Opinião

Plataforma nacional para prevenção de conflitos relacionados ao direito à saúde

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19 de junho de 2024, 17h23

Há mais de 30 anos, com o advento da Constituição de 1988 e a promulgação da Lei 8.080/90, foi criado o Sistema Único de Saúde como rede regionalizada, hierarquizada e descentralizada, com ações coordenadas entre os entes federativos direcionadas à implementação das políticas públicas de saúde (Barboza, Rêgo e Barros, 2020).

Arquivo/Agência Brasil

Apesar da importância do SUS para a efetivação dos direitos à saúde, a execução das políticas públicas na respectiva área não tem sido suficiente, na medida em que o Brasil possui uma das menores participações do governo no gasto com saúde em relação ao PIB, de acordo com o IBGE (2024) e a OCDE (2021).

Demandas infinitas, recursos restritos

Outrossim, a população brasileira tem recorrido ao Poder Judiciário para o acesso a bens e serviços de saúde, tornando a judicialização da saúde no Brasil um fenômeno incontestável nas últimas décadas. Entretanto, o citado fenômeno tem provocado alguns impactos negativos, a exemplo da quebra da isonomia no acesso ao SUS; desequilíbrio na distribuição de competências administrativas dentro do SUS; e riscos orçamentários para a administração pública (Wang et al. 2014).

Diante desse cenário, o Supremo Tribunal Federal foi instado, por diversas vezes, a buscar soluções para a problemática. Porém, apesar do esforço jurisprudencial para a solução dos obstáculos expostos acima, é perceptível a dificuldade de lidar com a judicialização na saúde, pois as suas demandas são infinitas, ao passo que os recursos, cada vez mais restritos e insuficientes. Dessa forma, deve-se pensar na questão para além do atendimento das demandas individuais e focar no aspecto da macrojustiça capaz de propor soluções para a melhoria dos serviços de saúde de maneira coletiva (Santos, 2020).

Spacca

Sendo assim, imbuído desse pensamento, o STF lançou mão de um processo estrutural e dialógico com representantes de todos os entes federativos da área da saúde pública e do sistema judiciário de todo o Brasil, no âmbito do Tema 1.234 (RE 1.366.243), a fim de buscar soluções efetivas para os diversos temas que envolvem a judicialização da saúde pública.

Comissão especial

Em 22 de setembro de 2023, foi proferida decisão monocrática pelo ministro relator, Gilmar Mendes, no âmbito do citado recurso extraordinário, por meio da qual foi criada uma comissão especial como método autocompositivo e formada por representantes da União, dos estados e municípios, no âmbito da qual estão sendo conduzidas as discussões sobre a estrutura de financiamento e medicamentos do SUS, passando pela judicialização do tema e eventuais desdobramentos.

Como destacado na decisão do ministro relator, o escopo da comissão resumir-se-á à apresentação de soluções efetivas para os diversos temas que envolvem a judicialização da saúde pública, dentre os quais: (a) responsabilidade, custeio e ressarcimento pelo fornecimento de medicamento incorporado ou não incorporado pelo SUS; (b) Métodos extrajudiciais de solução de litígios, inclusive na esfera administrativa; e (c) monitoramento dos usuários do SUS, desde a solicitação administrativa até a conclusão do tratamento deferido com intervenção judicial, a fim de verificar a eficiência e eficácia da judicialização da política pública.

Plataforma nacional

Como um dos frutos do trabalho da comissão especial, foi formada uma Subcomissão Especial de Tecnologia da Informação com o escopo de criar uma plataforma nacional unificada para centralizar as informações acerca das demandas administrativas e/ou judiciais de acesso a medicamentos e disponível para o cidadão e para o Poder Judiciário, contendo todos os dados básicos, de modo a orientar os atores do sistema público de saúde.

