ECOS DE LISBOA

Veja o que André Esteves disse sobre o Brasil no último Fórum de Lisboa

 

19 de junho de 2024, 10h13

O Brasil, muitas vezes, confunde quantidade com qualidade. Por exemplo: “O Brasil gasta a mesma proporção do PIB em educação que a Coreia do Sul” — afirmou o banqueiro André Esteves, no XI Fórum de Lisboa, promovido pela FGV, pelo IDP e pela Universidade de Lisboa, em junho do ano passado.

André Esteves no XI Fórum de Lisboa 2023

André Esteves palestrou no XI Fórum de Lisboa 2023

“Então, fica a reflexão para nós” — completou: “Não é um problema de quantidade, talvez a gente tenha que ter certeza do que a gente está fazendo com esse gasto, como a gente está fazendo”.

Em verdadeira aula de macroeconomia, André Esteves dissertou sobre o arcabouço fiscal brasileiro e sobre as perspectivas do País a longo e curto prazo.

Assista à palestra clicando aqui e, depois do vídeo, leia a exposição do titular do BTG:

A invenção da inflação

Eu, quando vejo os debates que aconteceram aqui nos últimos dias, me anima muito pensar sobre o Brasil, porque uma sociedade saudável não depende do governo A, do governo B, da política econômica A ou da política econômica B.

Claro que tudo isso importa, mas a coisa que mais importa são as instituições, é construir instituições de maneira perene, transparente, estável e que evoluam de acordo com a sociedade.

E eu acho que esse Fórum que vocês criaram, acima de tudo, alimenta o debate e a evolução institucional do Brasil. O sucesso americano ocorre ou ocorreu pelo consenso político. Está um pouquinho fora de moda no passado recente, mas 100 anos de política, ou consensos, como se diz, criaram uma sociedade de classe média alta e transparente, democrática.

E eu acho que a gente tem todas as condições de seguir esse caminho no Brasil. E debates como esse, eu acho que fazem a diferença na evolução da nossa sociedade. Bom. Coube-me fazer a conclusão deste painel, e eu vou pegar alguns pedaços do que foi dito e depois fazer um comentário sobre o momento Brasil.

Primeiro, eu queria relembrar uma citação do ministro Anastasia, muito bem-dita, lembrando o Império Romano quando a primeira notícia bem documentada de expansão fiscal – na verdade, seria a invenção da expansão monetária –, é quando o imperador, a situação começou a ficar mais apertada, e começou a limar moedas de ouro para poder pegar um pouquinho de ouro, diminuindo a moeda, e fazer novas moedas.

Como onerar as futuras gerações

No fundo, no fundo, foi a invenção da inflação. Nasceu lá dessa maneira tão criativa e tão rudimentar. E a gente nunca pode esquecer que a inflação é o mais pernóstico dos impostos, porque atinge de maneira desigual ricos e pobres, e é implacável com aqueles que não conseguem se defender.

Então, quando a gente discute contas fiscais ou equilíbrio fiscal, não podemos esquecer do que significa o desequilíbrio fiscal, que é a inflação, que significa pobreza e desigualdade. Então, o segundo ponto que eu quero falar é sobre o caráter intertemporal das contas fiscais.

No fundo, quando a gente aumenta um déficit em determinado governo ou em determinado momento do tempo, a gente simplesmente está criando uma oneração para as futuras gerações. Nada além disso.

No futuro, os impostos terão que subir, as políticas sociais terão que diminuir. O suporte da sociedade feito pelo Estado terá que ser reduzido para poder corrigir aquela irresponsabilidade que foi criada num dado momento do tempo. Então, esse é o segundo tópico que eu queria comentar.

O terceiro é o caráter não ideológico do equilíbrio fiscal. No fundo, manter as contas equilibradas, pois um país funciona como funciona a nossa casa. Ninguém aqui gasta mais do que ganha ou, se isso acontece, não vai durar muito tempo. A mesma coisa vale para as nossas empresas.

Gastar e arrecadar

Você não pode gastar mais do que você arrecada. Isso não vai funcionar no médio, no longo prazo. E um país é igualzinho. Se a gente for gastar mais do que a gente arrecada, isso não vai funcionar no médio prazo.

Em geral, ele não termina num calote, ele termina nesse imposto tão deletério para a sociedade que é a inflação. Estamos vendo isso aqui do nosso lado. A Argentina acabou de cruzar os 100%de inflação anualizada.

