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Consultor Jurídico

AGU defende competência exclusiva do Congresso para regulamentar aborto legal

21 de junho de 2024, 7h50

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A Advocacia-Geral da União enviou nesta quarta-feira (19/6) ao Supremo Tribunal Federal manifestação na qual defende que a regulamentação do procedimento para realização do aborto nas situações permitidas por lei só pode ser feita pelo Congresso, sendo vedada tal iniciativa a conselho profissional.

Para AGU, CFM não pode restringir aborto legal, pois é competência exclusiva do Congresso

A manifestação com o entendimento sobre o assunto foi juntada aos autos da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 1.141, proposta pelo Psol. A agremiação pede ao STF a declaração de inconstitucionalidade da Resolução 2.378/2024 do Conselho Federal de Medicina (CFM).

O ato do conselho proíbe, na prática, que médicos realizem a chamada assistolia fetal nos casos de aborto legal em mulheres que sofreram estupro e estão com gestação acima de 22 semanas. A assistolia fetal é uma técnica médica recomendada pelo Ministério da Saúde e internacionalmente que utiliza medicações para interromper a gravidez antes da retirada do feto do útero, especialmente naquelas de tempo gestacional avançado.

A constitucionalidade da resolução foi questionada pelo Psol sob o argumento de que o ato restringe a liberdade científica e o livre exercício profissional dos médicos, dentre outros aspectos. O partido também sustenta que a norma viola direitos fundamentais de meninas e mulheres, submetendo-as à manutenção de gravidez compulsória ou à utilização de técnicas inseguras para o aborto o que, em grande parte dos casos, resulta na morte das gestantes.

Princípio da legalidade

Em sua manifestação, a AGU se posiciona pela declaração de inconstitucionalidade do ato, e argumenta que o CFM violou o princípio da legalidade previsto na Constituição Federal, regulamentando matéria que somente poderia ser disciplinada por lei, ou seja, pelo Congresso Nacional. “No caso dos autos (a resolução) pretendeu, ainda que disfarçadamente, alterar a disciplina legal sobre a questão do aborto. Tal limitação somente seria possível por meio de lei formal. E essa é uma atribuição do Congresso Nacional, nunca de um conselho profissional”.

Sustenta, ainda, que o ato resultante do “abuso do poder regulamentar do conselho” inviabiliza, na prática, o exercício do direito ao aborto legal para vítimas de violência sexual, instituindo limite não previsto no Código Penal e não autorizado pela Constituição. “Sob o enfoque estritamente jurídico, e sem adentrar em questões políticas, morais, filosóficas ou religiosas que dividem a sociedade brasileira nesse específico tema, o ato impugnado revela-se inconstitucional”.

No entendimento da AGU, cabe aos órgãos da administração pública apenas implementar políticas para atender ao que determina a legislação, “sem pretensão de modificá-la, estendendo ou reduzindo seu alcance (o que demandaria nova deliberação legislativa)”.

Ponderação de valores

Na peça encaminhada ao STF, a AGU também lembra que aborto é crime no Brasil, mas que a própria legislação prevê as chamadas excludentes de ilicitude, ou seja, situações em que a prática de determinado ato que, em princípio, seria considerado crime não o é. Recorda que Código Penal (artigo 128, inciso II) elenca apenas três requisitos para a incidência da excludente de ilicitude do aborto: que o ato seja realizado por médico; que a gravidez seja decorrente de estupro; que haja o consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal.

Para a Advocacia-Geral, a ponderação de valores feita pelo legislador entre os direitos da mulher violentada e os do feto nas hipóteses de aborto já foi realizada pelo Congresso Nacional quando da decretação da lei (Código Penal), há mais de 60 anos. “Todos que, de uma forma ou de outra, vejam-se diante da delicada questão do aborto (gestantes, médicos, juízes e, claro, Conselhos Regionais e Federal de Medicina) hão de seguir a legislação brasileira em vigor .No caso específico da gravidez decorrente de estupro, a lei preserva o direito de escolha da mulher, não atentando para a viabilidade ou inviabilidade do feto”, destaca o texto.

Na manifestação, a AGU assinala que o CFM, no lugar de buscar a correção ética dos médicos nos procedimentos de aborto legal, realizou por meio da resolução ponderação de valores diversa da prevista em lei, sem prever alternativa médica substitutiva à assistolia fetal para viabilizar a interrupção da gravidez. O objetivo do ato, segundo a AGU, foi “a manutenção da gravidez resultante de estupro, ainda que em prejuízo da liberdade e da saúde da gestante”.

A Advocacia-Geral também alerta na manifestação que o ato do CFM cria um precedente perigoso. “Conselhos profissionais poderão, abusando do poder de regulamentar a profissão, que lhes é legalmente confiado, criar embaraços e tentar impedir políticas públicas previstas em lei ou, pior, formular e propor novas políticas públicas sem previsão em lei”, ressalta.

A ação

A ADPF no âmbito da qual é discutida a constitucionalidade da resolução do CFM está sob a relatoria do ministro Alexandre de Moraes, que concedeu medida cautelar em favor do partido autor da ação, suspendendo, até análise do mérito pelo plenário da Corte, os efeitos do ato.

No processo consta a informação de que, no Brasil, o aborto é proibido por lei, mas a própria legislação traz exceções em que o procedimento é autorizado: nos casos de gestação resultante de estupro ou se houver risco à vida da gestante caso ela mantenha o feto. Há uma terceira situação em que o aborto também é autorizado no país em razão de decisão definitiva do STF: os casos de fetos anencéfalos.

Nessas três circunstâncias, portanto, as gestantes têm o direito de realizar o aborto e, para tanto, devem contar, se precisarem, com todo o apoio do sistema de saúde para a realização da interrupção da gravidez, como garante a legislação. Com informações da assessoria de imprensa do AGU.