, DJe 29.4.2019; RMS 57.058/GO, Rel. Min. MAURO CAMPBELL MARQUES, DJe 13.9.2018; REsp. 1.706.816/RJ, Rel. Min. OG FERNANDES, DJe 18.12.2017
  3. O referido benefício independe da presença, no momento de sua concessão ou fruição, dos sintomas da moléstia, pois é de conhecimento comum que determinados males de saúde exigem, da pessoa que os teve em algum momento de sua vida, a realização de gastos financeiros perenes – relacionados, por exemplo, a exames de controle ou à aquisição de medicamentos.

(…)”

O posicionamento do STJ foi cirúrgico: não deve haver a exigência de demonstração de contemporaneidade da doença para que o contribuinte faça jus ao benefício de isenção, pois a intenção do legislador foi a de criar um benefício que acalentasse o impacto dos gastos suportados durante todo o processo de tratamento e também depois. Afinal, mesmo a recidiva da moléstia, em alguns casos, v.g., o câncer ou a cardiopatia grave, os contribuintes continuam a fazer acompanhamentos periódicos, suportando gastos perenes com consultas, exames de controle e tratamentos de manutenção.

Não obstante, mesmo após o posicionamento em precedentes consolidados na Súmula 627/STJ, não são raras as vezes que as entidades previdenciárias, em seus respectivos processos administrativos, exigem a apresentação de exames atuais para comprovar a contemporaneidade das doenças graves que algumas vezes foram tratadas há anos, mas que o contribuinte busca em atraso o direito a essa isenção.

Confusão

Com efeito, há confusão por parte das entidades previdenciárias entre a fixação de prazo no laudo emitido por serviço médico oficial e a exigência de contemporaneidade da doença para tanto. Igualmente, sequer prospera o posicionamento de que passado o prazo do laudo há que ser revogada a isenção, sendo ilegal a imposição de que o contribuinte passe por nova perícia — na qual, em não sendo diagnosticada a contemporaneidade da doença, o laudo fatalmente é negado [8] [9].

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Tal posicionamento, contudo, não afasta o direito do contribuinte, até mesmo porque há entendimento sumulado no âmbito do STJ de que exames e declarações de médicos especialistas particulares são documentos idôneos e suficientes para com provar e conceder a isenção por moléstia grave [10] — sendo desnecessário, portanto, o laudo do serviço médico oficial.

Portanto, está equivocada a interpretação de que a isenção de imposto de renda pessoa física deve ser contemporânea ao pedido de laudo oficial e da respectiva isenção, uma vez que, o benefício é perene e não toma por pressuposto a existência perpetuada da doença grave, bastando que o contribuinte tenha diagnosticada a moléstia grave para fazer jus à isenção irrevogável. Ainda assim, como a súmula 627/STJ não tem efeito vinculante e não há julgamento sob a sistemática dos repetitivos sobre a matéria, o contribuinte segue tendo negado administrativamente o direito à isenção, sendo obrigado a procurar guarida no Poder Judiciário.

Sugestão

Essa problemática poderia ser resolvida com a alteração legislativa do artigo 30 da Lei 9.250/95, retirando-se do texto da norma a imposição de consignação de validade do laudo médico oficial. Afinal, se a isenção não exige contemporaneidade, a necessidade de se estipular prazo no laudo médico somente confunde o serviço médico oficial, que pelo princípio da legalidade estrita continua interpretando restritivamente o texto legal [11] — em contrariedade ao princípio da eficiência administrativa (artigo 37, CF).

 


[1] BIANCO, Francisco. Coordenador. Regulamento de Imposto de Renda: RIR: 2019, anotado e comentado. 22ª ed. Atual. São Paulo, editora Thomson Reuters Brasil, 2019. p. 85.

[2] Art. 6°, IV, da Lei nº 7.713, de 22 de dezembro de 1988.

[3] Tema repetitivo 250/STJ – tese firmada de que o rol de moléstias graves constante do art. 6º, XIV, da Lei 7.713/88 é taxativo.

[4] https://www.gov.br/receitafederal/pt-br/assuntos/meu-imposto-de-renda/preenchimento/molestia-grave.

[5] ADI 5422: “5. Alimentos ou pensão alimentícia oriundos do direito de família não se configuram como renda nem proventos de qualquer natureza do credor dos alimentos, mas montante retirado dos acréscimos patrimoniais recebidos pelo alimentante para ser dado ao alimentado. A percepção desses valores pelo alimentado não representa riqueza nova, estando fora, portanto, da hipótese de incidência do imposto.”

[6]  Tema 1.037/STJ: Questão submetida a julgamento: Incidência ou não da isenção do imposto de renda prevista no inciso XIV do artigo 6º da Lei n. 7.713/1998 sobre os rendimentos de portador de moléstia grave que se encontra no exercício de sua atividade laboral. Tese Firmada: Não se aplica a isenção do imposto de renda prevista no inciso XIV do artigo 6º da Lei n. 7.713/1988 (seja na redação da Lei nº 11.052/2004 ou nas versões anteriores) aos rendimentos de portador de moléstia grave que se encontre no exercício de atividade laboral.

[7] Art. 30. A partir de 1º de janeiro de 1996, para efeito do reconhecimento de novas isenções de que tratam os incisos XIV e XXI do art. 6º da Lei nº 7.713, de 22 de dezembro de 1988, com a redação dada pelo art. 47 da Lei nº 8.541, de 23 de dezembro de 1992, a moléstia deverá ser comprovada mediante laudo pericial emitido por serviço médico oficial, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. § 1º O serviço médico oficial fixará o prazo de validade do laudo pericial, no caso de moléstias passíveis de controle.

[8] TRF-3 – ApCiv: 50128461120194036100 SP, relator: VALDECI DOS SANTOS, Data de Julgamento: 30/06/2023, 6ª Turma, data de publicação: Intimação via sistema DATA: 4/7/2023.

[9] TRF-3 – RemNecCiv: 5007568-28.2021.4.03.6110 SP, relator: ADRIANA PILEGGI DE SOVERAL, Data de Julgamento: 11/12/2023, 3ª Turma, data de publicação: Intimação via sistema DATA: 13/12/2023.

[10] Súmula 598/STJ: É desnecessária a apresentação de laudo médico oficial para o reconhecimento judicial da isenção do imposto de renda, desde que o magistrado entenda suficientemente demonstrada a doença grave por outros meios de prova. (SÚMULA 598, 1ª SEÇÃO, julgado em 08/11/2017, DJe 20/11/2017).

[11] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 30ª ed. Rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense, 2017. p. 1.072.

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