Opinião

Visual Law: o que é e o que não é

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24 de junho de 2024, 21h51

Visual law é o uso de imagens e outros recursos visuais para melhor transmitir mensagens na área do direito. Apesar do seu enorme potencial de aumentar o acesso à Justiça, o instrumento vem sendo utilizado no meio jurídico de forma equivocada e que foge à sua ideia original. Neste texto, trataremos brevemente do que é e do que não é visual law. O propósito é entender de onde vem e para que serve o instituto, para que se reflita sobre o seu uso adequado.

O visual law é uma subárea do legal design, movimento que nasceu entre 2010 e 2015, na Universidade de Stanford, nos Estados Unidos [1].  O legal design tem por objetivo elaborar produtos e serviços, como sites, propagandas e programas de computação, que facilitem a transmissão de mensagens jurídicas. Já o visual law, como parte do legal design, é o uso de recursos visuais com a finalidade de facilitar o entendimento, pelo leigo, de mensagens jurídicas escritas.

O propósito maior do visual law é ampliar o acesso à Justiça, estreitando as relações entre o cidadão e o sistema jurídico [2]. A ideia partiu da percepção de que a linguagem jurídica é muito específica e de difícil entendimento, de modo que muitas vezes o usuário tem dificuldades de utilizar serviços simples, como requisição de documentos, navegação em sites de órgãos públicos e busca de informações sobre processos.

Visando ao objetivo de facilitar o entendimento do cidadão, o visual law está na mesma linha do movimento linguagem simples [3]. Enquanto o “Linguagem Simples” defende o uso de palavras conhecidas e concretas e de frases curtas [4], o visual law se utiliza de imagens e recursos gráficos, ambos com foco na empatia com o usuário e com vistas a ampliar o acesso à Justiça.

O visual law é hoje usado, nos Estados Unidos, em websites de órgãos públicos, centrais de atendimento nos fóruns (help desks), cartazes e panfletos que auxiliam o usuário da Justiça a entender e encontrar o que procura. O visual law também é utilizado em sites de escritórios, para melhor divulgar os serviços aos clientes, bem como em contratos, facilitando o entendimento do leigo que irá assiná-lo.

No Brasil, o visual law chegou há poucos anos e já está sendo estudado e utilizado por vários órgãos públicos e empresas. Ocorre que os  operadores do direito, motivados pela novidade e pela facilidade tecnológica, passaram a se utilizar de um pretenso visual law para incluir recursos visuais nas peças processuais de uma forma que, ao nosso ver, desvirtua o instituto e corresponde ao seu mau uso.

Spacca

É verdade que o visual law pode ser usado dentro de processos judiciais, como já ocorre em sua origem, nos EUA. Naquele país usa-se em apresentações ao júri, em sustentações orais e, em situações muito específicas, dentro de petições, para substituir uma argumentação que seja melhor explicada visualmente do que por palavras [5]. O que se tem visto no Brasil, contudo, não é a substituição de palavras ou o uso de recursos visuais para facilitar a compreensão dos argumentos jurídicos e sim verdadeiro mau uso do visual law.

Como exemplos do desvirtuamento do visual law podemos citar o uso indiscriminado de estilos e cores de fontes diferentes dentro do mesmo texto; uso de folhas coloridas; inclusão de quadros, QR codes, figurinhas e fotos, que na verdade são parte da prova, no meio do texto da petição.

Origem

Ora, como já esclarecido, o visual law nasceu Estados Unidos e, assim, é importante que estudemos o instituto à luz do que lá ocorre. Curiosamente, naquele país, as cortes têm regras rígidas quanto à formatação das petições, especificando cor, tamanho e tipo de fonte, bem como número máximo de páginas [6].

O visual law é, sim, lá amplamente usado, porém convive com essa rigidez dentro do processo. A maioria das cortes adota inclusive formulários no lugar de petições para padronizar ainda mais os textos [7]. Como se vê, no país de origem não se admite a liberdade de cores, formas e estilos, pelo simples motivo de isso não é visual law.

É certo que no Brasil não existem regrais rígidas que estabeleçam formatação das petições em processos judiciais. Isso porque, até pouco tempo atrás, o uso de recursos gráficos nem era possível, já que as petições eram datilografadas ou até manuscritas. Hoje, contudo, já existem propostas de regulamentação da forma das peças processuais para que se garanta a celeridade do processo.

Verdade que o tema causa estranheza e muitas vezes repulsa, sob a tese de que a formatação das peças é de livre escolha do profissional. Assim, para que se evite a regulamentação, é importante que os operadores do direito reflitam sobre o que usar e o que não usar em suas redações.

Para que se decida sobre o uso ou não dos recursos visuais, antes é preciso entender a origem do visual law, pelo que se recomenda a leitura de textos a respeito. Após compreender o instituto, o operador do direito deve refletir sobre dois aspectos para verificar se o uso do recurso visual é ou não adequado: a quem se dirige a petição e a finalidade da imagem.

Quanto à primeira reflexão, vale lembrar que as petições jurídicas se dirigem ao juiz ou ao agente administrativo com poder decisório e que estes interlocutores não são leigos. Relembrando, usa-se o visual law por exemplo em cartazes, sites ou panfletos em que um órgão público pretende passar ao cidadão informações de fácil acesso. Justifica-se também o uso do visual law em apresentações para o júri leigo, já que a imagem é mais persuasiva e convence de forma mais rápida do que palavras [8].

