Opinião

Desafios para o progresso dos direitos fundamentais do trabalho

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20 de junho de 2024, 9h16

Os princípios e direitos fundamentais no trabalho (PDFT) formam a base da justiça social e do desenvolvimento sustentável, refletindo os valores essenciais da Organização Internacional do Trabalho.

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A declaração de 1998 da OIT, emendada em 2022, estabelece como os direitos fundamentais dos trabalhadores: (a) a liberdade sindical e o reconhecimento efetivo do direito de negociação coletiva; (b) a eliminação de todas as formas de trabalho forçado ou obrigatório; (c) a efetiva abolição do trabalho infantil; (d) a eliminação da discriminação em matéria de emprego e ocupação; e (e) Um ambiente de trabalho seguro e saudável. A declaração de fundamentabilidade de tais matérias renova o compromisso da OIT com a Justiça social e com efetivação do preceito proclamado na Declaração de Filadélfia de 1944 de que o “trabalho não é mercadoria”.

A Conferência Internacional do Trabalho (CIT), em sua 112ª Sessão, que se realizou ao longo do período de 3 a 15 de junho de 2024, discutiu a situação atual dos PDFT, os desafios enfrentados na implementação, e as ações políticas necessárias para promover e proteger esses direitos.

A discussão no âmbito da CIT sobre os PDFT se dá após sete anos do último debate promovido pela OIT, em que se estabeleceu um plano de ação para o período de 2017-2023. Também é simbólico o período em que se realizou o debate desse assunto já que no ano de 2024 se comemoram os 80 anos da Declaração de Filadélfia. Este documento basilar da OIT influenciou o regime internacional de Direitos Humanos que veio a se estabelecer nos anos seguintes.

Para coordenar os trabalhos na 112ª CIT, o Secretariado Internacional do Trabalho elaborou um relatório [1] em que há a apresentação de dados e informações sobre os principais obstáculos para a efetivação dos PDFTs no contexto atual, bem como sobre as medidas normativas e políticas que buscam efetivar os PDFTs nos diferentes Estados-membros e as possíveis intervenções para alcançar melhores resultados.

O presente estudo tem como objetivo apontar alguns destaques do referido relatório e dos debates travados na 112ª CIT quanto aos desafios da implementação dos PDFTs e relacioná-los com o contexto brasileiro atual.

Desafios para o progresso nos PDFT

No relatório do Secretariado Internacional do Trabalho apontou-se que a globalização, as mudanças tecnológicas, a crise climática e as recentes pandemias, como a Covid-19, têm transformado radicalmente o mundo do trabalho. Esses fatores, juntamente com conflitos geopolíticos e crises econômicas, criaram um ambiente complexo e imprevisível que desafia a aplicação eficaz dos princípios e direitos fundamentais no trabalho (PDFT). Essas mudanças estruturais exigem uma adaptação contínua das políticas laborais para garantir que os direitos dos trabalhadores sejam protegidos.

A pandemia da Covid-19, em particular, expôs e exacerbou desigualdades preexistentes no mercado de trabalho, destacando a vulnerabilidade de trabalhadores informais, migrantes e de baixa qualificação. As medidas de confinamento e distanciamento social resultaram em perdas massivas de empregos e rendimentos, pressionando sistemas de proteção social e destacando a necessidade de uma maior resiliência nas políticas de trabalho.

Noutro passo, o relatório destacou que os conflitos armados e a erosão do Estado de Direito em certos países tem obstado o exercício da liberdade sindical e de outros direitos civis e políticos. Desses fatores, percebe-se a afetação desproporcional de grupos já marginalizados (como migrantes, etnias minoritárias e as mulheres) que são obstados de participar da arena pública para reivindicar direitos.

Outro aspecto ressaltado no estudo e nos debates durante a 112ª CIT foi a persistência da informalidade no mercado de trabalho. Essa constatação tem especial aderência ao contexto brasileiro onde grande parte da população ativa está laborando no mercado informal de trabalho — e, portanto, aparte dos sistemas de proteção social.

Relacionado a este último ponto, a OIT também tem constatado o aumento constante do trabalho nas plataformas digitais. Apensar de expandir as opções de renda para certos grupos que encontram dificuldades de se alocar no mercado laboral, o trabalho em plataformas está associado à informalidade, a salários baixos e precários, a riscos de Saúde e Segurança do Trabalho, à ausência de proteção social e laboral — elementos que, ao final, são óbices à liberdade sindical e tornam o ambiente mais propício à discriminação [2]. Diante dessas evidências, a OIT chama atenção ao fato de que as convenções fundamentais da organização se aplicam a “todos os trabalhadores” — a incluir os informais e, ainda, os “plataformizados”.

