Opinião

Ninguém joga pedras em uma árvore sem fruto

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21 de junho de 2024, 13h23

O poeta persa Saadi Shirazi, numa das histórias de sua obra “Jardim de Rosas” (“Gulistão”), narra o episódio em que recorreu a um governante para reparar a injustiça causada por um mal-entendido. Tendo obtido sucesso na questão, usou uma metáfora para agradecer ao soberano e desculpar-se pelo incômodo; é que, afinal, justificou-se Saadi, “ninguém joga pedras em uma árvore sem fruto”, ou seja, só se atrevia a incomodá-lo porque sabia haver chance de êxito.

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Ao longo dos séculos, a frase, porém, ganhou outra conotação pelo uso popular: a de que só são alvos de ataques aqueles que agem, que produzem, que têm opinião e a expressam (“só se atira pedras na árvore que dá frutos”).

A frase de Saadi, em seus dois sentidos, original e popular, adequa-se às recentes críticas dirigidas ao ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal.

Ainda movidos por aparente inconformismo com o tratamento que segmentos políticos da operação “lava jato” têm merecido por parte do Poder Judiciário, sobretudo após serem reveladas as relações incestuosas entre juiz e acusação, os censores do ministro desfiam críticas a suas recentes decisões envolvendo a famigerada operação; mais do que isso, buscam resumir seus quase 15 anos de Corte aos últimos 12 meses.

Desde que assumiu uma cadeira no STF, em 2009, o ministro Toffoli sustentou posições emblemáticas, como a derrubada de decreto que segregava alunos com deficiência em escolas especiais, reafirmando o compromisso do Brasil com a educação inclusiva; contra o chamado “direito ao esquecimento”, a proibição de divulgação de informações sobre eventos passados, tendo defendido a liberdade de expressão e o acesso à informação como pilares da democracia; ou ainda a de considerar inconstitucional a tese da legítima defesa da honra em casos de feminicídio, eliminando essa justificativa odiosa e arcaica da ordem jurídica brasileira.

Mesmo sua decisão, tanto polemizada, de determinar a abertura do chamado “inquérito das fake news” para investigar a disseminação de notícias fraudulentas e ameaças contra o STF, se mostrou acertada, pois já mirava o germe do golpismo de janeiro 2022, revelado pelas investigações que se surgiram ao fatídico 8 de Janeiro.

Críticas irascíveis

Spacca

Apesar dessas e tantas outras contribuições significativas, Toffoli continua a ser alvo de críticas irascíveis, as quais miram também sua índole conciliadora, como se fosse algo negativo, esquecendo-se que a função precípua do Poder Judiciário e, por decorrência, do juiz, é buscar a pacificação social.

No entanto, esses ataques são, em grande parte, uma reação às suas ações decisivas e corajosas que, embora impopulares para alguns, são essenciais para a defesa da justiça e da democracia.

A trajetória de Dias Toffoli ilustra como o verdadeiro impacto de um líder judicial não se mede pela ausência de controvérsias, mas pela capacidade de tomar decisões contramajoritárias sem se ater a rótulos ou perfis ideológicos. Suas contribuições para o sistema jurídico brasileiro, embora muitas vezes contestadas, são resultado de um compromisso inabalável com a Constituição e os direitos fundamentais.

Em última análise, as pedras lançadas contra ele são o testemunho de sua relevância e do impacto de suas decisões. Como o governante que inspirou a alegoria de Saadi, Toffoli dispensa sua atenção e recepciona argumentos contrários a questões tidas como resolvidas (pelo menos para o clamor público), ainda que sob a constante pressão de críticas e ataques. Na dura tarefa de pertencer à cúpula do Poder Judiciário e desta forma moldar e influenciar o cenário jurídico brasileiro, não seriam essas características fundamentais de um juiz?

 

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