Opinião

A Receita Federal não se importa com o meio ambiente

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25 de junho de 2024, 6h30

Chocante o título, não? Mas é o que se observa de uma análise comparativa entre as Soluções de Consulta Cosit nº 55/2023 e nº 11/2024: a Receita Federal não tem consciência ambiental.

As soluções de consulta em questão foram elaboradas pela Receita para responder dúvidas dos contribuintes sobre a tomada de créditos de PIS/Cofins em gastos com descarte de resíduos (SC nº 55/2023) e com reciclagem e logística reversa de embalagens (SC nº 11/2024).

Na Solução de Consulta Cosit nº 55/2023, a Receita reconheceu a possibilidade de uma prestadora de serviços laboratoriais tomar créditos de PIS/Cofins sobre o descarte de resíduos hospitalares e químicos, desde que seja obrigada por lei a dar um tratamento específico para esse descarte, a fim de se evitar danos ambientais.

O leitor desavisado logo pensa: “mas como a Receita Federal não se importa com o meio ambiente, se ela está reconhecendo o crédito na Solução de Consulta Cosit nº 55/2023 em descarte com tratamento específico para se reduzir o impacto ambiental?”.

A princípio, é uma provocação pertinente. Mas veja que está sendo considerada uma despesa que pretende eliminar materiais, sem qualquer tipo de reaproveitamento. Nada autossustentável! É bem verdade que o reaproveitamento de resíduos químicos e hospitalares é inimaginável, de forma que não seria possível se exigir uma postura autossustentável. Mas quando o aspecto “autossustentável” entra em jogo, a postura da Receita é outra!

De fato, na Solução de Consulta Cosit nº 11/2024, a Receita Federal afastou a possibilidade de uma indústria tomar créditos sobre os gastos com reciclagem de embalagens e com a operação criada para incentivar a logística reversa dos clientes na devolução das embalagens vazias. Essa indústria realiza torrefação e moagem de café e fabrica laticínios e é obrigada pela Lei de Resíduos Sólidos a arcar com a recuperação de materiais danosos ao meio ambiente.

No entendimento do Fisco, as atividades de reciclagem e logística reversa das embalagens que serão reaproveitadas no processo não são compatíveis com as atividades de torrefação e moagem de café, nem com a fabricação de laticínios, não sendo possível considerar tais despesas como insumos da atividade.

Em análise comparativa das duas soluções de consulta, basicamente o entendimento da Receita Federal é no sentido de que o descarte, sem qualquer reaproveitamento, gera crédito; enquanto a reciclagem e a logística reversa, em que se reaproveita os materiais, não gera crédito.

A justificativa do Fisco para não aceitar os créditos sobre reciclagem e logística reversa é inaceitável — no sentido de que as despesas não fazem parte do processo produtivo. Por essa lógica, apenas as empresas que existem com o escopo específico de realizar logística reversa e reciclagem é que podem tomar crédito sobre os gastos da operação.

Reaproveitamento de embalagem devem ser insumos

Ora, no cenário do contribuinte da Solução de Consulta Cosit nº 11/2024, as embalagens utilizadas fazem parte, sim, do processo produtivo, mais especificamente da etapa final do processo daquela indústria de café e laticínios. Isso porque, sem o envasamento em recipientes adequados, o café e os laticínios não podem ser comercializados.

Não é difícil se realizar o teste de subtração das embalagens nesse processo produtivo para se concluir que são essenciais, e, portanto, insumos daquele processo produtivo. A partir desse raciocínio, as operações realizadas para se reaproveitar essas embalagens devem ser consideradas insumos também, já que inserem novamente aquelas embalagens dentro do processo.

E se a empresa tem gastos, obrigatórios por lei, para tornar cíclica a utilização de um percentual de suas embalagens, não há dúvidas de que esses gastos devem ser considerados como insumos do processo produtivo daquele contribuinte. Nesse caso, o gasto é considerado insumo também pelo critério da relevância, eis que decorre de obrigação legal, conforme jurisprudência do STJ sobre o conceito de insumo.

Nada contra os créditos reconhecidos ao contribuinte da SC nº 55/2023 — que também são plenamente legítimos —, mas há uma incoerência absurda em se concluir que a destruição dos resíduos faz parte do processo produtivo daquele contribuinte que realiza exames ambulatoriais e concluir, de forma diametralmente oposta, que reciclagem e logística reversa de embalagens para uma indústria de café e laticínios não faz parte daquele processo produtivo.

Nos dois cenários, os gastos representam a parte final do processo, com a legítima ressalva de que, no caso da reciclagem e logística reversa, o gasto reinsere os materiais no processo, tornando-o sustentável e afetando ainda menos o meio ambiente, ao passo que o gasto com destruição apenas elimina o material, sem qualquer reaproveitamento.

Veja que não se trata de uma simples discussão acerca da essencialidade ou não daquele gasto, ou se esses gastos decorrem de obrigação legal (ambos efetivamente decorrem). Trata-se, na verdade, de conclusões sobre se aquele gasto faz parte ou não do processo produtivo.

É óbvio que o título e a introdução do presente artigo visam a provocar, e que não se entende que falte consciência ambiental à Receita Federal. Mas as conclusões diametralmente opostas para situações semelhantes — de gastos ao final dos processos produtivos — revelam uma incoerência inaceitável do Fisco, que deve ser corrigida espontaneamente por aquele órgão, sob pena de macular sua reputação em políticas de ESG.

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