Isso é, obviamente aquilo que o Brasil viveu no fim dos anos 1970, durante toda a década de 1980, e que, infelizmente, gerações aqui presentes assistiram e viveram o quão deletério isso foi para a nossa sociedade. Isso nada mais era do que um crônico desequilíbrio fiscal.

Outra coisa também que eu queria comentar é sobre qualidade de gastos. A gente confunde qualidade com quantidade. Obviamente que o gasto em educação é importantíssimo.

Agora, o Brasil gasta a mesma proporção do PIB em educação que a Coreia do Sul. Então, fica a reflexão para nós. Não é um problema de quantidade, talvez a gente tenha que ter certeza do que a gente está fazendo com esse gasto, como a gente está fazendo.

Um mundo cheio de benchmarks

Quais os benchmarks internacionais que podem nos orientar a fazer mais uso de cada real empregado nisso e não ficar com grandes dilemas, ou grandes títulos, ou grandes políticas. Claro que temos que ter os nossos políticos, nossas ideias, as nossas adaptações, mas vamos olhar um pouco em volta.

Tem um mundo por aí, e o mundo está cheio de benchmarks, de coisas boas, de coisas ruins. Cabe a nós aqui, lideranças empresariais, jurídicas, políticas, tentar trazer aquilo de bom e evitar aquilo de ruim.

Um outro tema que eu também queria trazer é o tema da educação financeira, tão relevante. No fundo, eu acho que a gente tem que ampliar mais e mais o tema de educação financeira. Muitas vezes, e, de novo, principalmente aqueles com menos recursos, erram pela falta de educação financeira.

Boas intenções não mudam a matemática

Então, esse tema, não só no Direito, que eu acho que a gente deu um passo importante, e a gente sempre procura ter uma iniciativa de quanto mais puder educar a sociedade, de novas lideranças políticas, jurídicas e empresariais, melhor para o Brasil, porque não existe mágica.

Muitas vezes, tentamos resolver alguns problemas através de uma mágica. Vimos este ano, em algum momento, nós quisemos limitar a taxa de juros no crédito consignado. A reação seguinte foi que os bancos públicos pararam de emprestar crédito consignado.

Óbvio que é a linha de crédito mais barata para a população mais envelhecida e de baixa renda no Brasil. Volta e meia aparece uma ideia de “poxa, vamos emprestar dinheiro com juros lineares em vez de compostos”.

A gente pode ter boa intenção, mas não vamos conseguir reinventar a matemática persa ou mesopotâmica. Os juros são compostos na matemática, não tem muito que fazer. Então, essas aventuras não devem nos tentar.

A coisa é simples: a gente deve adotar aquilo que a gente faz nas nossas casas, nas nossas empresas, no nosso país. Esse é um caminho mais saudável. Agora, feitos esses comentários iniciais, eu quero trazer uma rápida descrição do Brasil e onde a gente está.

Credibilidade e incredulidade

Porque, às vezes, perdemos a perspectiva histórica do momento brasileiro. É claro que tem sempre a angústia da vez, a dificuldade da vez, o dilema da vez, a incerteza da vez. Agora, o Brasil evoluiu muito por mérito de vários que estão aqui nasala.

Figuras heroicas que se dedicaram à vida pública, seja no meio jurídico ou no meio político. Mas o Brasil melhorou muito, eu me lembro quando eu comecei nas mesas de operações, mais ou menos no início dos anos 1990, a taxa de juros era, já existia mercado de debêntures privadas ou de títulos indexados à inflação, e era o mercado de dois anos.

Eram basicamente debêntures de leasing dos bancos de primeira linha, e a taxa de juros era inflação mais 25 a 30. Eu vou repetir para não ter confusão. Inflação mais 25 a 30 porcento ao ano. Tinha que ser pós-fixado, indexado na inflação, porque a taxa prefixada era 4,379.

Eram os números desse tipo. Mudava diariamente o número, mas mudava de 4.000 para 3.000, 3.000 para 5.000, coisa assim. Então, um mercado um pouquinho mais longo tinha que ser indexado à inflação. E uma curiosidade, era a inflação do IGPM era IGPM mais 25% a 30%. Por que era o IGPM?

Porque ninguém confiava no IPCA, pois ele era calculado por um órgão do governo, o IBGE, e isso não passa mais na cabeça de ninguém, se a nossa inflação tem algum ajuste, o governo da vez quis fazer uma mudança.

A gente se esquece do quanto a gente evoluiu e, de novo, por mérito de muitos que estão aqui presentes em cadeiras jurídicas, em cadeiras políticas ou em cadeiras empresariais. Mas era assim que funcionava.