Essa orientação internacional demanda uma reacomodação dos sistemas jurídicos nacionais para que se garanta e efetive os direitos fundamentais do trabalho a grupo crescente de trabalhadores.

Spacca

O último fator indicado como obstáculo ao progresso dos PDFT decorre da ausência de adoção de medidas de atenuação e adaptação diante das alterações climáticas. Tem-se observado que a transição tecnológica na agricultura, com incremento de ferramentais e maquinários inteligentes, pode ter como consequência não intencional o aumento do trabalho precarizado e trabalho infantil no meio rural, especialmente se não forem tomadas ações corretivas sobre este ponto.

A transição para uma economia circular — em que se almeja privilegiar a reciclagem, manutenção e reparação — também exige a adoção de medidas que regulamentem esses setores e protejam os trabalhadores dessas atividades.

Nesse cenário, outra dificuldade decorrente das alterações ambientais, que se evidencia no contexto brasileiro, é a afetação de forma desproporcional de grupos marginalizados e periféricos. As grandes secas e enchentes têm repercutido de maneira mais aguda naqueles que se localizam em setores urbanos rurais que possuem déficits de acesso à moradia com qualidade, ao saneamento, ao acesso à água potável, ao acesso à educação e a outros direitos sociais.

Daí se faz necessária à incorporação das recomendações da OIT para que, no âmbito nacional, sejam adotadas medidas que promovam uma transição ambiental justa, com políticas públicas e com o reforço do sistema de proteção social para que estes grupos possam se reacomodar em outros espaços e trabalhos, caso seja necessário, ou para que possam permanecer nos territórios com acesso aos direitos sociais de que são titulares.

Afinal, conforme afirmado pelo presidente da República Federativa Brasileira, em discurso durante a 112ª CIT: “nunca a justiça social foi tão crucial para a humanidade” [3]. É necessário sempre relembrar o espírito de Filadélfia quando, há mais de 80 anos, demarcou-se a ideia de que o trabalho não é mercadoria, mas fonte de dignidade para todos (as).

Ainda, sem democracia e participação social não há como se falar em progressividade de direitos sociais, tampouco em transição justa, sustentável e inclusiva caso se deixe de lado a proteção social e, entre outros, a redistribuição equitativa de benefícios, inclusive os digitais — nos termos do que pontuou o presidente do Tribunal Superior do Trabalho, Lélio Bentes Corrêa também em participação na 112ª CIT.

Conclusão                                               

A conclusão dos trabalhos do ano de 2024 coloca em perspectiva a importância de se voltar o olhar para o futuro sem deixar ninguém para trás. Não sem razão, a 112ª CIT aprovou resolução que inclui pedido ao diretor-geral da OIT para que seja elaborado plano de ação específico para promoção de trabalho decente na economia do cuidado. Trata-se, aqui, do reconhecimento de que o trabalho produtivo depende e está intrinsecamente relacionado à economia de cuidado, da qual todos usufruímos desde o nascimento.

No mesmo sentido foram os encaminhamentos dados pelas delegações para a embrionária construção da primeira norma internacional voltada à regulação dos riscos biológicos no mundo do trabalho [4], de modo a fortalecer o direito a um ambiente de trabalho seguro e saudável.

As deliberações de 2024 evidenciam que a efetivação dos princípios e direitos fundamentais no trabalho é essencial para a construção de uma sociedade justa e equitativa. A identificação dos desafios para implementação dos PDFT, através dos estudos de abrangência internacional sobre o tema e expostos no relatório da OIT, oferecem bases sólidas para a discussão e proposição de medidas que possam enfrentar tais obstáculos, a fim de promover a justiça social e o desenvolvimento sustentável, sem deixar ninguém para trás.

 


[1] Disponível em: https://www.ilo.org/pt-pt/resource/conference-paper/principios-e-direitos-fundamentais-no-trabalho-numa-encruzilhada

[2] Felix Hadwiger, Realizing the opportunities of the platform economy through freedom of association and collective bargaining, OIT Documento de trabalho 80, 2022.

[3] Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=O1xoMRp04Q4

[4] Disponível em: https://www.ilo.org/pt-pt/resource/news/ilc/112/conferencia-internacional-do-trabalho-da-o-primeiro-passo-para-uma

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