Também é adequado o uso do visual law em sustentações orais, quando a matéria é estritamente técnica. Nada disso ocorre, contudo, na maioria das petições administrativas e judiciais. Primeiro, porque elas se dirigem ao julgador e não a um leigo, vez que no Brasil o juri é exceção. O juiz, por sua vez, procura não apresentações bonitas e coloridas e sim uma boa argumentação, técnica e objetiva.

Quanto às partes, é verdade que elas têm direito de entender o processo, o que também não justifica o uso de tantas cores, figuras e fotos. Como já dito, as petições se direcionam ao julgador e não têm a função de impressionar o cliente. Para o bom entendimento da parte, deve o operador do direito usar outro recurso: a linguagem simples. Esta atende não só ao interesse das partes mas também beneficia o julgador, que de forma mais clara entenderá o caso. Já o abuso dos recursos visuais dentro das petições, na verdade, ao contrário de facilitar a leitura, cansa o julgador, dificulta a compreensão do que realmente está sendo pedido e, com isso, muitas vezes impede e não amplia o acesso à Justiça.

Facilitar o entendimento do texto

Quanto à finalidade do uso do recurso visual, reiteramos que o visual law tem por objetivo tornar mais fácil o entendimento do texto. Assim, o uso de imagens é adequado quando facilitar o contar de uma história e não simplesmente para ilustrar o texto. Toda vez que for necessário muito texto além da imagem, deve-se pensar novamente em quem é o destinatário da petição e se a imagem irá acrescentar algo ou apenas aumentar o texto e torná-lo cansativo.

Vale lembrar ainda que a prova documental deve ser juntada em apartado e não dentro da petição. A inserção de fotos de todas as provas dentro da petição torna o texto tumultuado, confuso e longo sem necessidade. É inclusive arriscado anexar a imagem no texto, pois isso pode fazer com que o juiz tenda a pular a imagem e ir logo ao texto, desconsiderando o que seria uma prova importante [9].

Ademais, a produção da prova documental está regulamentada no nosso Código de Processo Civil, nos artigos 434 e seguintes, e em nenhum deles há previsão de que possa ser o documento incluído no corpo das petições. Ao contrário: o caput do artigo 434 diz que à parte incumbe “instruir a petição inicial ou a contestação com os documentos destinados aprovar suas alegações”, ou seja, os documentos devem ser apresentados em anexo e não no corpo da inicial ou da defesa.

Ressalte-se que não se está aqui condenando o visual law. Com o avanço da tecnologia, é inevitável o uso de imagens e outros recursos visuais. Há riscos, contudo, do seu mau uso, como por exemplo  o perigo de uma visão única (sob o ângulo exclusivo de quem tirou a foto) e o risco de se trocar a profundidade do texto pela superficialidade de imagens, sacrificando a boa argumentação [10]. No entanto, apesar dos riscos, existem boas razões para o uso dos recursos visuais, porém com cautela.

Em breve conclusão, observamos que o visual law é instrumento importante de acesso à Justiça e está na mesma linha da linguagem simples. O visual law, contudo, não é o mero uso de caracteres especiais, fontes coloridas e imagens dentro das petições. Antes de se utilizar de recursos visuais em suas peças jurídicas, o operador do direito deve primeiro entender a finalidade do visual law e refletir se o uso é ou não adequado no caso concreto.

Não se pode simplesmente importar o instituto sem entender o que ele de fato representa. Devemos cuidar para que um bom instrumento não se banalize e evitar que o seu mau emprego acarrete regulamentações restritivas ou até impeça o seu uso. Estamos, sim, no início de uma nova era tecnológica e cheia de recursos. Contudo, como bons operadores do direito, é preciso estudar, observar, e não apenas replicar práticas sem entendê-las. Após entender o que é e o que não é visual law, podemos, sim, usar o instrumento. Usar, contudo, com parcimônia; como tudo na vida.

 


[1] Legal Design Lab: https://www.legaltechdesign.com/

[2] HAGAN, Margaret. Participatory Design for Innovation in Access to Justice. Daedalus, v.148, 2019, p.121. Disponível em:  https://ssrn.com/abstract=3377746

[3] Pacto Nacional do Judiciário pela Linguagem Simples, CNJ, disponível em https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2023/11/pacto-nacional-do-judiciario-pela-linguagem-simples.pdf

[4] FISCHER, Heloísa. Clareza em textos de e-gov, uma questão de cidadania.

Rio de Janeiro, 2017. Disponível em https://bibliotecadigital.seade.gov.br/view/linkPdf.php?pdf=10046359-1.pdf

[5] Discutindo o uso adequado de imagem no caso Apple Inc. v. Samsung Eletronics Co. ver MURRAY, Michael D., The Ethics of Visual Legal Rhetoric. Legal Communication & Rhetoric – JALWD / vol. 13, 2016,  p. 133.

[6] Exemplos:  Lei Federal de Procedimento nas Apelações – FRAP, Rule 32, disponível em https://www.law.cornell.edu/rules/frap/rule_32 , e Regras das Cortes Estaduais da Califórnia – 2024 California Rules of Court, Rule 8.204, disponível em https://www.courts.ca.gov/cms/rules/index.cfm?title=eight&linkid=rule8_204

[7] Exemplos de formulários: https://www.courts.ca.gov/forms.htm https://ww2.nycourts.gov/forms/supreme/index.shtml

[8] MURRAY,  op. cit., p. 123.

[9] Idem, p. 140.

[10] PORTER, Elizabeth G., Taking images seriously. 114 Colum. L. Rev., 2014, p. 1694.

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