No início dos anos 2000, passados mais ou menos 15 anos, o Tesouro Nacional emitiu os primeiros títulos indexados à inflação, vamos dizer, dessa era moderna. O Brasil já emitiu isso num passado mais distante, e aí já indexados ao IPCA.

E, acho, as atuais NTN-Bs e as primeiras emissões, que tinham entre 5 e 10 anos, ainda um prazo relativamente curto para o padrão internacional, e as taxas de juros eram mais ou menos entre inflação mais 12% e inflação mais 14%.

Muito alto ainda, mas pelo menos já tínhamos o IPCA. Nada contra o nosso querido IGPM, que continua por lá, que Deus o tenha, mas vamos ficar com o IPCA a 12%, 14%, por cinco a dez anos. Chegando em 2023, e o Tesouro Nacional, nesse momento, terá leilão amanhã de NTN–Bs para 2060.

Portanto, vamos dizer que 40 anos, arredondando, e a taxa vai ser alguma coisa entre 5.60% e 5.70% mais o IPCA. Isso porque nós estamos em um pico de taxa de juros no pico de política monetária.

Na verdade, existe um certo consenso de que o juro real neutro no Brasil deve ser alguma coisa em torno de 4.5%, talvez quatro, talvez 5%, certamente, abaixo desse patamar que está aí. Ou seja, passados 30 anos, mais ou menos, nós saímos daquele ambiente caótico para esse ambiente aqui.

Por que isso aconteceu? Isso aconteceu porque, gradualmente, nós fomos resolvendo nossos problemas. Nós resolvemos, no início dos anos 1990, com a entrada do Plano Real, a inflação, muito custosa para a sociedade.

Arcabouço Fiscal

Depois começamos a resolver o problema de contas externas e de uma enorme volatilidade cambial. Fizemos uma transição democrática em 2002, na qual o Presidente Lula e seu governo tiveram a sabedoria de enfatizar a importância do equilíbrio econômico, e o valor que a sociedade dava a ele, e implementar as políticas sociais que eram de sua plataforma política, de acordo com esse equilíbrio financeiro e econômico que a sociedade tanto prezava naquele momento.

E o governo foi um sucesso de popularidade em todos os níveis da sociedade, incluindo o establishment financeiro, econômico, aquilo que se chama de mercado. E depois as coisas evoluem e a gente passa também a adotar o equilíbrio fiscal como mais um pilar de estabilidade da nossa sociedade.

Não interessa muito se é teto de gastos, arcabouço fiscal, desde que ele nos leve à responsabilidade muito simples, que é manter a sustentabilidade da nossa dívida. Não tem muito segredo em relação a isso.

Você pode chegar lá por um caminho A, por um caminho B, e ele pouco importa. O que importa é a gente chegar lá. E eu acho que o governo da vez tem sempre o direito de fazer da melhor maneira que lhe convém e da maneira que a sociedade naquele momento aceita. Agora, o que me parece é que essa conquista, primeiro da inflação, depois, do equilíbrio externo, e agora, das contas fiscais, ela não pertence a nenhum grupo político.

No fundo, isso é uma conquista da sociedade. E eu queria, nesse breve comentário sobre tema tão árido, também dizer o seguinte: que a partir desses equilíbrios, com todas as mazelas e desafios com os quais a gente ainda vive no Brasil, o nosso sucesso só depende da gente.

O sucesso depende de você

Mas precisamos ter certeza de que o nosso sucesso como nação, como sociedade, não é dado, ele não apareceu aqui pelos nossos recursos naturais maravilhosos, pela riqueza do pré-sal, pela pujança da nossa agricultura, pelo tamanho do nosso país. Não é isso que determina o sucesso.

A gente olha ao sul do Brasil e a Argentina tem os mesmos recursos naturais que o Brasil, no entanto, vive esse momento tão angustiante. O sucesso depende daquilo que estamos construindo aqui, que é criar um consenso, uma evolução constante institucional da nossa sociedade, que vai ter os resultados desejados.

Podemos usar Coreia do Sul e Cingapura, que são países praticamente sem nenhum recurso natural. Cingapura criou o país com maior renda per capita do mundo, a Coreia, em 50 anos, com a mesma renda per capita que o Brasil, tornou-se um país desenvolvido, de acordo com os padrões da OCDE, sem recursos naturais.

Simplesmente, a sociedade criou um consenso que reforçou as suas instituições e a sociedade criou condições econômicas de desenvolvimento espetaculares. E acho que, para concluir em um tom otimista aqui. O Brasil está pronto para isso. O nosso sucesso só depende da gente.

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!