Opinião

Esclarecimento, impugnação ou representação ao edital: uma questão de opção

Autor

  • Antonio Cecilio Moreira Pires

    é advogado consultor jurídico doutor e mestre em Direito do Estado pela PUC-SP professor de direito administrativo chefe do núcleo temático de direito público coordenador do curso de pós graduação lato sensu em Direito Administrativo e Administração Pública pelo sistema EAD da Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie.

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20 de junho de 2024, 17h16

A Constituição, em seu artigo 5º, inciso XXXIV, alínea “a”, disciplina o direito de petição, a todos assegurado, independentemente do pagamento de taxas, em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder, perpetrados pelo poder público.

Regulamentando o dispositivo constitucional no âmbito das licitações, o artigo 164 da Lei nº 14.133/2021 estabelece: “Qualquer pessoa é parte legítima para impugnar edital de licitação por irregularidade na aplicação desta Lei ou para solicitar esclarecimento sobre os seus termos, devendo protocolar o pedido até 3 (três) dias úteis antes da data de abertura do certame”.

Esclarecimento e impugnação

Com efeito, o esclarecimento é utilizado para sanar dúvidas que não alterem (a priori) a formulação das propostas para participação do certame. Entretanto, caso o pedido de esclarecimento resulte em modificação, que impacte na formulação da proposta, é obrigatório a reabertura do prazo incialmente estabelecido (artigo 55, § 1º). De outra lado, importante rememorar o caráter vinculante dos esclarecimentos prestados, como, assim, já decidiu o Superior Tribunal de Justiça [1] e o Tribunal de Contas da União [2].

Spacca

Entretanto, a impugnação tem o viés de combater, ilegalidade ou irregularidade fixada no edital de licitação, como a exemplo, a famosa licitação dirigida, em razão de disposição editalícia que sabidamente compromete o caráter competitivo da licitação.

É de se ver que a impugnação encontra-se fundada em mandamento constitucional, regulamentando o direito de petição, nos termos do citado artigo 164, da Lei nº 14.133/21, que veio conceder, a qualquer pessoa, física ou jurídica, legitimidade para impugnar o edital, no prazo de até três dias úteis, antes da data de abertura do certame, diferentemente da legislação precedente, que determinava prazos distintos para licitante e cidadão promoverem a impugnação do instrumento convocatório.

Também, diferentemente da legislação revogada, que trazia prazo tão somente para a resposta à impugnação do cidadão, estabeleceu-se, no parágrafo único do comando legal precitado, que a resposta da impugnação será divulgada em sítio eletrônico oficial, no prazo de até três dias úteis, limitado ao último dia útil anterior à data da abertura do certame.

Cabe lembrar, por oportuno, que a impugnação, enquanto meio de insurgência do licitante contra os termos do edital, em razão de ilegalidade, além de se revelar em instrumental deveras importante para o controle dos atos administrativos, não obstaculiza a participação daquele licitante que manejou a impugnação, ainda que não se dê provimento ao pedido de anulação do edital, bem como aos demais pedidos de caráter subsidiário.

Colaboração

Perspectiva interessante, ainda no âmbito do controle da legalidade do edital, é aquela que ocorre em razão do próprio mercado. Por conseguinte, o particular, ao interpor a impugnação, está colaborando com a administração pública, ofertando suas considerações  sobre procedimentos adotados, documentos exigidos ou relativas ao objeto da licitação. Nessa linha de entendimento, o licitante deixa de ser um “inimigo” da administração pública, passando à categoria de colaborador, no âmbito de uma administração pública dialógica, eficiente e gerencial.

Contudo, a prática revela que grande parte da administração pública, salvo honrosas exceções, sempre caminhou em sentido diametralmente oposto ao determinado por Lei. Embora tenhamos impugnações extremamente mal formuladas, que nada dizem de concreto, e que devem ser rechaçadas pelo poder público, também temos aquelas insurgências consistentes, em que se demonstra e se prova a ilegalidade constante do instrumento convocatório. Seria, pois, natural, que aquela impugnação consistente, que traz em seu bojo a demonstração ou prova da ilegalidade, deveria ser provida, ensejando a publicação de um edital regular, nos termos da lei.

