Opinião

Convênio ICMS nº 226/2023 e sua internalização pelo estado de SP reconhecida pela Judiciário

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25 de junho de 2024, 16h22

O Código Tributário Nacional elege os convênios firmados entre os entes federados como normas complementares da legislação tributária (CTN, artigo 100, IV).

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Em matéria de ICMS, a responsabilidade por firmar convênios que tratem sobre a concessão ou revogação de isenções, incentivos e benefícios é do Conselho Nacional de Política Fazenda (Confaz) (CF, artigo 155, II, § 2º, XII, g, e LC nº 24/75), formado pelos Secretários de Fazenda, Finanças, Economia, Receita ou Tributação dos Estados e do Distrito Federal.

Esses convênios de ICMS, após celebrados, precisam ser ratificados ou rejeitados pelo Poder Executivo de cada unidade da federação no prazo de 15 dias de sua publicação no Diário Oficial da União (LC nº 24/75, artigo 4º).

Internalização dos Convênios de ICMS e o entendimento do STF

Além da ratificação, para que um determinado convênio de ICMS tenha efeitos no âmbito de um ente federado, é necessário que ele o submeta à aprovação da casa legislativa respectiva.

Após a aprovação do convênio pela Assembleia Legislativa de cada unidade da federação é que se considera que ele foi “internalizado”. Vale dizer, integrado ao ordenamento jurídico estadual ou distrital. É nesse sentido o atual posicionamento do Supremo Tribunal Federal:

CONCESSÃO INCENTIVO FISCAL DE ICMS. NATUREZA AUTORIZATIVA DO CONVÊNIO CONFAZ. 1. PRINCÍPIO DA LEGALIDADE ESPECÍFICA EM MATÉRIA TRIBUTÁRIA. 2. TRANSPARÊNCIA FISCAL E FISCALIZAÇÃO FINANCEIRA-ORÇAMENTÁRIA. 1. O poder de isentar submete-se às idênticas balizar do poder de tributar com destaque para o princípio da legalidade tributária que a partir da EC n.03/1993 adquiriu destaque ao prever lei específica para veiculação de quaisquer desonerações tributárias (art.150 §6º, in fine). 2. Os convênios CONFAZ têm natureza meramente autorizativa ao que imprescindível a submissão do ato normativo que veicule quaisquer benefícios e incentivos fiscais à apreciação da Casa Legislativa. 3. A exigência de submissão do convênio à Câmara Legislativa do Distrito Federal evidencia observância não apenas ao princípio da legalidade tributária, quando é exigida lei específica, mas também à transparência fiscal que, por sua vez, é pressuposto para o exercício de controle fiscal-orçamentário dos incentivos fiscais de ICMS. 4. Ação Direta de Inconstitucionalidade julgada improcedente.

(ADI 5929, Relator Exmo. Sr. Dr. Min. Edson Fachin, Tribunal Pleno, julgado em 14-02-2020, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-047, Divulgado em 5/3/2020, Publicado em 6/3/2020)

A legislação paulista, por sua vez, estabelece que a Assembleia Legislativa tem o prazo de 15 dias contados da publicação no Diário Oficial do Estado do decreto estadual que ratificar um convênio de ICMS para aprová-lo ou rejeitá-lo, devendo ser considerado o decreto ratificado tacitamente na hipótese de a casa legislativa não se manifestar no referido prazo (Lei Estadual nº 17.293/2020, art. 23).

Internalização do Convênio ICMS nº226/23 por SP por meio do Decreto Estadual 68.305/2024

Em 21 de dezembro de 2023, foi celebrado o Convênio ICMS nº 226, que prorrogou o prazo de diversos benefícios fiscais relativos a mercadorias que, dada a sua relevância e/ou essencialidade, vêm há anos sendo concedidos.

Esse Convênio ICMS nº 226/2023 foi expressamente ratificado pelo Decreto do Estado de São Paulo nº 68.305, de 16 de janeiro de 2024.

E como a Assembleia paulista não se manifestou sobre o referido decreto, ele foi ratificado tacitamente, restando, portanto, internalizado no âmbito do estado de São Paulo.

Posteriormente ao Decreto Estadual nº 68.305/24, o governador paulista ainda expediu o Decreto Estadual nº 68.492/24, que alterou o Regulamento de ICMS (Decreto nº 45.490/00) para nele constar expressamente a prorrogação de apenas parte dos benefícios previstos no Convênio de ICMS nº 226/23.

Ilegalidade do Comunicado SRE nº 6/2024

Para total surpresa dos contribuintes, o secretário da Receita expediu o Comunicado SRE nº 6/2024, dispondo que aqueles benefícios previstos no Convênio ICMS nº 226/23 que não constaram do Decreto nº 68.492/24 não teriam sido prorrogados.

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Ou seja, o referido comunicado simplesmente ignorou o Decreto Estadual nº 68.305/24, o qual, como apontado acima, internalizou integralmente o Convênio ICMS nº 226/23 e permanece vigente, sem qualquer revogação.

Note-se que o fato de o Decreto Estadual nº 68.492/24 ter alterado o regulamento de ICMS para fazer referência expressa a apenas alguns itens do Convênio ICMS nº 226/23, não significa que ele revogou parcialmente o anterior Decreto Estadual nº 68.305/24. Até porque, do contrário se estaria admitindo que após a submissão do decreto de internalização à Assembleia Legislativa, o Executivo pudesse dar um “drible” na casa legislativa revogando a norma ratificada por um posterior decreto que não se sujeitou ao Legislativo.

Ainda, na medida em que o Convênio ICMS nº 226/23 foi integralmente internalizado, a sua revogação somente poderia se dar via Confaz, e por meio de decisão qualificada (aprovação de quatro quintos dos representantes presentes — LC nº 24/75, artigo 2º, § 2º).

Outrossim, não há na Legislação qualquer exigência de que após a internalização, os entes federados tenham que alterar expressamente os seus regulamentos de ICMS para que os convênios passem a surtir efeitos.

Portanto, o Comunicado SRE nº 6/2024 é totalmente equivocado e viola o direito de os contribuintes usufruírem dos benefícios previstos no Convênio ICMS nº 226/23 e que foram internalizados no âmbito do estado de São Paulo pelo Decreto Estadual nº 68.305/24, que restou tacitamente ratificado pela Assembleia Legislativa.

E esse tema já tem sido levado pelos contribuintes ao Judiciário!

Primeira vitória dos contribuintes no Judiciário

Por meio de recente sentença, o Juízo titular da 15ª Vara da Fazenda Pública do Estado de São Paulo, nos autos do Mandado de Segurança nº 1032404-88.2024.8.26.0053, em atenção à hierarquia das normas, e, ao entendimento do STF quanto a internalização de benefícios fiscais pelos entes federados, reconheceu a ilegalidade do Comunicado SRE nº 6/2024, em especial, por não ter densidade normativa suficiente para revogar o Decreto Estadual nº 68.305/24, concedeu a segurança a uma indústria do ramo de fabricação de preservativos, para que ela usufrua da isenção do ICMS até 30/4/2026, tal como previsto no Convênio ICMS nº 226/23.

Trata-se de precedente inédito e que poderá servir a outros contribuintes para que busquem no Judiciário uma decisão que lhes assegurem os benefícios fiscais previstos no Convênio ICMS nº 226/23 (operações com bulbo e cebola, moluscos, aviões, bola de ação, refeição, alho, entre outros).

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