O laboratório de inovação do Tribunal Regional Federal da 6ª Região, iluMinas, foi incumbido de conduzir os trabalhos de criação da plataforma nacional de saúde no âmbito da Subcomissão de TI. Sendo assim, nos dias 18 e 19 de março deste ano, o citado laboratório recebeu representantes da área da saúde pública e do sistema judiciário de todo o Brasil (Ministério da Saúde, STF, CFM, CFF, Conass, Conasems, DPRJ, CNS, DPU E CNM) para participarem de uma oficina de criação com o intuito de desenvolver o respectivo sistema operacional (CNJ, 2024).

Em linhas gerais, a plataforma realizará a consolidação e organização das informações já existentes, para garantir um fluxo próprio para cada medicamento e uniformizar os procedimentos administrativos. Para tanto, a plataforma será o espaço de concentração tanto dos pedidos administrativos quanto dos judiciais de fármacos incorporados e não incorporados.

Em 21 de março do corrente ano, o protótipo da Plataforma Nacional de Saúde foi apresentado em audiência no âmbito do RE 1.366.243 e passou a contar com as seguintes premissas: (a) facilidade de acesso ao cidadão por meio de um sistema simples e inclusivo; (b) o controle dos prazos; (c) a interoperabilidade; (d) fluxo de ressarcimento entre os entes federativos dos custos com medicamentos; (e) acesso pelos profissionais de saúde à ferramenta nos postos de saúde e municípios; (f) amplo acesso pelos órgãos do Poder Judiciário; (g) acompanhamento do requerimento administrativo e judicial com informações claras sobre seu status; (h) acompanhamento pelo paciente após o deferimento da liminar; e (i) análise de dados por meio de painéis de Business Intelligence – BI (STF, 2024).

A ferramenta nasce essencialmente unificada, interinstitucional, transparente e desenvolvida mediante uma governança colaborativa entre o Poder Judiciário e a administração pública. A despeito de ainda estar em fase de desenvolvimento, justamente pelas suas características apontadas, a plataforma surge como uma promessa para prevenir conflitos relacionados à saúde e garantir o acesso universal tanto na seara administrativa quanto judicial.

 


Referências:

Barboza, N. A. S., Rêgo, T. . D. de M., & Barros, T. de M. R. R. P. (2020). A história do SUS no Brasil e a política de saúde / SUS history in Brazil and health policy. Brazilian Journal of Development. Recuperado de https://doi.org/10.34117/bjdv6n11-057.

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2024). Sob efeitos da pandemia, consumo de bens e serviços de saúde cai 4,4% em 2020, mas cresce 10,3% em 2021. Recuperado de https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/39675-sob-efeitos-da-pandemia-consumo-de-bens-e-servicos-de-saude-cai-4-4-em-2020-mas-cresce-10-3-em-2021.

OCDE. (2021). Estudos da OCDE sobre os sistemas de saúde: Brasil 2021. Recuperado de https://www.oecd-ilibrary.org/docserver/f2b7ee85-pt.pdf?expires=1712149017&id=id&accname=guest&checksum=F568A119A6A6B01EC4D68F2C14628106.

Wang, D. W. L., Vasconcelos, N. P., Oliveira, V. E., Terrazas, F. V. (2014). Os impactos da judicialização da saúde no município de São Paulo: gasto público e organização federativa. Revista de Administração Pública. Recuperado de https://www.scielo.br/j/rap/a/5YcctKRJTVmQnp5mRHkBBcj/.

Santos, L. (2020). Judicialização da saúde: as teses do STF. Recuperado de

https://www.scielo.br/j/sdeb/a/vSvHRqJW8XKDSvgqGYGCtdy.

Conselho Nacional de Justiça. (s.d.). Justiça Federal da 6a Região faz oficina para criação de plataforma nacional de saúde. Recuperado de https://www.cnj.jus.br/justica-federal-da-6a- regiao-faz-oficina-para-criacao-de-plataforma-nacional-de-saude/.

Supremo Tribunal Federal. (s.d.). Recuperado de https://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.jsf?seqobjetoincidente=6335939,].

 

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