Representação

A grande verdade, conhecida por todos os licitantes, é que as impugnações, embora devessem ser alvo de cauteloso julgamento da autoridade competente, são simplesmente “contestadas” em todos os seus temos, com negativa de provimento, em franco amesquinhamento do direito do licitante. Por consequência, as representações nos Tribunais de Contas, respeitadas as devidas competências, demonstram-se como a melhor opção, nos termos do artigo 170, § 4º, da Lei nº 14.133/21.

A novel legislação, preenchendo lacuna legislativa deixada pela Lei nº 8.666/93, disciplinou a atuação da Corte de Contas quando da interposição de representação. Assim,  ao suspender cautelarmente a licitação, o Tribunal de Contas deverá, no prazo de 25 dias úteis, contado da data do recebimento das informações encaminhadas pela administração pública, pronunciar-se definitivamente sobre o mérito da irregularidade que tenha dado causa à impugnação, podendo referido prazo ser prorrogado, por igual período e por uma única vez (artigo 171, § 1ª).

Doutro lado, quando comunicada da suspensão cautelar da licitação, a administração deverá, no prazo de dez dias úteis, admitida a prorrogação: 1) informar as medidas adotadas para cumprimento da decisão; 2) prestar todas as informações cabíveis; e, 3) proceder à apuração de responsabilidade, se for o caso (artigo 171, § 2º).

Note-se que o artigo 171, § 2º, inciso III, é cristalino ao dispor que a administração pública deverá, dentre outros, informar sobre apuração de responsabilidades, se for caso. Parece-nos induvidoso que, afora irregularidades de caráter formal, as demais, notadamente aquelas que apresentem restrição ao princípio da competitividade, seriam passíveis de responsabilização.

Nessa esteira de entendimento, importa registrar as disposições do § 4º do sobrefalado artigo 171, que é determinativo no sentido de dispor que, se descumpridas as exigências constantes dos incisos I a III, do § 2º, isso ensejará apuração de responsabilidade, por descumprimento dos citados incisos. Veja-se que essa responsabilização, por descumprimento dos mandamentos determinados pelo inciso I a III, trata-se de uma segunda previsão de apuração de responsabilidades, com a obrigação de reparação do prejuízo.

Fiscalização

Para que fique mais claro, caso o Tribunal de Contas não receba as informações consistentes, relativas às medidas adotadas para o cumprimento da decisão cautelar de suspensão, não preste todas as informações cabíveis e, ainda deixe de apurar responsabilidades, quando devida, ensejará, também apuração de responsabilidade e obrigação de reparar o prejuízo.

Ainda que as disposições do § 4º do artigo 171, possam dar margem a dúvidas, no sentido de não restar claro perante qual autoridade deverá tramitar a apuração de responsabilidade, por descumprimento dos incisos I a III, do § 2º, isso deverá, em nosso entender, ser implementado pela administração pública, com fiscalização da Corte de Contas, até porque o caput do artigo 171 dispõe sobre competência fiscalizatória do Tribunal de Contas.

Talvez, com a possibilidade de responsabilização fiscalizada pelo Tribunal de Contas, a impugnação, finalmente, possa cumprir a finalidade para qual foi criada.

 


[1] “A resposta de consulta a respeito de cláusula de edital de concorrência pública é vinculante; desde que a regra assim explicitada tenha sido comunicada a todos os interessados, ela adere ao edital’ (REsp 198.665/RJ, 2ª Turma, rel. min. Ari Pargendler, DJ de 3.5.1999)’ (STJ. MS 13005/DF – 1ª Seção. Relatora: ministra Denise Arruda. DJe: 17/11/08.)

[2] O TCU (ACÓRDÃO 179/2021 – PLENÁRIO) já decidiu que: “Os esclarecimentos prestados administrativamente possuem natureza vinculante para todos os licitantes, não sendo possível admitir, quando da análise das propostas, interpretação distinta, sob pena de violação ao instrumento convocatório (dentre outros, Acórdãos 130/2014, ministro relator José Jorge, e 299/2015, ministro relator Vital do Rêgo, ambos do Plenário).

 

Autores

  • é doutor e mestre em Direito do Estado pela PUC-SP, professor de Direito Administrativo, chefe do núcleo temático de Direito Público, coordenador do curso de pós-graduação lato sensu em Direito Administrativo e Administração Pública, pelo sistema EAD, da Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie, sócio fundador do Moreira Pires Advogados Associados e coordenador do Observatório das Contratações Publicas (OCP.BRa).

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